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A Caminhada da Corrente de Histórias de Vida para a Compreensão da Formação/Aprendizagem Experiencial

5. O Sujeito Narrador Conta – “Lógicas de Projecto”

Se neste trabalho abordamos o método autobiográfico, no âmbito dos processos de RVCC dinamizados nos CNO, entendemos que é importante a destrinça que Josso faz entre ―histórias de vida‖ e abordagem biográfica ou abordagem experiencial (2002:20). Embora as narrativas elaboradas ao longo dos processos RVCC tenham como ―pretensão‖ abarcar a vida dos adultos na sua globalidade, as mesmas acabam por focar-se nos aspectos considerados pertinentes na óptica dos referenciais de competências. Esta abordagem temática de um percurso de vida, em nada deve ser desvalorizada, pois trata-se de aplicar uma abordagem experiencial em função de um projecto específico, que neste caso é a validação de competências de foro académico ou profissional e, se possível, perspectivando um percurso formativo específico. A

diferença entre a abordagem das ―histórias de vida‖ e a aplicação das mesmas ao serviço de lógicas de projecto é sublinhada por Josso de forma clara (2002:21):

(...) as histórias de vida postas ao serviço de um projecto são necessariamente adaptadas à perspectiva definida pelo projecto no qual elas se inserem, enquanto que as histórias de vida, no verdadeiro sentido do termo, abarcam a globalidade da vida em todos os sues registos, todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica própria.

Indo ao encontro das definições de Dominicé, Landry, Bezzola e Pain (Cavaco, 2002:34), salientamos o que Dumont expressou: ―toda a experiência, quer seja presente ou passada, a partir do momento em que é fotografada, interrogada e reorganizada é formadora para a pessoa‖. Ora, se ao longo da vida, as pessoas ―fotografam‖ experiências, muitas delas apenas são verdadeiramente ―interrogadas‖ e ―reorganizadas‖ durante o processo RVCC, aquando da reflexão que fazem na elaboração da sua Autobiografia Exploratória.

Na abordagem teórica deste trabalho, quisemos aproveitar a oportunidade para identificar todos os pensamentos com os quais nos identificámos, pela experiência já vivida no terreno. Esta abordagem que serve de pano de fundo para o projecto em si, contempla o facto de considerar o RVCC como um subsistema de um sistema maior, que é o educativo, e ainda que aparentemente este não se reja pelas teorias do processo de aprendizagem em si mesmo, pelo facto de funcionar a jusante das aprendizagens de vida (―reconhecimento de‖ e não ―aprendizagem de‖), o processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais pode beneficiar com as várias teorias contemporâneas da educação. Para esta constatação concorrem factores como:

A valorização de todo o tipo de aprendizagens experienciais do adulto;

A aplicação por parte dos profissionais de RVC de alguns princípios das teorias da educação, que garantam que os adultos dominem ―os pilares da educação‖, os quais não foram necessariamente interiorizados na sua trajectória de vida (nos mais variados contextos formais e informais), e nomeadamente aprender a ser e aprender a aprender consigo próprios, como defendido por Josso; As aprendizagens ao longo da construção do PRA.

Relativamente ao último ponto, podemos afirmar que os princípios das teorias da educação se aplicam na perfeição ao reconhecimento de adquiridos, visto que este processo não deixa de ser uma experiência formativa e no fundo uma formação experiencial em si mesmo. Queremos com isto dizer que, em muitas situações, o adulto não terá concretizado uma aprendizagem através de uma vivência até ter tomado consciência dela mediante a reflexão (que não havia efectuado anteriormente) durante o processo RVCC.

Na realidade, o adulto fará uma reflexão e avaliação sobre as aprendizagens que fez durante a construção do seu PRA, que possivelmente não fará de forma sistemática no seu dia-a-dia. Diremos que a formação experiencial é um fenómeno endógeno e exógeno do processo RVCC. O adulto pode lembrar reflexões feitas no passado ou reflectir ao longo do processo, sendo que em última análise ainda pode aprender com a própria construção do PRA, de acordo com os conteúdos abrangidos pelos referenciais de competências-chave.

