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3.1 Informação de interesse público

3.1.2 Lei de Acesso à Informação

Em se tratando de democracia, a Lei de Acesso à Informação (LAI) robustece dois direitos humanos ainda desconhecidos, pela massa, e mantidos na opacidade da agenda pública: o Direito à Informação e à Comunicação. Ambos são essenciais para

que nas relações entre Estado, Governo e Sociedade prevaleçam a transparência e a participação popular. Diante disso, como conceber uma gestão pública que esconde e/ou omite informações de interesse público e impossibilita o debate político? As consequências à democracia são desastrosas, porque os governantes retiram os cidadãos da cena política inviabilizando, por exemplo, modificações necessárias às políticas públicas. A situação se agrava quando, desde de tenra idade, não somos conscientizados e emponderados sobre Direitos Humanos (DH), nas escolas. Ao mesmo tempo, compreendemos que esta conjuntura, que propicia a desinformação e a apatia participativa, reflete nada mais, nada menos, que uma sociedade assinalada por um nascedouro colonial, escravocrata e patriarcal.

O Brasil foi o nonagésimo país a dispor de uma lei de acesso a informações públicas. Segundo Geraldes e Sousa (2016), tal demora se deve a tradição patrimonialista do Estado brasileiro, que despreza o diálogo com a população e mantém a ordem e a estabilidade através de medidas coercitivas. Além disso, de acordo com as autoras, existem aspectos de vulnerabilidades próprios dos Direitos Humanos à Informação e à Comunicação, que são

a invisibilidade, já que poucos sabem a que eles se referem e as lutas por esses direitos nem sempre conseguem se expandir para diferentes segmentos sociais; a confusão – já que um é tomado por sinônimo do outro e ambos são tidos somente como uma defesa da liberdade de expressão; e, por fim, a noção de que o acesso material é suficiente para garantir a sua efetividade (GERALDES; SOUSA, 2016, p. 277).

Mediante essas fragilidades, o engessamento vem se dando para favorecer a inoperância planejada desses direitos. Basta observar que a grande mídia continua partilhando do movimento contrário, pois até hoje nunca se preocupou em produzir uma reportagem ou programa cujo objetivo fosse esclarecer a trajetória histórica dos direitos à informação e à comunicação bem como explicar os seus significados e os caminhos para a população fazer uso. Concomitantemente, o Estado continua ignorando o princípio da publicidade (art. 37, caput), descumprindo a Constituição Federal do Brasil. Segundo Lassance (2010, p. 12), “a publicidade se refere à necessidade de dar transparência aos atos, estimular os cidadãos à fiscalização e à participação”. Para Bucci (2015), os gestores públicos devem tratar os assuntos do interesse de todos de forma pública, pois é um direito fundamental de cada cidadão.

Portanto, sem discussão permanente e sistemática sobre o dever do Estado de informar e o direito do cidadão de ser informado, salvo nas hipóteses excepcionais previstas na Constituição, a Lei de Acesso à Informação - LAI (Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regulamentada pelo Decreto n° 7.724 de 16 maio de 2012) não será difundida nos diferentes segmentos sociais, intencionando robustecer a sociedade para que cobre dos gestores públicos o cumprimento da lei. Baseado nestas colocações, somos obrigados a repensar sobre caminhos mais educativos, que venham a conscientizar as pessoas de que

o direito à informação é importante para promover a participação democrática e o respeito a outros direitos. O fortalecimento do fluxo de informações ajuda a promover a prestação de contas governamental e a confiança da população no governo e nas autoridades públicas. É também um instrumento chave no combate à corrupção e outras formas de ilícito público. O direito à informação é, assim, um instrumento de políticas públicas crucial para promover boa governança e outros benefícios sociais (ARTIGO 19 BRASIL, 2009, p. 5).

As convicções da Organização Artigo 1914 deixam claro o tamanho da

responsabilidade que cabe ao direito à informação, isto porque, sem ele, os demais direitos ficam comprometidos ou impedidos de serem garantidos. Basta refletir, rapidamente, como seria a adesão de políticas e programas governamentais sem informações suficientes para a população entender, apreender e participar? Uma outra questão, que na prática é bem conflitante, trata da limitada ou total inexistência de compreensão, por parte dos governantes e gestores públicos, de que quanto mais informação for disponibilizada, mais o governo conquista confiança e respeito da sociedade. Desse modo, “(...) uma das principais metas de qualquer sociedade que esteja lutando pelo desenvolvimento humano é o fortalecimento de todos os seus cidadãos, por meio do acesso e utilização da informação e do conhecimento” (UHLIR, 2006, p. 21).

