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Aos dezoito anos (em 1994), entrei na faculdade para ingressar no primeiro curso por mim escolhido – Sociologia do Trabalho – no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa. Afinal, grande parte da nossa vida é passada no trabalho e, como costumo dizer na minha apresentação nas sessões de RVCC, pelo menos nessa altura, ainda não havia o curso Sociologia do Descanso… No terceiro ano do curso, optei pela especialização em Planeamento de Pessoal. Tratava- se afinal de uma área profissional, na qual poderia contactar com pessoas e investigar comportamentos. Novas caras, novo ambiente, desafio à timidez, apoio de um ―Padrinho‖ que se revelou um verdadeiro amigo e orientador, e que agora é um jornalista de quem muito me orgulho.

Antes de mais, afirmo que a licenciatura foi uma experiência significativa porque permitiu-me continuar a aprender a aprender e a aprender a aprender comigo própria,

descobrindo de forma incessante formas diferentes de estimular as minhas aprendizagens, como potenciá-las, relacioná-las com conhecimentos anteriores e descobrir formas de as tornar úteis no presente ou no futuro (descobrindo um sentido para as mesmas). Esta experiência académica despertou-me para várias aprendizagens e para a forma como posso usar as minhas faculdades perceptivas, inclusivamente para a autoformação.

Nesta licenciatura destaco cadeiras como Sociologia das Organizações, Psicologia, Psicologia Social, Gestão de Recursos Humanos, Políticas de Formação e Desenvolvimento, Desenvolvimento Organizacional, Técnicas de Entrevista e Selecção de Pessoal, Economia Social, Ciências da Administração, Sociologia Industrial, Organização e Métodos, Análise do Trabalho, Estratégia Social da Empresa, Direito do Trabalho e Legislação Social, Direito Internacional do Trabalho, Política Social e Organizações da Segurança Social, Sistemas de Remuneração de Pessoal, entre outras. Estas cadeiras sensibilizaram-me para reflectir sobre questões relacionadas com a evolução do trabalho, das qualificações e da aprendizagem profissional, no fundo sobre a formação profissional, considerada por mim então, como principal dimensão educativa do Homem.

As minhas primeiras reflexões sobre a educação de adultos remontam a algumas das definições sobre a formação profissional, as quais foram abordadas na cadeira de Políticas de Formação e Desenvolvimento, a saber:

A Recomendação nº 117 da OIT (1962) que considera a formação profissional toda a formação destinada a preparar ou a readaptar uma pessoa a um emprego, inicial ou não, ou a uma promoção em qualquer sector de actividade económica, (…). A formação é um meio de desenvolvimento de atitudes profissionais, permitindo-lhe fazer uso das suas capacidades e deverá desenvolver a personalidade, particularmente quando respeite os jovens. A formação é um processo contínuo ao longo da vida profissional nas indústrias‖ (Políticas de Formação e Desenvolvimento (s.d), Sebenta de Estudo do ISCSP p.2-4).

Esta definição abrange todos os níveis de qualificação em todos os sectores de actividade económica e assume-se como um ―processo contínuo‖. Curiosamente,

contempla o desenvolvimento de atitudes e da personalidade, aspectos importantes para o presente trabalho.

A Recomendação nº 150 da OIT (1975) que contribui para uma visão globalizante da formação profissional, mais abrangente do que a da Recomendação nº 117, afirmando que ―a formação profissional visa identificar e desenvolver aptidões humanas, tendo em vista uma vida activa produtiva e satisfatória e, em ligação com diversas formas de educação, melhorar as faculdades dos indivíduos compreenderem as condições de trabalho e o meio social e de influenciarem estes, individual ou colectivamente. (…) A formação profissional de cada país deve corresponder às necessidades dos adolescentes e adultos ao longo da sua vida, em todos os sectores da economia e a todos os níveis de qualificação profissional e de responsabilidade‖ (idem).

Desta definição podemos inferir: A identificação de aptidões; Uma vida produtiva e satisfatória;

A formação profissional como uma das formas de educação;

A vertente motivadora da formação profissional para a acção transformadora individual e colectiva no meio social, para além do meio laboral;

As necessidades dos adultos como determinantes para a formação profissional em causa;

A formação profissional ao longo da vida e não apenas de forma inicial ou pontual.

Em 1988, a CIME (Comissão Interministerial para o Emprego) em Portugal adopta o conceito da recomendação nº117 da OIT, definindo a formação profissional como o ―conjunto de actividades que visam a aquisição de conhecimentos, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento, exigidas para o exercício das funções próprias de uma profissão ou grupo de profissões em qualquer ramo de actividade económica‖ (idem).

O enfoque desta última definição para o mero exercício de funções profissionais, descaracterizado de intenções educativas mais abrangentes, estranhamente é corroborado pela lei de bases do sistema educativo, que afirma que a formação

profissional ―para além de complementar a preparação para a vida activa iniciada no sistema básico, visa uma integração dinâmica no mundo de trabalho pela aquisição de conhecimentos, e de competências profissionais, por forma a responder às necessidades nacionais de desenvolvimento e à evolução tecnológica‖ (idem).

