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2.2 Embates ideológicos e pragmáticos entre o funcionalismo e o

2.2.2 Construtivismo e as Interações Simbólicas

Na visão construtivista, a sociedade é constituída a partir das ações e interações comunicacionais e simbólicas desempenhadas pelo ser humano. Neste campo, “(...) o sujeito desempenha um papel ativo em todo conhecimento, sendo a assimilação a propriedade mais geral dessas atividades” (PIAGET; GARCIA, 2011, p. 362). Sem essa tomada de consciência, o cidadão não exerce, intrinsecamente, a cidadania alicerçada na ética e na responsabilidade pessoal e social. Nesta breve introdução, podemos notar a relevância do construtivismo para os estudos na área da comunicação, pois teremos condições de conhecer os interesses ‘velados’ e as ideologias, que são transmitidas constantemente, esperando que as pessoas assimilem e correspondam ao modelo idealizado pelos detentores do poder. Assim, ideologia e poder estão entrelaçados em um mesmo sistema de força, uma vez que ambos se nutrem mutuamente para viabilizar a dominação. Seguindo este raciocínio, Thompson afirma que

o conceito de ideologia pode ser usado para se referir às maneiras como o sentido (significado) serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas – que eu chamarei de ‘relações de dominação’. Ideologia, falando de uma maneira mais ampla, é sentido a serviço do poder (THOMPSON, 1995, p. 15-16).

Para ilustrar a ação da ideologia na circunstância particular, Kucinski (2014) menciona reportagens empreendidas pela TV Globo, em 2004, nos telejornais e no

Programa Fantástico de 16/10/2004, para arranhar a imagem do Bolsa Família no imaginário popular. Segundo Kucinski (2014) irregularidades e deficiências foram apontadas nas reportagens, tais como, falha generalizada no cadastramento das famílias, para receberem o recurso, e a participação desonesta de prefeitos que faziam distribuição do recurso como se fosse presente pessoal. No entanto, de acordo com Kucinski (2014), todo esse esforço para mostrar que o Bolsa Família não passava de uma enganação, tiveram alguns propósitos evidentes. O primeiro foi a demonstração da força das Organizações Globo, pois esta acredita ter sido responsável pela criação da iniciativa para apurar as denúncias (Manchete do Jornal Nacional em 18/10/2004, após a reportagem do Fantástico: “Governo cria força-tarefa

para apurar denúncias sobre Bolsa Família”). O segundo esforço está relacionado

com a estratégia de punição, isso porque o governo teve o ensejo de criar o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (ANCINAV).

A respeito do CFJ, o governo Lula encaminhou, em 2004, o projeto de criação ao Congresso Nacional. Era uma reivindicação antiga dos jornalistas para que a profissão viesse a ser valorizada e regulamentada. No entanto, a Câmara dos Deputados6 recusou o projeto se rendendo a pressão da imprensa. O projeto foi

indiciado pelos ´donos da mídia´ de ser autoritário e de atender a uma hipotética tentativa de cerceamento da imprensa pelo Governo Federal (...) (FENAJ, 2016). Para a Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, “os empresários não admitem a normatização ética da profissão, porque querem manter o poder de decisão sobre o que pode e o que não pode ser informado à população” (FENAJ, 2016). Nesse evento, o fato que mais surpreendeu foi a posição do governo porque ao mesmo tempo que compreendeu as demandas dos jornalistas se rendeu à prática de negociação com o Congresso.

Quanto à ANCINAV, o governo não chegou a elaborar uma versão final do projeto. Tratava-se da criação de um órgão regulador e fiscalizador da produção e distribuição dos conteúdos audiovisuais. Segundo Lima (2010), “um pré-projeto não oficial vazado para a imprensa provocou uma feroz e intensa campanha de oposição, movida, sobretudo, pelos grupos tradicionais de mídia”. Complementa o autor que em

6 O parlamento brasileiro é composto em grande parte de proprietários de veículos de comunicação (FENAJ, 2016).

2005, diante do ocorrido, o governo decide continuar com os estudos desde que priorizasse a construção de uma proposta mais ampla e transformasse a ANCINE (Agência Nacional do Cinema) em ANCINAV. No mesmo ano, o governo envia uma nova proposta de legislação contendo somente os setores de fomento e de fiscalização no campo da produção audiovisual. “Isso atendia aos interesses de grupos que faziam oposição ao projeto de transformação da ANCINE em ANCINAV” (LIMA, 2010).

