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Ainda estava a efectuar o meu estágio curricular e já enviava dezenas de candidaturas, umas espontâneas, outras para resposta a anúncios de emprego, para diversas organizações, com o objectivo de iniciar a minha actividade laboral mais a sério, o mais depressa possível. Não havia pressão familiar para essa decisão, contudo eu própria tinha decidido pela minha autonomia financeira. Poucas respostas obtive, apesar de ter escrito muitas cartas de candidatura.

Estava ainda em Madrid, quando me contactaram para comparecer numa das empresas de um dos mais prestigiados grupos empresariais de consultoria, recrutamento, selecção e formação no nosso país. O processo de selecção passou por uma entrevista e por uma simulação de formação, por mim dada, perante um grupo de candidatos e uns ―formandos‖ protagonizados pelos consultores seniores da empresa em questão. Tive vinte minutos para decorar o guião da formação em causa (parte de uma acção de formação de atendimento ao cliente) e fui a única do grupo de

candidatos (em jeito de desafio de uma consultora) a simular, sem poder recorrer ao guião. Era a candidata mais nova do grupo, não tinha experiência como formadora, nem tampouco ainda o curso de Formação Pedagógica de Formadores… De vários candidatos (não me lembro ao certo quantos), eu fui um dos dois candidatos seleccionados para iniciar funções dentro de um curtíssimo espaço de tempo.

Antes de iniciar funções, muito me ajudou assistir a acções de formação dinamizadas por uma consultora, que já trabalhava na empresa há mais tempo, a Marta Hierro. A ajuda e o modelo dela foram preciosos nesta altura. Um exemplo de dinamismo em sala, que motivava os participante da acção de formação. Ainda assim, não tenho dúvidas que o meu desempenho na fase da selecção, em muito se deveu às experiências da minha educação base (familiar e bíblica). Com apenas vinte e dois anos, inicio a minha carreira como formadora e consultora na área comportamental. Realizei auditorias comportamentais (metodologia ―Cliente Mistério‖) e elaborei os respectivos relatórios, para diversas empresas clientes. Dinamizei diversas acções de formação em áreas como o Atendimento e as Técnicas de Venda. Participei em reuniões internas de preparação de projectos de formação, bem como em reuniões com empresas clientes. Entre as empresas com as quais trabalhei como consultora/formadora, lembro-me da TV Cabo Portugal, Pingo Doce, Hospital Pedro Hispano, Wolksvagen, Divani & Divani, bem como de várias empresas do grupo SONAE como a Optimus, Novis, Modelo, Continente, Modalfa, Worten, Vobis e Sport Zone. Indubitavelmente, o contacto com os clientes, a interacção com os formandos (colaboradores dessas empresas) e tudo o que estava implicado no desempenho das funções em causa, contribuiu para o meu desenvolvimento enquanto profissional. Tomei consciência do gosto que tinha pela comunicação e observação dos indivíduos, em grupos de trabalho.

Os próprios conteúdos da formação que eu dei, foram um reforço de aspectos que já sabia e um aprofundamento de outros mais específicos ligados à comunicação, com suporte informativo estatístico e resultados da observação feita aos consumidores de produtos e serviços – como contornar objecções, como responder a reclamações, os perfis comunicacionais passivo, assertivo, manipulador e agressivo, o uso de diversos tipos de perguntas em função dos objectivos que queremos atingir, a escuta activa, a

postura corporal e expressão facial, as distâncias físicas entre sujeitos e os seus significados, a linguagem mais correcta e a menos correcta na relação com o cliente, aspectos importantes na argumentação comercial, aspectos relacionados com o merchandising, entre outros assuntos.

Viajei de norte a sul do país, conhecendo melhor os traços culturais regionais que distinguem as pessoas. Provei pratos gastronómicos diferentes, aprendi a gostar de vinho tinto, aprendi expressões típicas. Um dos marcos importantes do meu trabalho nesta empresa, foi o projecto que me levou a permanecer na Madeira durante dezassete dias, o qual me permitiu conhecer a ilha toda e mais tarde ser ―guia turística‖ da minha família.

Acima de tudo, nesta empresa onde trabalhei, conheci uma cultura organizacional exigente e rigorosa, que não se compadece com atrasos, esquecimentos, desorganização ou má preparação para os projectos. No primeiro dia de formação, era expectável eu chegar uma hora antes, para testar todos os equipamentos (audiovisuais ou outros) que iria utilizar, conhecer bem as instalações e falar com os responsáveis internos pela organização da formação. Tinha que comunicar frequentemente com estes últimos para dar o devido feedback sobre a forma como estava a decorrer a formação, se por acaso não chegava mesmo a tê-los em sala para fazer a sua avaliação/acompanhamento in loco, num esquema por vezes próximo daquilo que se apelida como coaching. No final da formação, comunicava logo com a sede da minha empresa para dar feedback ao consultor sénior responsável pelo projecto em questão. Por vezes, quando observo a falta de articulação e preparação entre formadores e coordenadores de formação nos centros de formação públicos, lembro-me do que jamais poderia ocorrer nesta empresa...