Após levantamento em vários países, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE (2001) classificou a interação entre governos e cidadãos, em três níveis de importância crescente. O primeiro nível, Informação

14 A ARTIGO 19 é uma organização não governamental internacional que defende a liberdade de expressão e promove o acesso à informação. Em 2016, a entidade publicou o Guia Prático da Lei de Acesso à Informação da autora Lia Logarezzi. Versão disponível em pdf.

Unidirecional, o governo gera informação e transmite ao cidadão num único sentido.

A informação, cujo teor é prestar contas (accountability), significa que o cidadão precisa ter condições de identificar os responsáveis pelas decisões e exigir que se responsabilizem pelos atos. Neste tipo de interação, o princípio da transparência implica que o cidadão deve ter acesso à informação organizada, atual e verídica. A segunda situação é chamada de Consulta ou Diálogo, que ocorre quando a administração pública consulta o cidadão ou a sociedade sobre um assunto definido, previamente. Esta ação considera ter que informar antecipadamente e corretamente para, somente depois, conferir as opiniões (audiências públicas, pesquisas de opinião, entre outros). A última interação entre governos e cidadãos é nominada de

Comunicação Participação ou Associativa, que se manifesta quando os cidadãos

intervêm no processo de elaboração de políticas públicas, sendo possível sugerir alternativas ou modificações. Assim sendo, a OCDE (2001) acredita que para esta interação ser eficaz, seja imprescindível o poder público escutar os cidadãos, na hora de definir e implantar políticas públicas, como também, oferecer espaço para que proponham ideias e estas venham a ser aceitas.

Embora a derradeira interação, descrita acima, ofereça ares de maior atuação política, ainda assim, não será suficiente se o direito à informação for negligenciado. Pois, o cidadão só discutirá com mais propriedade, os temas públicos, se a ele for garantido o acesso aos conteúdos governamentais. Desse modo, uma vez abastecido de informações, terá condições para criticar, decidir e propor ideias mais assertivas. Logo, “a informação é uma prerrogativa para que o cidadão tenha plenas condições de fazer suas escolhas” (GENTILLI, 2013, p. 202). Segundo Bobbio (2009), as massas podem decidir e participar quando há direito de participação ampla e massificação das informações de interesse público. Por conseguinte, “(...) a informação dá acesso aos cidadãos à participação da esfera pública, dos debates políticos, do conhecimento do poder publicizado; ela se torna peça elementar à efetivação dos direitos políticos” (GENTILLI, 2013, p. 202).

Assim sendo, a democracia funda-se no pressuposto de que cidadãos bem informados tomam decisões conscientes, expressam opiniões com liberdade, chegando a influenciar a tomada de decisão dos governantes. Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UNESCO, 1948), o documento Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecido como Pacto de San José da Costa

Rica também corrobora com o tema em questão. No seu artigo 13, Liberdade de

pensamento e de expressão, item 1, remete ao entendimento de que

toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha (OEA, 1969) (grifo nosso).

A Lei de Acesso à Informação (LAI) vem dar cumprimento a acordos internacionais assumidos pelo Brasil, perante organizações internacionais em tratados e convenções. A Lei 12.52715, de 18 de novembro de 2011, foi uma iniciativa

do Governo Federal que pretendeu (ou pretende) quebrar o silêncio da tônica regra ‘o sigilo’. Sua criação não deixa de ser uma medida que visa consolidar a democracia, oferecer substrato para participação cidadã e controle das ações e gastos públicos. Segundo Bonfim (2014, p. 68), a proposta dessa lei disciplina “o acesso a qualquer documento ou informação específica procurados pelo cidadão”.

Passados cinco anos de existência da LAI, algumas questões continuam merecendo a atenção de estudiosos que buscam entender, ainda mais, como a cultura de transparência pública e o acesso à informação pública vêm sendo (ou não) estabelecida na relação entre Governo e Sociedade. Logo, indagações de outrora continuam perenes, como por exemplo: os servidores públicos são frequentemente capacitados para prestar informações públicas? Órgãos governamentais promovem diálogo com a sociedade com o fito de educar sobre o uso da LAI? Quais são os principais impasses quando os órgãos são provocados a prestar informações? O governo conhece os inconvenientes enfrentados pelos cidadãos no momento de exercer o direito constituído na LAI?