Ficamos com a ideia de que houve um retrocesso no que concerne à visão globalizante da formação, quer em relação ao trabalho, quer em relação ao meio social e à intervenção do indivíduo, numa perspectiva educativa. Parece que a formação tende a ser considerada um meio para atingir fins puramente vocacionalistas e económicos. E no fundo, é com esta visão bitolada que fiquei, depois da conclusão da licenciatura… Devo referir, porém, que a experiência na faculdade permitiu-me ter um conhecimento sobre a forma como o sistema da formação profissional está organizado em Portugal, o qual permitiu-me explicar aos adultos ao longo da minha experiência profissional, coisas tão básicas (que por vezes não são dominadas pelos agentes educativos como formadores e outros) como a diferença entre um centro de emprego e um centro de formação profissional, ou a diferença entre este último e uma escola, a distinção entre a via da formação profissional e a via de ensino. Também aprendi conceitos teóricos importantes, os quais nem sempre entendemos como ou em que circunstâncias os vamos aplicar, mas depois, quase sem nos apercebemos, acabamos por aplicar ou compreender melhor o sentido dos mesmos, como por exemplo, as formas de gestão e organização do trabalho de Taylor ou de Ford (as quais neste mestrado já assumiram para mim um significado ainda mais pertinente para a actualidade socioeconómica e para a compreensão das políticas da educação e também da lógica do reconhecimento de competências com preocupações de cariz economicista e vocacionalista). São conceitos que me permitem compreender a forma como as pessoas trabalham nas fábricas e me dão mais à vontade para falar com as pessoas, pôr-me no lugar delas e, de alguma forma, explicar-lhes por que é que as coisas funcionam assim, e não funcionam de uma outra forma, por exemplo.

A especialização académica que fiz na área do Planeamento de Pessoal deu-me acesso a disciplinas que hoje reconheço serem fundamentais para a minha vida e para a minha prática profissional, nomeadamente: a Análise do Trabalho, Organização e Métodos e Sociologia Industrial. A Análise do Trabalho, por exemplo, foi fundamental porque permitiu-me ter alguma capacidade de argumentação sobre a forma como as

pessoas desempenham as suas actividades profissionais e como podemos, de uma forma mais pormenorizada (até num currículo), decompor o trabalho em cargos, funções e tarefas, de uma perspectiva macro para uma perspectiva micro, e chegar a compreender melhor o papel das competências nos perfis profissionais, a ponto de poder perceber o que uma organização precisa nesta matéria. Escusado será dizer que estes conhecimentos conferem mais credibilidade ao discurso de um profissional de RVC, pela amplitude do mesmo e adaptação às diferentes realidades profissionais dos adultos que frequentam um processo RVCC académico e com particular sensibilidade para o processo RVCC profissional.

A faculdade foi palco de muitas aprendizagens não só de índole académica mas também social e profissional. Preparou-me para lidar com todo o tipo de pessoas no contexto profissional, ensinou-me a competir apenas comigo própria e a defender-me de quem não tem bons sentimentos. Foi ainda na faculdade que participei em tertúlias de poesia e divagações por temas interessantes da vida humana, assim como colaborei com o Núcleo de Sociologia do trabalho do ISCSP, colaboração essa que se deveu à minha necessidade de estabelecer uma ponte entre a minha experiência académica e a realidade laboral.

Entre 1995 e 1996, trabalhei como monitora/orientadora escolar no externato onde frequentei o quinto e sexto anos de escolaridade. Foram exactamente alunos destes anos escolares, cujos trabalhos nas mais variadas disciplinas do plano curricular eu acompanhei. Lembro-me de dinamizar, já nessa altura, trabalhos de grupo que promovessem a cooperação entre os alunos e discussões sobre temáticas concernentes à cidadania, que fomentassem o respeito pelas diferenças entre os seres humanos. Imaginava exercícios que incluíssem as artes plásticas como forma de expressão, para além da expressão escrita, pois sabia que uma imagem tem muito impacto quer para educar, quer para perceber as motivações e crenças mais profundas dos educandos (tal como se ilustra bem no método pedagógico de Paulo Freire através da codificação de temas generativos e do diálogo no interior do círculo de leitura). Naturalmente que a experiência da relação pedagógica com crianças em idade escolar foi um marco significativo, para aprender algumas diferenças nos processos da sua aprendizagem relativamente à aprendizagem feita pelos adultos (que justifica a pertinência de alguns princípios da andragogia por nós já considerados, muito embora

criticados) e perceber qual das vertentes eu seguiria com mais gosto na minha carreira, ou seja, neste caso a educação/formação de adultos.

