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O relacionamento entre governo e mídia pode ser dividido em dois momentos. No primeiro mandato, instalou-se um clima de cabo de guerra, pois a presidência não conseguiu estabelecer uma boa convivência com a imprensa. A mudança para os jornalistas foi abrupta, porque enquanto no governo FHC41 estavam acostumados a

terem as suas fontes e falar todos os dias com o presidente, no governo Lula foi bem diferente. O entrevistado E11 relatou que quando iniciou a gestão, os jornalistas “queriam, também, falar com o Lula todo dia, queriam entrevista toda hora, só no

Palácio do Planalto tinham 50 representantes de toda a imprensa, os jornalistas credenciados e isso no começo, causou um certo choque, porque, eles estavam habituados com FHC”. E02 completa explanando que a imprensa reclamava muito do

presidente. Na sua opinião, Lula não gostava da formalidade das coletivas, “ele gostava de ir aos estados e falar com o povo”. Isto se confirma na fala de E03: “Boa parte da comunicação dele [Lula] era nos atos públicos o que ele tinha para [dizer] a imprensa era no ato público”.

40 Campanha empreendida através da PPP – Parceria Público Privado – da comunicação.

41 “Fernando Henrique Cardoso almoçava com os donos de veículo, atendia telefone, falava com os grandes, e era isso. O Lula nunca fez isso, o Kotscho nunca fez isso, pelo contrário, eles iam dar entrevistas pra rádio no interior, não se reuniam com os barões da imprensa" E07.

Outro motivo, que do mesmo modo estremeceu a relação com a imprensa, ocorreu logo no início do governo quando a presidência decidiu concentrar as verbas publicitárias na Secom. A aversão dos veículos ao governo foi instalada, porque, antes, o dinheiro que custeava a publicidade na TV pagava também um time imenso de assessores de imprensa, segundo E03. Dessa forma, houve uma queda expressiva no volume com publicidade, principalmente com os grandes veículos. Essa medida organizou o processo de negociação para a compra de mídia, da presidência e órgãos vinculados ao poder executivo, passando a barganhar maiores descontos. Mas, ao mesmo tempo, trouxe fortes retaliações conforme podemos perceber na narração a seguir.

O Tarso Genro, quando Ministro da Educação, em 2004, rompeu um contrato grande com a Editora Abril de produção gráfica. E de fato após o rompimento do contrato a Veja piorou muito a relação com o governo, a partir de 2004. É visível isso na revista em 2003 e depois de 2004. (E03).

No segundo mandato, a relação com a mídia tomou outro rumo, foi assimilada como eixo da comunicação do governo, depositando maior interesse estratégico se comparado à gestão anterior. O objetivo consistia em pautar a mídia o tempo todo. Desse modo, o comportamento da comunicação governamental modificou completamente. Percebamos a mudança a partir da fala do então Ministro Franklin Martins (2010, p. 13), durante palestra proferida em Brasília:

o presidente Lula fala o tempo todo com a imprensa, responde às perguntas, por mais disparatadas que sejam. Não há nenhum chefe de Estado ou de governo no mundo que tenha relação tão intensa com a imprensa quanto o presidente Lula. (...) é bom ressaltar que o presidente fala o tempo todo não porque gosta de falar ou está acuado, mas porque é essencial enfrentar as situações, especialmente quando existe má vontade ou hostilidade da mídia (grifo nosso).

Diante desse difícil relacionamento, entendemos que o maior prejudicado é o cidadão. Dito de outra forma, toda a sociedade sofre as consequências de uma relação minada pela disputa de interesses. De um lado está o governo ciente de que sua própria estrutura de comunicação (impresso, rádio, TV e internet) não alcança eficientemente o povo brasileiro. Por isso, a questão resvala na necessidade de informar, divulgar e instruir sobre os temas de interesse público, através dos canais de maior audiência. São inúmeras as ações e programas que precisam alcançar o

cidadão e, ao mesmo tempo, despertar o interesse em buscar informações nas plataformas governamentais disponíveis e desconhecidas. Logo, o governo sabe que precisa contar com as empresas de comunicação, não só para apontar os erros da gestão pública, mas também para cumprir o seu papel de informar à sociedade.

Deste modo, as emissoras de comunicação recebem concessão pública, e, para tal empreendimento, tem o dever de trabalhar, nas suas produções e programações, para as “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” (CF, Art. 221, Inciso I). Como visto, a Carta Magna determina, claramente, a função social da imprensa brasileira, que não deve ficar restrita apenas aos veículos de radiodifusão. Na nossa visão, os impressos (jornal e revista) e Internet não podem ser diametralmente isentos dessas responsabilidades. Em vista disso, incumbe a todos os meios de comunicação divulgar e informar os serviços públicos das esferas federal, estadual e municipal, instrumentando o cidadão. Para tanto, as reflexões de Guareschi e Biz (2005) ajudam a compreender a influência e a dimensão estratégica dos canais de comunicação no cotidiano. Define os autores que “a mídia é o coração da sociedade de informação, sob cuja égide vivemos. (...) não há instância de nossa sociedade, hoje, que não tenha uma relação profunda com a mídia, onde a mídia não interfira de maneira específica” (GUARESCHI; BIZ, 2005, p. 38).