Esses episódios e tantos outros vivenciados são situações que demandam pensamentos críticos e carecem de estudos à luz da Sociologia da Comunicação. Este campo de estudo, nos anos 40, teve por orientações mais determinantes a Mass

Communication Research: constituída em torno do problema dos efeitos (teoria dos

efeitos limitados) e formalizada pelo modelo two step flow of communication. O modelo evidenciava a necessidade de forjar críticas sobre o problema da sociedade moderna. Seu maior propagador foi Paul Lazarsfeld, que a partir dessa crença refutava a teoria hipodérmica. A teoria hipodérmica utiliza-se do fenômeno das comunicações de massa (mass media) que devido à frouxidão dos laços tradicionais (família, comunidade, religião, etc.) conduz o homem ao isolamento e à alienação (WOLF, 2003). Nesta perspectiva, a massa

é tudo o que não se avalia a si próprio – nem no bem nem no mal – mediante razões especiais, mas que se sente ‘como toda a gente’ e, todavia, não se aflige por isso, antes se sente à vontade ao reconhecer-se idêntico aos outros (ORTEGA; GASSET, 1930, p. 8).

Neste sentido, observamos o surgimento do “homem-massa” (WOLF, 2003) que embora sendo um número na massa, sozinho, igual a todos, se sente parte da “normalidade“, o qual habitando este lugar o afasta do ato de refletir porque “a massa subverte tudo o que é diferente, singular, individual, tudo o que é classificado e selecionado” (ORTEGA; GASSET, 1930, p. 12). Ou seja, é uma sociedade de indivíduos atônitos, passivos e vulneráveis a qualquer iniciativa sistemática de manipulação (WOLF, 2003). Mills (1963, p. 203) corrobora ao afirmar que na teoria hipodérmica “cada indivíduo é um átomo isolado que reage isoladamente às ordens e às sugestões dos meios de comunicação de massa monopolizados”. Já Lazarsfeld refutou a ideia da passividade da massa por reconhecer que os receptores são

capazes de resistir às mensagens midiáticas, às intenções dos emissores e à mídia (ESTEVES, 1997).

A teoria hipodérmica – bullet theory – se propagou numa sociedade frágil e escassa de relações interpessoais. Esta teoria “(...) defendia, portanto, uma relação direta entre a exposição às mensagens e o comportamento: se uma pessoa é ‘apanhada’ pela propaganda, pode ser controlada, manipulada, levada a agir” (WOLF, 2003, p. 28). Valendo-se dessa teoria psicológica da ação, regimes totalitários, como o Nazismo, utilizaram-na com o fito de fazerem com que pessoas assimilassem ‘verdades’ e agissem no curso dos seus interesses de dominação política e econômica. Os meios de comunicação de massa despertaram para o seu poder de manipulação numa época em que o público não tinha – até hoje não tem – conhecimentos suficientes a respeito dos fenômenos da manipulação e persuasão. Além do mais, o mass media não é a única variável, que se interpõe entre emissores e receptores, a influenciar o processo de formação da opinião pública. Os representantes políticos, por exemplo, exercem grande influência.

Outra teoria que tem uma orientação sociológica e ideológica é a abordagem empírica de campo ou ‘dos efeitos limitados’. Esta teoria constata que o poder de persuasão da mídia possui limites, porém exerce forte influência sobre o público. No entanto, observações nesta arena não se limitaram a ressaltar apenas a influência praticada pela mass media, mas preocuparam-se em investigar a influência mais geral que perpassa as relações comunitárias (WOLF, 2003). Seguidores dessa teoria acreditam que para analisar os efeitos, produzidos a partir das ações empreendidas pelos veículos de comunicação de massa, é necessário levar em consideração o contexto social, onde ocorrem, assim como o sistema social que os cerca. Neste caso, “o que quer que se defina como um sistema social é sempre concebido como um sistema ‘aberto’, que se encontra em relações de interdependência com certo número de sistemas circundantes” (PARSONS, 1968, p. 14).