Muito importante: antes de cada projecto, eu tinha que me familiarizar com a história da empresa cliente, a sua situação actual, o volume de negócios, os segmentos-alvo de mercado, os produtos/serviços oferecidos, as suas características, benefícios, diferenças e vantagem competitiva face à concorrência, a gíria profissional do sector comercial em causa, os nomes dos responsáveis da alta hierarquia e das chefias intermédias com as quais poderia vir a contactar, o conteúdo funcional dos colaboradores (público-alvo da minha formação), o organograma da empresa e a sua

estrutura funcional. A ideia vincada no arranque dos projectos que tínhamos era: ―ou corre bem, ou corre bem‖.

Aprendi a trabalhar em condições proporcionadas pela empresa cliente que iam do excelente ao medíocre. Ora trabalhava em salas de formação com todas as condições exigidas para uma formação com qualidade, ora trabalhava em salas sem tecto, em armazéns de grandes dimensões, nos quais decorriam várias acções de formação em simultâneo, sendo que os formadores eram obrigados a ouvir as vozes uns dos outros. Trabalhei com ar condicionado e no extremo calor, com doze ou menos pessoas em sala e com mais de vinte, com pouco espaço para nos movimentarmos. Todas estas experiências me ensinaram a adaptar-me a condições de trabalho adversas, sem diminuir a qualidade do serviço que eu prestava, defendendo sempre o bom-nome da empresa que eu representava e da empresa cliente.

Desenvolvi também, nesta altura, a minha capacidade de contornar objecções ligadas aos conteúdos da formação ou então a situações internas problemáticas da empresa cliente que descontentavam os colaboradores e causavam uma desmotivação inicial nas acções de formação. Ainda assim, tive o privilégio de ver expressões faciais mudarem durante a primeira manhã de formação, através do dinamismo e empatia que estabelecia com o grupo de formandos.

A capacidade de trabalhar com afinco, mesmo em condições adversas, é fundamental para um profissional de RVC que tenha que dinamizar sessões de reconhecimento em regime de itinerância. Eu mesma já tive que enfrentar condições agrestes e sei que, muitos profissionais neste país têm feito um trabalho verdadeiramente heróico, ao percorrer muitos km, sob más condições climatéricas, em horários inusitados e para locais pouco adequados em termos de infra-estruturas para formação, muito menos para reconhecimento de adquiridos...

Em paralelo com o início da minha carreira como consultora/formadora, frequentei o curso que mais me ensinou sobre mim própria e a relação com os outros (um marco importante na minha auto-descoberta e introspecção), para além daquilo que já sabia anteriormente: a Formação Pedagógica de Formadores. Com esta formação passei a saber conceber e preparar uma intervenção pedagógica (definição de objectivos gerais e específicos, caracterização do público alvo, planos de sessão, entre outros

conhecimentos), bem como a animar sessões de formação, utilizando as regras básicas da comunicação e pedagogia.

No âmbito desta formação foram dinamizados vários exercícios e dinâmicas de grupo, bem como testes, os quais nos permitiram conhecer o nosso perfil comunicacional (no meu caso o assertivo, como já referi anteriormente neste trabalho), as nossas qualidades positivas e aspectos a melhorar como comunicadores, nomeadamente através de simulações de acções de formação, as quais eram filmadas, visionadas à posteriori e devidamente comentadas com base numa grelha de comportamentos específicos a verificar, dando lugar assim a uma auto e hetero-avaliações.

Adquiri e reforcei conhecimentos já adquiridos noutros contextos da minha educação de base, quer a nível comportamental (como me posicionar na sala de formação, como utilizar a minha voz, expressão corporal e facial, factores de motivação e processos de aprendizagem, entre outros aspectos), quer a nível técnico (como e quando utilizar o equipamento da sala de formação, recursos didácticos e mais concretamente os recursos audiovisuais), quer a nível conceptual e legal (terminologia própria da formação vs escola, legislação, entre outros aspectos relevantes). Não posso deixar de referir que as qualidades ou ―competências‖ desenvolvidas na minha infância e juventude, no seio familiar e comunitário, foram marcantes para o bom desempenho nos exercícios e dinâmicas propostos nesta formação. Não deixa de ser curioso que, mais uma vez, fui eleita naturalmente como porta-voz dos grupos de trabalho aos quais pertenci, à semelhança do que aconteceu no contexto escolar, desde a mais remota infância.

Esta formação ainda foi mais enriquecedora porque, pela primeira vez, estive em contacto permanente durante a semana, ao final do dia, com pessoas de diversas áreas profissionais a saber: um biólogo marinho, dois advogados, uma filósofa, uma professora, uma assistente social, uma gestora de recursos humanos, um engenheiro informático, uma historiadora, uma técnica de arquivo e documentação, uma nutricionista, entre outras profissões. A criação de laços de simpatia e amizade com estas pessoas facilitou o processo de aprendizagem com elas.

