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O conteúdo da dramaturgia

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 164-168)

6 CANTO DE CRAVO E ROSA, DE VIVIANE JUGUERO: A DRAMATRUGIA IMPRESSA PARA A LEITURA DA CRIANÇA

6.3 ETAPA 3: COMPOSIÇÃO DO TEXTO DRAMÁTICO E SUA RECEPÇÃO PELA LEITURA DO TEXTO IMPRESSO

6.3.3 O conteúdo da dramaturgia

Neste critério de análise – o conteúdo da dramaturgia – sugerimos, como indicador de abordagem, que se percebam elementos temáticos relacionados ao homem contemporâneo que atravessam o texto dramatúrgico para a infância. Aludimos aos estudos de Ryngaert, no capítulo quatro, para quem, o texto dramatúrgico, assim como os outros gêneros literários serve de depositório dos vestígios de uma época, sendo ele “atravessado” (repetimos propositalmente e salientamos que a expressão é retirada da obra Introdução à análise do

teatro) pela época dos seus criados, bem como pelas características desse tempo. Pretendemos,

importantes transpassam o texto escolhido para análise, de que maneira eles pode ser considerado registro da contemporaneidade, que elementos da época em que vivemos pulsam em sua(s) temática(s).

Já afirmamos, na primeira etapa da análise, que Canto de Cravo e Rosa tematiza a diversidade. O espaço do jardim e as intrigas que ali ocorrem podem representar, em uma leitura ampliada, a própria sociedade, com as narrativas e conflitos próprios do homem contemporâneo. Os conflitos que se estabelecem no enredo convergem para uma solução unificada no final do texto de Juguero: a valorização da diversidade. A aceitação do Outro e a aceitação de si mesmo colaboram para o aprofundamento da convivência com o diferente. Tais temáticas, é importante que se registre, são próprias da nossa época, e colaboram para a discussão, junto ao leitor de pautas cada vez mais necessárias. Se o autor deve incorporar à obra as temáticas de seu tempo, conforme prevê Ryngaert, Juguero soube assimilar questões caras à sua época, cumprindo sua função de registrar e questionar demandas que, levadas ao palco ou conhecidas por meio da leitura do texto dramático, colaboram para as discussões necessárias junto aos leitores. Do contato com essas temáticas, seja por meio do espetáculo teatral, seja por meio do texto dramático, emerge um ser humano consciente, capaz entender o mundo a partir de perspectivas sensíveis e acolhedoras, que parece ser uma das contribuições mais importantes que a dramaturgia e a literatura para a infância podem oferecer às crianças brasileiras no momento em que este trabalho está sendo escrito.

6.3.4 Diálogos

Ao verificarmos, no texto em análise, os diálogos, próximo critério de análise previsto no dispositivo de análise de corpus que elaboramos, o indicador de abordagem sugere que se observe se há o emprego de diálogos estruturados, que revelam ao leitor a relação entre as personagens. Tendo em vista o conjunto de diálogos que já transcrevemos nas etapas anteriores, não temos dúvidas de que se trata de diálogos estruturados, muitos deles uma mistura de cantiga folclórica e texto autoral, como já expusemos. Contudo, pinçamos do texto de Juguero um fragmento que nos leva a refletir sobre os dois pontos evidenciados pelo indicador de abordagem:

A Aranha tenta sair de fininho. O Grilo impede.

Grilo – Aonde tu pensas que vais? Aranha – Eu já volto.

Joaninha – Não, senhora. Vai ficar aqui e explicar essa história direitinho! Rosa – Cravo, meu amor, o que houve contigo? (para a Aranha) O que fizeste para

ele, venenosa? (para os outros) Ela estava atrás do arbusto quando eu cheguei.

Aranha – Eu não fiz nada.

Sapo – Cara de pau. A culpa de tudo isso é tua!

Aranha – Eu não pensei que ele estivesse desmaiado. Pensei que estivesse

dormindo.

Sapo – Garanto que o Cravo desmaiou de desgosto, por causa de tuas intrigas.

Agora, todo o jardim está triste.

Grilo – Pobre Cravo. Joaninha – Pobre Rosa.

Aranha – Eu só queria ser famosa.

Suspira todo o jardim, Em tom de melancolia. Dona Aranha baixa a crista, Toca o trompete e, por fim, Integrada à melodia, Revela sua alma de artista.

Joaninha, Grilo, Sapo e Rosa – O Cravo brigou com a Rosa debaixo de uma

sacada.

O Cravo saiu ferido, e a Rosa, despetalada. O Cravo ficou doente, a Rosa foi visitar.

O Cravo teve um desmaio, e a Rosa pôs-se a chorar. (JUGUERO, 2009, p. 32-33, grifos da autora).