Destarte, acreditamos que essa crença porventura esclareça o lugar que foi determinado à imprensa, nos anos 2003 e 2004, quando Kotscho (2003, p. 01), durante o discurso de posse, fala da sua missão como secretário de imprensa que passaria a ser em duas vias. “Ou seja, apurar o que acontece no governo para informar à sociedade por meio da imprensa e, ao mesmo tempo, ficar atento para o que acontece na sociedade para informar o governo”. Percebamos que o governo esperava contar com a companheira mídia para o feito de divulgar as ações do governo e levar informação de interesse público ao povo. Porém, a realidade foi bem diferente como relatamos no início deste item.

A grande mídia que tem por hábito ignorar o detalhamento das informações de interesse público, prefere noticiar, em tom de espetáculo, os escândalos e as crises do governo do que focar na sua função social, deixando de contribuir para a instrumentalização das políticas públicas. Quase sempre os jornalistas, de política, não costumam noticiar pela perspectiva do cidadão. A pergunta norteadora para esses profissionais deveria ser: o cidadão necessita saber o quê? Os oligopólios midiáticos, principalmente, direcionam sua atenção para as notícias que indicam possibilidades

no aumento da audiência e, por consequência, acréscimos de novas transações comerciais (venda de espaço publicitário). Nem que para isso, continuem tentando convencer todo mundo que seu trabalho de edição usa a mesma venda da deusa Têmis, a deusa da justiça. Vejamos a leitura sobre a mídia do entrevistado E01:

a lógica da imprensa, principalmente na cobertura do poder central, que é aquela lógica de que, para cobrir o governo, só vale aquilo que é ruim e, portanto, não vale dar ênfase aquilo que é bom, o que é bom é propaganda que faz governamental.

A Secom reconhece que a imprensa é importante instrumento pelo qual o cidadão tem acesso às informações de Estado. Todavia, seus profissionais enfrentaram disputas de opinião e dificuldades para fazer chegar as informações sem o filtro da chamada imprensa tradicional. Concomitantemente, durante o 2° mandato, perceberam que o alcance da grande mídia era limitado para o plano abrangente de comunicação do governo com a sociedade por duas razões. A primeira, refere-se ao fato de que, em muitas regiões do Brasil, as mais prováveis empresas de comunicação não eram as de maior audiência. A segunda, diz respeito à predominante interpretação de país através do que é noticiado nos estados RJ, SP e MG (visão da elite brasileira). Ou seja, jornais, rádios e Tv’s regionais costumavam (ainda costumam) pautar “(...) notícia da Agência Folha da Agência Estado, que tem um

interesse mais nacional e não vai esmiuçar o assunto a ponto de chegar a informação pequenininha aos veículos lá do interior. Aí a gente começou a regionalizar, (...) começou a dar uma força muito grande para rádios, hoje são mais de 8.000 rádios”

(E02). A experiência da democratização da informação, no governo Lula, levou a Secom a apreender que a comunicação do governo com a sociedade não devia passar necessariamente, e tão somente, pelos grandes veículos. Para E04, no segundo mandato,

(...) o grande mérito foi realmente a normalização da relação com a imprensa nesse caso aí o avanço foi grande inclusive de prestação de contas, da informação nos municípios, nos veículos menores. Toda uma linha de prestação da informação pro jornal pequeno, pro jornal do interior, eu penso que foi um movimento importante de democratizar mais a informação governamental e do Estado que está presente prestar contas das suas atuações. (grifo nosso).

Concluímos que todos os (13) entrevistados admitem a briga ideológica com a mídia, mais também compreendem a necessidade de o governo tê-la como ponte de comunicação com o povo. Os entrevistados E04, E08 e E13, por exemplo, falam enfaticamente que a imprensa é um ente relevante na intermediação da relação do governo com a sociedade. Portanto, percebemos o trabalho da Secretaria de Imprensa, do governo, para que os jornalistas assimilassem que a informação pública que chega até eles, obriga-os, devido ao seu inquestionável papel social, disseminá- la para todos. Não estamos desconsiderando que a grande mídia não informava a respeito dos programas e ações governamentais. A questão, que cabe advertência, é o devotamento desses veículos para cobrir mais a disputa política do que informar profundamente a respeito dos programas do governo. Sobre o assunto, E13 completa: “(...) a gente já via lá atrás uma má vontade, de as vezes da grande mídia, de fazer

uma análise profunda do governo, do governo Lula, reconhecendo seus méritos".

Por conseguinte, entendemos, que historicamente, o governo e a mídia carecem de internalizar, mais seriamente, o cidadão como o centro dos seus processos de comunicação, independente das relações estabelecidas entre eles. Segundo Nardin (2017), a administração pública deve superar a lógica que estabelece o gerenciamento da cobertura da mídia, sobre suas políticas públicas, como uma das principais funções de comunicação do governo. Quanto à mídia (TV e rádio), cumprir o seu papel de concessionária pública responsável por garantir informação, entretenimento e cultura à sociedade brasileira (Constituição do Brasil, artigo 221, Inciso I).