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O termo Patrimonialismo foi adotado nesta pesquisa por acreditar-se que o seu significado, expressa, essencialmente, a apropriação (dominação) de qualquer forma de recurso público pelo interesse privado. Para Campante (2003), a palavra substantiva Patrimonialismo advém do adjetivo patrimonial, que determina um tipo de dominação. Como o trabalho se propôs a investigar acerca da pragmática comunicacional da Presidência da República (governo Lula), nada mais coerente, que durante as análises das políticas e das estratégias de comunicação, fossem observados sob quais tendências estavam rendidas suas práticas, se à comunicação pública, com viés construtivista, ou ao patrimonialismo. Desta forma, é importante

destacar que, embora a estrutura da SECOM se posicione, legalmente, a serviço da comunicação presidencial, sua natureza deve ser, em absoluto, de caráter público. Segundo Faoro (2012, p. 820), “somente a lei, como expressão da vontade geral institucionalizada, limitado o Estado a interferências estritamente previstas e mensuráveis na esfera individual, legitima as relações entre os dois setores (...)”.

Nessa perspectiva, consideramos que o patrimonialismo se configura quando o político ou o administrador público (concursado ou comissionado) subordina as unidades políticas – abarcando pessoas, funções, dinheiro, bens materiais, influência e atribuições – ao individualismo. Portanto, os recursos e processos de que são detentores ficam voltados ao facciosismo particular do governante ou do partido. Essa situação é mais corriqueira do que podemos imaginar. Praticamente passa desapercebida, porque a maioria dos cidadãos não acompanham os afazeres de entidades, grupos de trabalho e setores da máquina estatal e governamental. Para demonstrar, podemos salientar a crítica do deputado federal Jean Wyllys32, sobre o

uso dos veículos de comunicação da Câmara dos Deputados, por Eduardo Cunha33.

Durante o evento de posse, para assumir a coordenação da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (FRENTECOM), Jean Wyllys lembrou que

(...) durante a gestão de Eduardo Cunha na presidência da Câmara, os veículos de comunicação da casa foram usados a serviço dele e de seus interesses. A FRENTECOM proporá a criação de uma coordenação colegiada com deputados de diferentes partidos e tendências para se responsabilizar pela da comunicação da Câmara, respeitando os interesses públicos sem atender a interesses de partidos e correntes. A coordenação colegiada substituirá a figura do deputado-coordenador de comunicação, criada por Cunha (JEAN WYLLYS ASSUME..., 2016).

Faoro (2012), no livro Os donos do poder, discute o tema Patrimonialismo através de um estudo amplo sobre a realidade histórica brasileira. O período demarcado pelo autor vai desde a Colônia até a Revolução de 1930. Entre outros propósitos, a obra revela as dificuldades em separar o patrimônio público dos bens privados, buscando pelas suas origens e singularidades. Além de discutir,

32 Eleito pelo PSOL para os mandatos 2011-2014 e 2015-2018.

33 Eduardo Cosentino da Cunha (PMDB) foi presidente da Câmara dos Deputados, no período de 2015 a 2016, e teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados.

amplamente, a respeito de estamento, que, na publicação refere-se ao estado-maior da autoridade pública, ou seja, uma organização político-administrativa, que mantém a corporação de poder numa comunidade. Assim, embora a redação convide o leitor a profundo nível de reflexão sobre os temas apontados anteriormente, em parte alguma vem um conceito objetivo para Patrimonialismo. Contudo, os fatos históricos da nossa política, por si só, definem e exemplificam que ao longo de todo esse tempo tem prevalecido os interesses da elite política do Brasil. Para Faoro (2012, p. 819),

a comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi.

O ranço personalista, que marca a trajetória política brasileira, vem subtraindo a coesão social e estimulando a obediência inquestionada de cidadãos, na relação com o poder público. Sobre a nódoa do predomínio das vontades particulares na biografia do nosso país, Holanda (1995, p. 146) afirma que é possível observar ao longo da história e “(...) que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal”. Quanto ao aspecto da submissão, Campante (2003) se vale das ideias de Marx Weber para direcionar as análises sobre o sentido e o grau de aceitação da obediência como norma válida, “tanto pelos dominadores, que afirmam e acreditam ter autoridade para o mando, quanto pelos dominados, que creem nessa autoridade e interiorizam seu dever de obediência”.

Holanda (1995), na obra Raízes do Brasil, afirma que a incapacidade para separar o espaço público do privado é um dos infortúnios da vida social, política e afetiva. O estudioso também explica como o patrimonialismo vem sendo reeditado na nossa história – predomínio perene das vontades particulares – e que os possuidores das posições públicas tinham dificuldades de compreender a diferença fundamental entre os âmbitos particular e público. Entretanto, não estamos convencidos da falta de compreensão porque, até hoje, os atos denotam mais descompromisso do que supressão de conhecimento. Segundo Max Weber (1925 apud HOLANDA, 1995), os detentores das posições públicas podem ser classificados como funcionário “patrimonial” ou burocrata. O primeiro coloca a gestão política como assunto de

interesse privado; “(...) as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário (...)”. No puro burocrata, os esforços e as funções asseguram garantias jurídicas aos cidadãos.

