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Depois de muitos contactos efectuados por iniciativa própria, porque percebi que a faculdade não me iria proporcionar uma empresa onde estagiar, aos vinte e um anos ingressei no meu estágio curricular, numa empresa da área da transformação das madeiras (pertencente a uma holding).

Neste estágio, realizei uma análise de cargos e um levantamento de necessidades de formação, através de inquérito e entrevista, em todos os departamentos da empresa, a cerca de setenta trabalhadores. Analisei as condições físicas e psicológicas de trabalho, por meio de observações sistemáticas nas próprias linhas de produção. Elaborei ainda um relatório que contribuiu para a realização de cursos de reciclagem e aperfeiçoamento, e para a construção de novas instalações com melhores condições de trabalho. Nesta fase do meu percurso, pude perceber a pertinência de vários conceitos apreendidos na faculdade, na aplicação dos mesmos no terreno.

Quando planeava as entrevistas, a Administração da empresa alertou-me para a dificuldade que eu teria em efectuá-las, em virtude da idade avançada de muitos trabalhadores e das possíveis resistências que poderiam ter, ao falar com alguém que lhes era estranho, receando inclusivamente revelar alguns aspectos do seu dia-a-dia profissional para não serem eventualmente despedidos.

Na realidade, entrevistei todos os colaboradores da empresa, desde os operários da linha de produção ao Administrador (da base ao topo da hierarquia) e o que tive mais dificuldade em controlar foi o tempo de entrevista, porque, ao contrário do que me havia sido dito, os trabalhadores sentiram-se à vontade para partilhar o que pensavam e sentiam. Presumivelmente, eles precisavam de estar com uma pessoa com quem se sentissem à vontade para falar e que, de alguma forma, fosse uma pessoa suficientemente isenta para não prejudicá-los.

Tive a oportunidade de estabelecer uma relação de empatia e confiança com os trabalhadores, adaptando a minha apresentação (vestia uma roupa mais informal e coadunada com o ambiente fabril) postura, linguagem e abordagem, de acordo com a faixa etária, cargo e linguagem verbal e não-verbal deles. Comuniquei com eles e observei a forma como trabalhavam, apreendendo tudo o que se referia ao processo produtivo e ouvindo, acima de tudo, aquilo que eles jamais ousariam expressar directamente às chefias. Apercebi-me de verdadeiros dramas no contexto socioeconómico de vários trabalhadores. Os resultados da minha pesquisa reiteraram a urgência da mudança da empresa para outras instalações, com melhores condições de trabalho, o que felizmente, se concretizou pouco tempo depois.

Este estudo foi um desafio que me foi proposto, o qual aceitei de bom grado e que serviu para testar a capacidade de empreender um projecto com recursos escolhidos por mim. Esta experiência veio a ser uma mais-valia no campo relacional e profissional. As aprendizagens daqui decorrentes permitiram-me conhecer os contornos do trabalho fabril e os contextos de vida dos trabalhadores, o que se tornou uma mais-valia para a identificação do perfil de muitos adultos que se inscreviam no processo RVCC, os quais antigamente eram por mim entrevistados, numa fase de diagnóstico e encaminhamento. Não foram poucas as vezes que dei por mim a falar nas sessões de reconhecimento sobre as dificuldades e os desafios que se apresentam no meio fabril e sobre a forma como os adultos poderiam motivar-se no seu trabalho, ainda que rotineiro, numa linha de montagem.

Terminados o curso e o estágio, no final de 1998, viajei para Madrid, onde estive com amigos durante quinze dias. Escusado será dizer que, mais uma vez, foi estimulante contactar com uma cultura diferente, com a qual me identifiquei. Acima de tudo, apreciei o roteiro de monumentos e exposições que visitei, dos quais destaco o museu Del Prado, no qual pude apreciar entre muitas obras de arte, a famosa obra Guernica de Picasso. Mais um diário de bordo escrito...

Pela primeira vez na vida, aprendi a andar em patins no gelo… São curiosas as reflexões que faço sobre esta experiência, pela aplicação que se pode fazer em muitas situações da vida… Inicialmente, podemos desequilibrar e cair…mas depois vamos aprendendo como equilibrar as pernas e como aproveitar o apoio do companheiro (a) paciente que temos ao lado. Se cairmos e se soubermos rir de nós próprios, isso dá-

nos legitimidade para cair mais algumas vezes, sem nos sentirmos culpados, à medida que vamos ganhando confiança no que somos capazes de vir a fazer… Desta forma aprendemos.

A informalidade e espontaneidade dos espanhóis está presente na minha forma de estar na vida quotidiana, penso eu. O movimento da cidade de Madrid entranhou-se na minha pele. Senti-me bem. Identifiquei-me também com a simplicidade com que levam a vida, bem diferente da forma de estar do povo português. Não há preocupação com a mudança periódica da viatura familiar ou da casa. A viatura pode ser antiga e a casa pode ser pequena (como são normalmente os apartamentos espanhóis que conheço), mas o que interessa é ter rodas que me levem a sair, descontrair, comer bem e relaxar na companhia de familiares e amigos, e ter um espaço onde possa dormir e prepara- me da forma mais requintada que sei e posso para o trabalho ou outro compromisso qualquer. É o bem-estar do corpo e da mente que contam e não tanto a ostentação do luxo e do nível de vida. É a qualidade de vida que conta. Essa foi a imagem com que fiquei dos espanhóis que conheci em Madrid. Em períodos de crise financeira como o que atravessamos, esta forma de vida é bem mais coerente.