Neste contexto formativo formal, desenvolvi competências pedagógicas essenciais para ser formadora, competências essas que de alguma forma viriam a ser sempre

importantes para mim, mesmo em contextos informais ou não formais. Um exemplo simples do que acabei de afirmar: nunca mais me esqueci de que se alguém não compreende a mensagem que pretendo transmitir, ―a culpa é minha‖. Ou seja, não irei repetir o que disse, mas sim reformular, explicar de uma forma diferente, de maneira a que o meu receptor da mensagem entenda. Só assim há comunicação e consequentemente aprendizagem. Assim sendo, nunca pergunto ―Está a compreender?‖ ou ― Percebe?‖, mas sim, ―Fui clara?‖, ―Fiz-me entender?‖ ou ―Fui esclarecedora?‖. Da mesma forma que passei a valorizar ainda mais as perguntas de controlo/feedback, quando explico algo a alguém, em qualquer circunstância seja ela formal ou informal.

Pouco tempo depois do curso Formação Pedagógica de Formadores, frequentei o curso Apresentações de Sucesso, no qual aprendi a conhecer e a explorar melhor os audiovisuais com objectivos pedagógicos, tendo tido módulos como Televisão e Vídeo, ―Camcorder‖, Noções de Estética e Imagem, Linguagem Vídeo, Áudio, Rodagem, Montagem e Pós-Produção, Pré-Produção, Multimédia e Novas Tecnologias, Informática/Software, Concepção, Produção e Exploração de Acetatos.

Este curso contribuiu para que eu ficasse mais à vontade com as ligações e utilização do computador, videoprojector, televisor, câmara de vídeo, smartboard (apresentador visual electrónico), uma vez que costumava filmar e visualizar simulações de atendimento e venda, bem como utilizar apresentações em power point através do computador e videoprojector. Os conhecimentos deste curso deram-me as bases necessárias para operar com diversos modelos de equipamento, sem depender de um técnico de recursos audiovisuais, como aconteceu em várias acções de formação por mim dinamizadas, e não deixam de ser igualmente importantes para eventuais actividades nas sessões de reconhecimento.

A visão restrita sobre a formação de adultos, distante dos princípios basilares da educação, manteve-se nos primeiros anos da minha actividade profissional, enquanto consultora e formadora na área da gestão de recursos humanos e desenvolvimento organizacional, especialmente direccionada para o sector terciário (comércio e serviços). A visão sobre a formação de adultos é intensamente influenciada pelas políticas de gestão de recursos humanos, cujo interesse passou a ser cada vez mais

promover a competitividade entre indivíduos e potenciar a sua produtividade, acima de tudo para vantagem das organizações onde trabalham.

É de referir que acções de formação curtas (três dias ou menos), de carácter comportamental (atendimento, técnicas de venda, comunicação interpessoal, negociação, entre outras), as quais são ministradas por empresas de consultoria e formação de recursos humanos, tentam incutir nos adultos activos os princípios de uma formação comportamental que consideramos obrigatoriamente base (o sorriso, o cumprimento, as expressões de agradecimento, a assertividade na relação interpessoal, e outros aspectos), para simplesmente aumentar o volume de vendas ou fidelizar clientes. Se na realidade existem casos de sucesso, não é menos verdade que a taxa de insucesso no que toca à aplicação dos comportamentos é significativa, a avaliar pelo acompanhamento/avaliação pós-formação. Cada vez mais está provado que sem o envolvimento da emoção (coração), não há aprendizagem, logo, muitas vezes, não há aquisição, aplicação ou transformação dos comportamentos desejados ou preconizados pelas acções de formação de índole comportamental. Porém, este facto ajudou-nos a concluir que:

Os adultos têm défices em termos de valores e/ou princípios educativos de base porque não apreenderam determinados valores em contexto familiar e escolar;

Os valores e/ou princípios educativos de base, não foram apreendidos no contexto laboral, associativo ou noutro, em virtude do não envolvimento da emoção do adulto (intimamente relacionado com a formação experiencial), da falta de incentivo ou motivação do mesmo;

Os adultos podem melhorar e desenvolver atitudes socialmente positivas, contudo, não necessariamente o fazem em três dias de formação, sendo que poderão ficar minimamente sensibilizados para a mudança de comportamento; Uma oferta de formação de adultos simplesmente vocacionalista, orientada

para as organizações e não para os indivíduos e para a sociedade como um todo, pode ter um custo elevado e benefícios temporários, os quais em nada

abonam a favor de uma sociedade sustentável do ponto de vista social e até económico, a médio e longo prazos.

Nesta fase da minha vida profissional, começo a questionar o rumo que a formação de adultos que eu conhecia estava a levar e o que mais se poderia oferecer neste âmbito... A minha visão começa a ficar mais crítica e a desejar abarcar outros caminhos…

Coordenadora da Divisão de Formação de Formadores, Recrutamento