Deste modo, qualquer que venha a ser o ator do sistema social este não pode se esquivar da sua responsabilidade quando manipula, persuadi e influencia. Pois, por exemplo, já existem evidências suficientes sobre os efeitos ideológicos da mídia e do governo sobre a massa de pessoas. Dito de outra forma, observamos as grandes corporações de comunicação e a política (entidades ou políticos), principalmente, utilizarem desses conhecimentos teóricos sem se importarem com as consequências éticas. Sobre este axioma, Rocha e Vizeu (2012) afirmam que

depois do desfecho da 2ª Guerra Mundial, o receio de fanatização da sociedade em novas aventuras totalitárias e bélicas tornou inconveniente para a indústria cultural do grande capital a presunção hipodérmica e levou ao desenvolvimento da teoria dos efeitos limitados, que ainda hoje pretende eximir de qualquer responsabilidade a mídia dos problemas de anomia, fragmentação da consciência, atomização dos indivíduos e crescente crise estrutural de sentidos (ROCHA; VIZEU, 2012, p. 98).

Na década de 40, as pesquisas desenvolvidas pela sociologia, dentro da perspectiva comunicacional, costumavam se deter aos interesses empresariais visando, tão somente, a expansão dos negócios. Praticamente, nenhum movimento havia para observar a influência do mass media nas relações sociais. Deste modo, a inexistência de análises mais acuradas fazia com que a Mass Comunication Research impedisse a sociedade de reflexionar a respeito dos seus compromissos e os assumisse. Ou seja, melhor mesmo para os emissores era a perpetuação da ignorância, que parece, não ter modificado o seu plano até hoje. Pois bem, “mais que uma estratégia científica parece estarmos perante um estratagema (pouco científico) que inibe a capacidade de reflexão e de problematização da realidade social” (ESTEVES, 1997, p. 91).

Recorrendo aos fatos históricos, descobrimos que enquanto a Alemanha vivenciava a massificação do rádio, despertando para a reflexão crítica sobre os efeitos da comunicação de massa, os Estados Unidos constituíam a Mass

Communication Research desenvolvendo pesquisas bancadas pelas grandes

corporações midiáticas, pelas agências de publicidade e pelo governo americano (particularmente as forças armadas) (WOLF, 2003). Nesta acepção, os efeitos causados pela onipotência dos veículos de comunicação de massa, compreendidos na época pelas teorias Hipodérmica e dos Efeitos Limitados, mudam seu posicionamento para a negação, ou seja, passam a defender que não exercem qualquer influência sobre as pessoas. Essas posições são absolutamente contrárias e, ao mesmo tempo, compreensíveis quando analisamos os interesses dos órgãos financiadores, desses trabalhos, e suas estruturas de poder.

Diante do exposto, concluímos que a grande mídia tinha o interesse de ocultar sua responsabilidade na massificação, depois da Segunda Guerra Mundial, quando a manipulação midiática, para levar ao poder e manter ideologias totalitárias, teve os seus resultados catastróficos tornados bastante límpidos, a ponto de todos os países

da Europa Central, área mais afetada pelo conflito, terem criado o regime exclusivo de comunicação pública, a fim de tentar evitar novas aventuras bélicas. Hoje, o receio das grandes corporações midiáticas é que o disposto na Constituição Federal do Brasil venha a ser regulamentado obrigando essas empresas a, de fato, prestarem serviços públicos de comunicação alicerçados na educação, cultura e entretenimento. Por enquanto, exercem, predominantemente, a função de veicular ideologias das classes dominantes e estão subordinados aos interesses do “Estado capitalista e demais organizações poderosas na sociedade, apresentando uma atuação controlada pelos governos, anunciantes e proprietários, sob a influência das condições econômicas do mercado” (ROCHA, 2008, p. 50).

A medida que as grandes corporações de comunicação foram desenvolvendo estratégias de aproximação com a sociedade, notamos que a democracia passou a não ser considerada como desejo e necessidade das pessoas. Recalca-se, portanto, a condição de não ser natural, humano. Assim, contraditoriamente, a democracia passa a ser acatada como “(...) a expressão da capacidade de as pessoas participarem e de emularem o ‘pluralismo dos valores’ que lhes são oferecidos e que são filtrados pelos dirigentes das empresas comerciais” (GITLIN, 1978, p. 244). Esses dirigentes são os ‘donos da mídia’ brasileira, na grande maioria parlamentares7, que

elaboram e oferecem, constantemente, o menu de valores, ideologias a serem sorvidos pelo cidadão consumidor. Por consequência, observamos que esta estrutura de poder não atua dentro do cariz de que, antes de qualquer coisa, “democracia é liberdade” (DEWEY, 1995).