Como expressa Thibault (Figari et al., 2006:117), do paradigma da ciência aplicada: VIDA/Formação Experiencial

Vivência» Reflexão» Aprendizagem Experiencial = Experiência com carácter formativo

PROCESSO RVCC/Formação Experiencial  Registo de reflexões passadas

 Reflexões presentes sobre experiências passadas

 Aprendizagem pela construção do portefólio (nova experiência)

Difusão do saber» verificação» certificação» experimentação Se passa para o paradigma da formação experiencial:

Experiência» problematização» conceptualização» validação

Se quisermos, podemos resumir este paradigma com uma expressão muito utilizada pelos adultos que frequentam o processo RVCC: ―é a escola da vida‖.

A propósito disto recordamos uma intervenção (no âmbito de um seminário promovido pela Associação Portuguesa de Sociologia) que resume a visão do senso comum resultante das práticas no terreno, a qual objectiva os elementos principais envolvidos num processo de reconhecimento de adquiridos experienciais. Nela, a investigadora do presente trabalho assume o discurso na primeira pessoa, vestindo a pele de quem passa pela experiência de construção de um portefólio reflexivo de aprendizagens, no âmbito de um processo RVCC de Nível Secundário. Os elementos abordados foram:

Motivação – Familiares que incentivam, desejo de progredir na carreira, valorização pessoal ou outras razões mais intrínsecas ao sujeito do que extrínsecas.

Interpretação – A interpretação do Referencial de Competências-Chave de Nível Secundário, para a elaboração de um trabalho autobiográfico relevante no contexto do processo.

Descodificação – Com a ajuda dos formadores das áreas de competência aprende-se a descodificar as competências e a associá-las às experiências de vida.

Experiência de Vida – A experiência de vida deve ser sempre o núcleo deste processo. O Referencial de Competências é o Guia (uma espécie de GPS) que orienta na reflexão e na escrita de conteúdos. Sem GPS rumamos para destinos incertos e por vezes pouco ricos. Entende-se que todas as experiências de vida são importantes e são linhas que por vezes se cruzam. Algumas delas têm

aprendizagens e competências comuns, em algumas adquire-se competências, noutras desenvolve-se essas competências ou transformam-se pelas circunstâncias (carácter transversal das competências), porém existe um fio condutor contínuo de aprendizagens e competências que podem ser analisadas à luz de um Referencial, o qual confirma a sua importância no campo académico e/ou profissional.

Competências – Existem muitas definições de competência, mas eu aprendi que desde que aplique conhecimentos em função das circunstâncias e necessidades, que os transfira para contextos diversos, que os transforme com a obtenção de novos conhecimentos… se souber explicar de uma forma clara, o que fiz, o que faço ou como o faria caso fosse necessário, creio que estamos a falar de competências, sem baralhar, nem criar mitos. Dando um exemplo: se tenho um conhecimento sólido sobre as regras gramaticais da língua portuguesa, aplicando essas regras posso escrever um texto de forma correcta, clara e fluente. Se o faço num formato de relatório de ocorrência, num formato de carta de candidatura a um emprego ou numa tabela de um orçamento, depende de ter adquirido outros conhecimentos sobre os formatos dos documentos em empresas onde trabalhei ou noutros contextos de aprendizagem e a escrita correcta pode ter diferentes formatos de linguagem (comercial, técnica, entre outras), bem como pode ser combinada com outras competências como as informáticas (dominando o WORD ou o EXCEL). Pode-se afirmar neste caso que a escrita correcta numa língua pode ser uma competência transversal (vários contextos) e transformada de acordo com os mesmos. Demonstro-a quando a aplico ou quando explico como o faria se fosse necessário. No fundo, os professores podem ser um bom exemplo daquilo que é não aplicar a competência no momento mas explicar com propriedade como se aplica, provando que a aplicam caso necessitem.