Faoro (2012) concorda com Holanda (1995) quando afirma que na história do Brasil a camada dirigente trabalha em causa própria, servindo-se dos instrumentos disponíveis do aparelho estatal. Kucinski (2008) corrobora com as reflexões dos autores reiterando que de todas as características atribuídas ao estado brasileiro, o mais significativo é o Estado Patrimonialista em que a máquina do Estado é empossada pelos interesses privados para se servir como se fosse patrimônio privado.

O patrimonialismo explica e sintetiza quase todos os outros ismos do nosso Estado e da nossa sociedade: o coronelismo, o corporativismo, o elitismo, populismo, até mesmo o patriarcalismo. O patrimonialismo tornou-se estruturante do Estado brasileiro quando o rei de Portugal criou as capitanias nas quais o conquistador acumulava o poder político e o poder econômico, ambos com o poder pessoal. Assim, o Estado brasileiro funda-se sem a demarcação entre esfera privada e pública. (...) A tal ponto [que] o patrimonialismo está no nosso DNA, que todos somos em alguma medida patrimonialistas, buscando interesses privados na máquina pública” (KUCINSKI, 2008).

Neste sentido, observamos que o padrão patrimonialista se manifesta ademais na forma como a comunicação de governo vem trabalhando há muito tempo. Notamos, portanto, insuficiente assimilação de que informação pública, seja ela comunicado interno, notícias veiculadas (nos meios próprios ou na mídia privada, pública e estatal), publicidade, discursos, pronunciamentos, entrevistas, falas para a imprensa (em off ou não), é um bem público. Assim, os agentes políticos e servidores devem apreender que toda informação pública é patrimônio do povo e, que, no exercício do cargo, a comunicação do Estado e do governo devem atender os interesses da sociedade. Contudo, a política brasileira acastela-se com histórias que enviesam a comunicação em direção ao personalismo na figura do político ou do gestor público. De tal modo, “é inadmissível continuar aceitando que a comunicação do poder público sirva apenas a gestores e, em última instância, a interesses personalizados” (MELLO, 2004, p. 149). Por conseguinte, a comunicação do poder público demanda novos aprendizados para os profissionais de comunicação do

Estado e governo bem como para os gestores governamentais. Assim sendo, a vivência precisa se firmar no interesse comum e não no individualismo.

Diante do exposto, o patrimonialismo da comunicação se apresenta quando todos os recursos do governo, destinados a informar, comunicar e educar, ficam submetidos a finalidades privadas. Desta maneira, este sentido expande, rigorosamente, para todas as ações e comportamentos sucedidos de setores destinados a trabalhar publicidade e comunicação de governo. Para Martins (2003, p. 61), “(...) o fenômeno do patrimonialismo consiste no uso para fins privados da máquina administrativa e dos bens públicos”. Vale salientar que, de alguma forma, aqui e ali, o DNA Patrimonialista se reproduz na sociedade, mas poucos identificam como “(...) promiscuidade entre coisa pública e coisa privada” (MARTINS, 2003, p. 61).

A Constituição Federal (Art. 37, § 1º) coíbe a autopromoção, uma vez que funcionários públicos e autoridades públicas não podem, dentro de suas funções, atuar em causa própria. Dentre as inúmeras situações que denotam faces patrimonialistas na comunicação governamental, podemos citar a troca de favores, o compadrio entre o poder público e os veículos de comunicação. Uma prática, nada incomum, é quando a fonte do governo privilegia informações públicas a determinado veículo almejando como retorno a publicação da matéria, do jeito que lhe convém, para atender interesses narcísicos. Segundo Bucci (2015, p. 26), “não são poucos os políticos brasileiros, alguns de boa-fé, que argumentam que a distorção do uso de verba pública para promoção das autoridades é uma falha (...)”.

Bucci (2015) também afirma que a comunicação governamental é um território em que o patrimonialismo resiste intocado. Portanto, verifica-se que esse fenômeno vem remoçando e aprendendo a se adaptar aos contextos políticos com o fito de garantir a perpetuação da comunicação privada com feição ‘pública’. Isto posto, nota- se um desvio na finalidade pública da comunicação do Estado e governos além de interferir nos propósitos democráticos. Deste modo, a comunicação pública deve ser praticada no avesso ao patrimonialismo rendendo-se às finalidades de “(...) promover o bem comum e o interesse público, sem incorrer, ainda que indiretamente, na promoção pessoal, partidária (do partido do governo), religiosa ou econômica de qualquer pessoa, grupo, família, empresa, igreja ou outra associação privada” (BUCCI, 2015, p. 69).

5 OPÇÕES METODOLÓGICAS E PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS

Este capítulo detalha a organização metodológica, que orientou o desenvolvimento da pesquisa. Portanto, as escolhas estiveram atreladas aos objetivos de analisar os princípios, as políticas e as estratégias de comunicação seguidas pela Presidência da República, nos governos de Lula, sob a ótica das premissas da comunicação pública (diálogo, comunicação com a sociedade e abertura à participação popular), explicar o que é uma política de comunicação pública e identificar possíveis dificuldades que o governo enfrentou para implantá-la.