Entre 1996 e 1998, ainda colaborei com o meu pai no seu agora gabinete de contabilidade a tempo inteiro, na recolha, triagem e arquivo de documentação, classificação de documentos e lançamento informático de dados referentes aos mesmos. No fundo, recordei o trabalho que fiz na infância, mas desta vez não em casa e com acesso à informática que veio facilitar vários procedimentos.

Aos dezanove anos, nasce mais um sol que veio iluminar a minha vida: a minha irmã. Era filha única até então, e sempre tinha desejado ter irmãos. Agora que já não contava tê-los, surgiu uma linda menina que foi responsável pela minha aprendizagem no campo da puericultura. Para não falar é claro, do sentimento bonito que tive ao ver uma criatura tão pequenina com o mesmo sangue que eu a correr nas veias, a quem podia chamar irmã, e que agora passava a partilhar comigo o amor dos pais. A minha irmã não era esperada, mas foi muito desejada.

Com ela tenho aprendido muito, desde a forma como a nova geração de jovens pensa e comunica, as suas prioridades, os seus interesses. Também me revejo nela muitas vezes, nas suas respostas, nos seus sentimentos, na sua maturidade precoce e na relação que tem com os pais. Com ela aprendo a valorizar a paciência nas relações interpessoais e o lado mais positivo das pessoas. Mesmo não compreendendo todas as variáveis de um assunto mais complexo e os motivos das acções de outrem, a minha irmã não julga precipitadamente. Todavia, penso que a principal aprendizagem que fiz até agora, é que tenho uma responsabilidade acrescida como educadora, dar o exemplo enquanto cidadã e mais concretamente como filha, pois a minha irmã faz-me sentir o peso desse papel todos os dias, pela quase ―reverência‖ que me presta. ―Uma imagem, vale mais do que mil palavras‖ diz o ditado. Neste caso, pela proximidade maior de gerações, eu sou o modelo com o qual ela mais se identifica.

Nesta fase de vida, lembro-me de adormecer a minha irmã com poucos meses de idade, às quatro horas da manhã (porque ela acordava a meio da noite e gostava de adormecer no meu ombro a escutar música). Apanhava quatro transportes para chegar à faculdade e ter a minha primeira aula às oito horas da manhã. Por vezes, ficava na faculdade a realizar trabalhos durante seis e sete horas seguidas de forma ininterrupta,

saía a correr para ir ter aulas de condução noutra ponta de Lisboa. De seguida ia visitar ao hospital uma tia minha que estava com um cancro terminal, apanhava mais quatro transportes para chegar já tarde a casa… Foi a altura da minha vida, em que li mais livros. Aproveitava as viagens nos transportes para ler livros e revistas relacionados com outras culturas, direitos humanos e outros temas da actualidade. Era cansativo mas tudo se compatibilizava com esforço.

Aos vinte anos, consegui obter a minha carta de condução, o que me facilitou imenso a vida e fez-me ter a noção do desembaraço e auto-confiança que podia ter nas mais variadas situações (isto porque sempre achei que iria ter muitas dificuldades em conduzir e que a minha vulnerabilidade acrescida à timidez, perante os instrutores de condução, iriam afectar o meu desempenho, o que não se veio a verificar pois o meu sentido de humor facilitou-me as manobras…).

Ainda no final de 1996, a convite de uma grande amiga, a Beta, viajei para Londres, onde permaneci por quinze dias, vivendo uma experiência obviamente enriquecedora do ponto de vista cultural e social, a qual poderia explorar aqui com a ajuda do meu diário, mas que entendo não ser tão relevante para este trabalho. De qualquer forma, foi a primeira vez que eu encarei realmente a possibilidade de estar longe do meu seio familiar, trabalhar noutro país e estar em contacto permanente com outra cultura, bem diferente da nossa. Esta foi uma experiência formativa, no sentido de que desenvolvi ainda mais a minha auto-estima e a minha auto-confiança, porque comecei a perceber que, afinal, até era capaz de ir mais além... até mesmo ao nível das minhas competências linguísticas...Provavelmente, até falava a língua inglesa melhor do que pensava. Consequentemente, falei com muitas pessoas. Foi, sem sombra de dúvida, uma viagem significativa para mim.

Nesta fase, também não posso deixar de mencionar a importância do papel que a minha amiga Beta passou a ter na minha vida. É caso para dizer que se trata de uma amizade, sem reservas, incondicional. Diria que conseguimos ter a maior proximidade possível mesmo à distância, quase como que se de telepatia se tratasse. Se dou o devido valor ao esforço que despendi ao longo da minha vida, quer em termos académicos, quer em termos laborais (muito embora me sinta privilegiada por ter tido as boas condições que me foram proporcionadas pela família directa), devo-o muito às conversas longas que tivemos as duas. Faço questão de aqui registar que, com a Beta,

percebi melhor o que é a genuína generosidade, independentemente daquilo que temos ou podemos dar e o que é ser humilde. Com ela reforcei a importância de ser gentil no trato com outros, e que nunca é tarde para arriscar, recomeçar um novo projecto, uma nova vida…