Balanço de Competências – Dependendo dos temas/competências e dos contextos ou domínios de referência nos quais desenvolvo as competências (contextos privado e profissional implicam mais acção e contextos institucional e macro estrutural implicam mais reflexão), descubro-as de duas formas:

o Reflectindo com vista à tomada de uma decisão passada, presente ou futura;

o Agindo tendo por base conhecimentos técnicos ou mais operacionais, ou no plano mais social, contemplando valores éticos e sociais.

E no fundo pensemos: para além de rir e chorar o que fazemos mais na vida? Reflectimos (às vezes não o suficiente!) e agimos (às vezes não em conformidade com as nossas reflexões!) De uma coisa estou certa, podemos sempre aprender a reflectir melhor e a agir melhor…

PRA – O meu relato autobiográfico e a construção do meu portefólio reflexivo de aprendizagens com todos os documentos que seleccionei, fruto de certificações, observações e leituras minhas, que indiciem o que sei fazer, que competências tenho. E agora veja o jogo interessante da reflexão/acção: reflicto sobre o que aprendi, aprendo e posso aprender, reflicto sobre como agi, ajo e posso agir, aprendo a reflectir e revelo como a reflectir pude aprender e agir, um pouco como defendem Kolb, Argyris e Schön.

Aprendizagem ao Longo da Vida – Uma pessoa não frequenta este processo para meramente se convencer do que sabe, do que é capaz de fazer, para adquirir um documento que fica arquivado e esquecido ou pendurado numa moldura para mostrar aos amigos…Se se valoriza o que se se aprendeu, por vezes, pela via mais difícil, por tentativa e erro (como defende Dewey), acima de tudo descobre-se ou confirma-se que ―se aprende até morrer‖, que temos muito a aprender ainda, outras competências a adquirir e a desenvolver que podem ser úteis num mundo em constante mudança, e que não podemos limitar-nos a esperar que o ―acaso‖ nos ensine o que não sabemos. Temos que ser proactivos na aprendizagem, tomar iniciativas que sejam coerentes com o percurso de vida que queremos e podemos ter, seja ele pessoal, social ou profissional. Neste sentido defendemos uma aprendizagem ao longo da vida com a filosofia da Educação Permanente, não dependente do meio circundante, mas acima de tudo do sujeito que se emancipa e pretende ser feliz.

Na sequência das ideias acima expostas, consideramos muito relevante a corrente educativa da América do Norte que pode ser apelidada por pensamento crítico ou

espírito crítico ou ainda raciocínio crítico. Ao contrário da ênfase dada pela pedagogia crítica aos conteúdos, esta corrente salienta a importância da forma de pensar. Como pensar? Como raciocinar? Os investigadores americanos Scriven e Paul explicitam este processo através das fases de conceptualização, análise, síntese e avaliação da informação. Normalmente, o raciocínio inclui elementos como: ―um objectivo, um problema, um quadro de referência ou um ponto de vista, informações, conceitos- chave, premissas, inferências e consequências‖ (Bertrand, 2001:216). Como qualidades exigidas a quem quer exercer este raciocínio enumeram-se: ―a humildade, a coragem, a responsabilidade, a disciplina, a empatia, a curiosidade, a perseverança, a integridade e a independência de espírito‖. As competências intelectuais exigidas são: ―o reconhecimento, a compreensão, a aplicação, a análise, a síntese, a avaliação e a criação‖(idem:217). Estas são qualidades importantes, que se apreendem e interiorizam desde a infância, no meio familiar e comunitário e que podem ser desenvolvidas com diversas aprendizagens feitas ao longo da vida. São qualidades importantes para quem escreve uma Autobiografia Exploratória num processo de reconhecimento de adquiridos e são fundamentais para quem quer orientar alguém a fazê-lo, como é o caso de um profissional de RVC.

CAPÍTULO II

CONTRIBUTOS DE UMA (POSSÍVEL) AUTOBIOGRAFIA EXPLORATÓRIA