O diálogo que se estabelece entre as personagens (a parte autoral do fragmento) demonstra que eles são estruturados de modo que favorece a sua dicção em cena. Há uma construção (seleção vocabular, pontuação, ordenação da frase) pensada com a intenção de articular claramente as ideias, feito que se observa em todo o texto em análise. Os diálogos obedecem a uma comunicabilidade característica da dramaturgia de Juguero, exposta em

Canto de Cravo e Rosa. A parte autoral desses diálogos é estruturada a partir de tal premissa.

A relação entre as personagens, como o fragmento demonstra, é revelada pelos diálogos. Tomemos como exemplo as falas da Aranha e do Sapo: elas demostram o impasse que ambos vivem pelo fato de a Aranha ter enganado o Sapo e o levado a participar do seu plano de separar o Cravo e a Rosa. Logo, relevam ao leitor o modo como se relacionam.

O diálogo entre Grilo, Aranha, Joaninha, Sapo e Rosa evolui para a cantiga O Cravo

brigou com a Rosa, que é entoada pela Joaninha, pelo Grilo, pelo Sapo e pela Rosa. Mais um

aproveitamento de uma cantiga folclórica no texto em análise. Trata-se de um momento importante no texto dramático de Juguero, pois a cantiga em questão é, digamos assim, a cantiga matriz do enredo. De seus versos, a dramaturga retirou o principal conflito da peça e o par romântico, além de o título de seu texto fazer referência direta à cantiga. Além disso, a cena reveste-se de intenso lirismo, pois a cantiga possui uma melancolia que é aproveitada na cena, que traz a Rosa cantando seus sentimentos, junto as demais personagens.

6.3.5 Rubricas

Na sequência, o critério de análise listado é a presença das rubricas, e seu indicador de abordagem estimula a percepção de as rubricas serem funcionais e permitirem a movimentação das engrenagens do palco imaginário do leitor. Já comentamos, em duas oportunidades, a presença inusitada das rubricas no texto de Juguero. Ela se vale da elaboração de pequenos poemas narrativos – os quais já chamamos de poemas-rubricas – que apresentam, criativamente, as situações, as ações desenvolvidas pelas personagens nas diversas cenas da história. Trouxemos à nossa escrita diversos exemplos desse recurso, e temos mais alguns a apresentar:

O Sapo, bem disfarçado, Confiando no tal feitiço, Vai soltando o palavreado, Mas a Rosa não dá ouvidos. Verde de fome, o coitado, E ela, negando o pedido.

(JUGUERO, 2009, p. 15, grifos da autora).

Murcha o Cravo e os amigos, Que também acham o fim, Choram de tão comovidos, Prantos de aguar o jardim.

(JUGUERO, 2009, p. 16, grifos da autora).

Deixa o trompete de lado, A Dona Aranha, chateada. Joaninha assopra um bocado, Se esforça, mas não saí nada.

(JUGUERO, 2009, p. 37, grifos da autora).

Nos três exemplos, e nos outros que apareceram em outras oportunidades deste capítulo, notamos que as indicações cênicas são transformadas em poemas narrativos. Com eles, o texto de Juguero ganha em qualidade e invenção, principalmente se pensarmos que, neste trabalho, estamos visualizando possibilidade de o texto ter a sua recepção na leitura do texto impresso. Os poemas-rubricas que a dramaturga distribui pelo texto trazem ludicidade à leitura, e os pequenos leitores podem apreender as indicações cênicas de modo amistoso, por meio de um recurso que eles estão acostumados, que são os poemas. Notamos facilmente que a inspiração dos poemas-rubricas é a poesia folclórica, recurso do universo popular intrínseco à infância e amplamente aproveitado na composição de Canto de Cravo e Rosa por meio de estratégias que já evidenciamos.

Quanto ao favorecimento da movimentação das engrenagens do palco imaginário do leitor, quando da leitura dos poemas-rubricas, acreditamos que, no caso da criança, de fato, ocorre, por ela assimilar mais facilmente os poemas produzidos por Juguero do que a linguagem informativa que geralmente encontramos nas rubricas. Do modo que apresenta as indicações cênicas de Canto de Cravo e Rosa, sua criadora oportuniza que o leitor potencialize sua capacidade de imaginar as cenas e, portanto, de colocar seu palco imaginário para funcionar. Talvez, na recepção do texto por um adulto, acostumado com rubricas informativas e pontuais na estruturação dos textos dramáticos, os poemas-rubricas não facilitem a movimentação das engrenagens do palco imaginário, pois falta à pessoa que se encontra nesse estágio de desenvolvimento a ludicidade e a convivência com a poesia.

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 164-168)