• Nenhum resultado encontrado

antagônicas, a LAI serve como “(...) um instrumento do Estado para que os governos possam cumprir, grosso modo [forçados], seu papel normativo de informar o cidadão e garantir a ele o direito de ser e ter a informação” (BONFIM, 2014, p. 70). Assim, “(...) enquanto cabe ao Estado o dever de informar, ao cidadão é garantido o direito fundamental de ser informado, salvo nas hipóteses excepcionalíssimas previstas na própria Constituição” (BUCCI, 2015, p. 48).

A LAI pode ser considerada uma ação inicial no sentido de o Estado refletir, mais intimamente, sobre suas próprias políticas de comunicação com a sociedade. Neste caso, cumpri-la não significa somente garantir o acesso à informação requerida, mas também se abrir para uma postura mais interativa, transparente e participativa com o cidadão (a dinâmica da norma, assim exige). Todavia, “se a proposta da lei é facilitar – e disciplinar – o acesso à informação, também deve o gestor destes relacionamentos preparar-se para uma relação mais dialógica, aberta e organizada, pois há fatores para a construção da rede e para a interação” (BONFIM, 2014, p. 76). Geraldes e Sousa (2016) corroboram com esse pensamento, quando defendem que a Lei 12.527/2011 deve ser vista como uma Política de Comunicação, e, ainda uma oportunidade, para o Estado e instituições públicas “(...) restabelecerem os pactos com o cidadão a partir de um processo comunicacional que valorize as dimensões qualitativas da informação e do diálogo” (GERALDES; SOUSA, 2016, p. 286).

3.2 Diálogo com atores sociais

O diálogo faz parte das exigências práticas, do ofício de governantes e gestores públicos. Em se tratando de assuntos de interesse comum e de políticas públicas chega a ser inimaginável vislumbrar êxitos, nos projetos e ações governamentais, sem debates e interlocuções com diferentes atores da sociedade, desconsiderando suas opiniões. Pois, quando o Estado se concentra apenas nos discursos de seus pares, perde a chance de perfurar a bolha das ideias comuns, da mesmice. O pensamento contraditório e as diferentes ideias mostram a dinâmica vivaz da democracia, e, ao mesmo tempo, inspiram soluções mais fidedignas às necessidades legítimas de quem precisa.

Touraine (1994a, 1997) reconhece que o vínculo entre democracia e sujeito social já está estabelecido, porque o desenvolvimento de um é também o

desenvolvimento do outro. Destarte, sua concepção de democracia não se restringe ao conjunto de garantias políticas e civis, amplia-se para a luta dos sujeitos contra o pensamento dominante dos sistemas sociais. Para o estudioso, ser sujeito social significa ter a vontade de ser ator, ou seja, atuar e mudar o meio social no qual vive. Deste modo, "uma sociedade democrática é uma sociedade que reconhece o outro, não na sua diferença, mas como sujeito, quer dizer, de modo a unir o universal e o particular (...)” (TOURAINE, 1994b, p. 1). Por conseguinte, o sujeito é heterogêneo e aberto ao intercâmbio (MASSONI, 2011).

Segundo Espinosa (2012), o diálogo corresponde ao espaço de interação e interseção crescente entre Estado e sociedade. Neste enredo interativo, espera-se que os envolvidos aprendam com o tempo que participar como ser dialógico “(...) é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade” (FREIRE, 1977, p. 43). Assim, os significados colocados pelos autores ao termo diálogo imprimem alta conta de responsabilidade, transpassando o tom mínimo da troca de ideias. Ou seja, é um convite para pensar e agir, sem perder o senso crítico, em prol de transformações, mudanças sociais. Para Freire (1977), comunicação é diálogo e consiste em

coparticipação dos Sujeitos no ato de pensar (...) implica uma reciprocidade que não pode ser rompida (...) comunicação é diálogo na medida em que não transferência de saber, mas um encontro de Sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados. (...) comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas em sua co-participação no ato de compreender a significação do significado. Esta é uma comunicação que se faz criticamente (FREIRE, 1977, p. 67-70).

Na obra Mídia: teoria e política, Lima (2012) comenta que embora Freire (1977) empregue indistintamente os conceitos Comunicação e Diálogo, ele acreditava ser a comunicação uma interação – entre Sujeitos – fundada no diálogo. Para Freire (1979), a dimensão política do diálogo está atrelada a existência humana, poder falar, não silenciar, pronunciar o mundo e modificá-lo. Assim sendo, “a comunicação é (...) por definição, dialógica” (LIMA, 2012, p. 71). Essas interpretações esposam com a Comunicação Pública, pois o seu significado de comunicação implica diálogo, compreensão mútua, direito à informação e à expressão, sendo estas implicações entendidas como substrato político, que apoiam o cidadão nas circunstâncias de

refletir, avaliar e se posicionar sobre assuntos de interesse comum. De acordo com Duarte (2009, p. 61), a comunicação pública garante ao cidadão o diálogo, que significa “(...) um processo de interação em que os envolvidos assumem-se em igual nível de importância, direito e oportunidade de falar e ser ouvidos, buscando compreender e ser compreendido”.