Para responder a essas indagações, exige, num primeiro momento, grande esforço por captar os reais interesses, que regem as entidades governamentais (lógica do poder em dominância). Desse modo, faz-se pertinente conhecer ainda sob quais bases políticas galgam a cultura dos órgãos públicos, no exercício de informar conteúdos de interesse público. E, por fim, compete estudar os problemas que partem da tensão entre o receio de desvelar as ações governamentais (estar na condição de

15 A Lei de Acesso à Informação pode ser acessada, na íntegra, em http://www.planalto.gov. br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm.

um governo transparente) e a incompreensão de políticos e gestores sobre o papel da informação pública para o êxito da gestão governamental. À vista disso, Haswani chama atenção:

para fornecer informações, é necessário que sejam acessíveis e compreensíveis, antes de tudo, ao público interno – os próprios agentes públicos estatais/governamentais. No Brasil, é muito comum encontrarmos cidadãos queixosos de “bater de porta em porta” ou “cansar do jogo de empurra” quando da procura de informações sobre serviços públicos – situações que denunciam falhas na comunicação processada no interior das instituições (HASWANI, 2013, p. 165).

Deste modo, a LAI oferece consubstanciais contextos que podem alicerçar políticos e gestores públicos a definirem, como uma de suas políticas de comunicação pública, a difusão de informações de interesse da coletividade e sua garantia de acesso, sem qualquer impedimento (salvo no que é expressamente excepcional). Para vir a ser uma política, é imperativo transcender o tom do dever legal, compreendendo mais de perto o alcance dessa medida para a assertividade dos projetos e programas governamentais, assim como adotar a postura de informar, independentemente de o cidadão procurar, ou não, pelas informações. Afinal, democracia exige a participação de governantes e governados muito bem informados e educados politicamente para o exercício da cidadania. Sobre o assunto, Bucci (2015, p. 67) assevera que

(...) informar significa dotar o cidadão da informação que ele tem o direito de deter. Portanto, informar significa submeter os recursos públicos ao direito à informação do cidadão, o que é oposto de submeter a formação da opinião e da vontade do cidadão às necessidades estratégicas das autoridades de turno. Logo, informar, nessa perspectiva, não significa infundir no público aquilo que o governo gostaria que as pessoas pensassem (isso aliás, é uma boa definição do oposto do dever de informar).

As concepções apresentadas pelo autor reforçam o lema ‘estar a serviço do bem

público’, que os governantes e gestores governamentais obstinam em se distanciar

para aderirem, constantemente, ao partidarismo. Em contrário, o direito à informação garante a ciência – plena e ampla – dos conteúdos de interesse comum, tenham sido eles requeridos ou não pelo cidadão. Logo, é válido observar, com o mesmo crivo, para qual lado o leme dos recursos da comunicação governamental está posicionado,

se a comunicação pública ou ao proselitismo. Pois, diante dessas posições antagônicas, a LAI serve como “(...) um instrumento do Estado para que os governos possam cumprir, grosso modo [forçados], seu papel normativo de informar o cidadão e garantir a ele o direito de ser e ter a informação” (BONFIM, 2014, p. 70). Assim, “(...) enquanto cabe ao Estado o dever de informar, ao cidadão é garantido o direito fundamental de ser informado, salvo nas hipóteses excepcionalíssimas previstas na própria Constituição” (BUCCI, 2015, p. 48).

A LAI pode ser considerada uma ação inicial no sentido de o Estado refletir, mais intimamente, sobre suas próprias políticas de comunicação com a sociedade. Neste caso, cumpri-la não significa somente garantir o acesso à informação requerida, mas também se abrir para uma postura mais interativa, transparente e participativa com o cidadão (a dinâmica da norma, assim exige). Todavia, “se a proposta da lei é facilitar – e disciplinar – o acesso à informação, também deve o gestor destes relacionamentos preparar-se para uma relação mais dialógica, aberta e organizada, pois há fatores para a construção da rede e para a interação” (BONFIM, 2014, p. 76). Geraldes e Sousa (2016) corroboram com esse pensamento, quando defendem que a Lei 12.527/2011 deve ser vista como uma Política de Comunicação, e, ainda uma oportunidade, para o Estado e instituições públicas “(...) restabelecerem os pactos com o cidadão a partir de um processo comunicacional que valorize as dimensões qualitativas da informação e do diálogo” (GERALDES; SOUSA, 2016, p. 286).

3.2 Diálogo com atores sociais

O diálogo faz parte das exigências práticas, do ofício de governantes e gestores públicos. Em se tratando de assuntos de interesse comum e de políticas públicas chega a ser inimaginável vislumbrar êxitos, nos projetos e ações governamentais, sem debates e interlocuções com diferentes atores da sociedade, desconsiderando suas opiniões. Pois, quando o Estado se concentra apenas nos discursos de seus pares, perde a chance de perfurar a bolha das ideias comuns, da mesmice. O pensamento contraditório e as diferentes ideias mostram a dinâmica vivaz da democracia, e, ao mesmo tempo, inspiram soluções mais fidedignas às necessidades legítimas de quem precisa.

Touraine (1994a, 1997) reconhece que o vínculo entre democracia e sujeito social já está estabelecido, porque o desenvolvimento de um é também o