Dentro da relação Estado, Governo e Sociedade, embora gestores públicos e políticos discursem proclamando serem adeptos da prática do diálogo, a realidade é bem outra. Basta observar os restritos espaços públicos, disponíveis para conversação, e as dificuldades encontradas pelo cidadão para chegar até representantes do governo. Com isso, os governantes não percebem os prejuízos à democracia quando decidem adotar postura antidialógica e quando negam ou obstaculizam esse direito aos atores sociais. As consequências, à nível de gestão, impactam na eficiência/eficácia dos planos de governo, pois lembremos que mesmo o sumo projeto governamental tenderá aos melhores resultados quando o gestor público escutar, procurar entender o ponto de vista dos governados e dispor do seu olhar crítico. A compreensão disso, já seria suficiente para o Estado estabelecer o diálogo como uma das políticas de comunicação de governo. Outro prejuízo, que merece análise, diz respeito a desconsideração da experiência dos atores sociais, pois estes a seu modo reflexionam sobre a realidade e tem ideias (a favor ou contra) que podem somar ao processo de mudança social.

Diante de tantas questões, nos parece que Freire (1979, p. 93) tem razão ao afirmar que “não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito”. Esta tensão apresenta-se imperativa, onde de um lado estão os cerceadores da fala – que inibem a condição humana de se comunicar –, e, do outro, existem pessoas oprimidas pelo Culto do Silêncio, mas que, apesar disso, brigam pelo direito humano à comunicação. Essa cultura já é tão empurrada garganta abaixo, que quase nunca exigimos dos governantes a divulgação de suas políticas de informação, comunicação e participação popular. Portanto, muitos políticos creem dialogar com o povo pelo simples fato de responder as mensagens enviadas pelo site.

Isso implica dizer que o fluxo de informação é importante, no entanto, não pode ser o único elemento. Esse processo exige diálogo de partes

que têm informações e condições suficientes para dialogar. O governo precisa ser o protagonista deste estímulo e os cidadãos os protagonistas do debate. Nesse momento, o grande desafio é estimular a participação pelo empoderamento dos cidadãos, seja pela educação para a comunicação, seja pelo acesso aos meios de comunicação ou ainda pelo treinamento de servidores públicos no exercício do diálogo. As pessoas não só devem falar, é necessário que tenham as condições técnicas e políticas para serem ouvidas (GERALDES; SOUSA, 2016, p. 288) (grifo nosso).

As convicções das autoras chamam atenção para clarificar, primeiro, que estar ao alcance do fluxo de informações não significa dizer que exista diálogo. Pois, pode não oferecer as condições necessárias para os atores sociais assumirem sua fala, sem qualquer impedimento na troca de ideias. As mensagens podem esbarrar em pleno fogo cruzado - de um lado para o outro - e serem somente mensagens não ouvidas, apenas lançadas. O sentimento de protagonizar o ato dialógico traz de volta a urgência da educação para a comunicação (começando na fase escolar), e, de incluir nas capacitações de gestores e funcionários públicos os significados políticos e práticos da tríade informação, comunicação e participação, para fortalecer a democracia.

De modo geral, os sujeitos sociais precisam aprender e assimilar que diálogo (ou comunicação) é uma condição humana, universal e deve ser garantido em todas as relações. No relatório Um Mundo, Muitas Vozes, a UNESCO16 (1983) remete à

comunicação o sentido de direção dupla onde indivíduos ou grupos podem manter um diálogo equiparado e democrático. Entretanto, mesmo que a Unesco venha afirmando, há tempos, ser a comunicação um direito humano, o seu significado vem sendo distanciado cada vez mais da essência dialógica e seccionado pelos sentidos comuns que são: ser comunicado ou receber informação. “Esta ideia de diálogo, contraposta a de monólogo, é a própria base de muitas das ideias atuais que levam ao reconhecimento de novos direitos humanos” (UNESCO, 1983, p. 287).

Segundo Lima (2015, p. 47), “Freire é o principal representante contemporâneo da tradição teórica da comunicação como diálogo”. Para Freire (1979), além do diálogo tratar-se de uma condição humana e universal, possibilita liberdade crítica do homem para a práxis ação e reflexão. Nesta pragmática, o homem toma sua voz e se empenha para (re)escrever, com outras tantas vozes, a história da sociedade, numa

via dupla. A comunicação de Freire, entendida como diálogo, aponta um caminho que possibilita o acesso a outros direitos e, portanto, significa a “(...) conquista do mundo para a libertação dos homens” (FREIRE, 1979, p. 93). Por outro lado, apesar de todas essas correlações de significados sabemos que o Estado continua construindo a imagem de comunicador, quando na verdade “(...) os órgãos públicos têm dificuldades de adaptação à lógicas dialógicas e relacionais com a sociedade” (BONFIM, 2014, p. 73). Assim sendo, enquanto os governos não colocarem o cidadão no centro da comunicação, permitindo um diálogo constante, colaborativo, transparente e participativo, continuará falseando uma democracia que vem silenciando o povo. Ou seja, o diálogo oferece um lastro significativo prático à democracia e “(...) não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar- se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes” (FREIRE, 1979, p. 93).