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Defeitos da dramaturgia infantil

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 141-143)

6 CANTO DE CRAVO E ROSA, DE VIVIANE JUGUERO: A DRAMATRUGIA IMPRESSA PARA A LEITURA DA CRIANÇA

6.1 ETAPA 1: EXISTÊNCIA E PERTINÊNCIA DA DRAMATURGIA INFANTIL: PONTOS DE AVAL

6.1.5 Defeitos da dramaturgia infantil

Os defeitos da dramaturgia infantil, próximo critério que elencamos no dispositivo epistemológico de análise, possui indicadores de abordagem que visam a verificar em que medida o texto dramático que compõe o corpus de análise apresenta equívocos de diversas naturezas na sua construção. O primeiro indicador de abordagem sugere que se verifique a recorrência ao maniqueísmo, percebendo se a dicotomia bem/mal torna-se o principal mote do texto dramático. Canto de Cravo e Rosa apresenta personagens que, durante grande parte do enredo, polarizam o bem e o mal, tornando-se eles a sua representação na história. A maldade, matriz das intrigas do enredo, é articulada pela Aranha, que é ardilosa em seu plano para separar o Cravo e a Rosa, o par romântico da história e os representantes da bondade. O par romântico é incorruptível em relação ao mal e não compactua com esse elemento nas cenas da peça. O único momento em que vemos o Cravo orientar-se por um viés que não seja a bondade é quando ele encontra o Sapo e decide agredi-lo: o Sapo, vale salientar, havia sido manipulado pela Aranha e se tornado o principal responsável pela separação do par romântico. Contudo, mesmo fazendo uso da força ao invés do diálogo, a personagem não se torna um representante da maldade no enredo, somente transita momentaneamente por essa seara, e logo arrepende-se. Porém, esse acontecimento desestabiliza a polarização de que falávamos, destituindo a personagem momentaneamente de sua nobreza de caráter, tornando-o menos

cristalizado dentro da estrutura dramática e sujeito a vivenciar os desdobramentos de sentimentos não nobres, como a ira e a raiva.

A Aranha, por sua vez, arrepende-se da maldade que pratica e das intrigas que causa à medida que é recebida pelo grupo de personagens e tem o seu talento com trompete reconhecido e aplaudido por todos. Com o arrependimento da personagem, vieram os méritos de ser aceita pelas plantas e animais que habitam o jardim e o reconhecimento de sua verdadeira habilidade musical. Juguero preferiu a rendição e a transformação ao castigo e punição pela maldade, feito que nos leva a considerar que a autora soube aproveitar o maniqueísmo a partir das necessidades do enredo, pois para nascerem os conflitos que levam a ação dramática adiante era necessário colocar as personagens em polos opostos (bem e mal) e utilizar esses elementos a favor do enredo e da progressão das ações. Ao final, a personagem que articulava a maldade é resgatado pela bondade, em um prenúncio de que é possível mudar e que o perdão pode elevar ainda mais o caráter de personagens como o Cravo e a Rosa. Assim, se observamos a presença do maniqueísmo em Canto de Cravo e Rosa, afirmamos que trabalhar com esse recurso foi uma opção da dramaturga, que, conscientemente, soube tirar proveito de seus desdobramentos. Contudo, não caracterizamos como um defeito da dramaturgia de Juguero, mas sim, como já afirmamos, um recurso bem explorado, tendo em vista a arquitetura do enredo.

Não percebemos, na peça em questão, o uso do didatismo na ênfase às intenções instrutivas. Os diálogos, que poderiam carregar tais intenções, não apresentam essa característica; pelo contrário, a autora soube inserir nas falas elementos que potencializam a dinâmica das cenas, sem deixar espaço para instruções de qualquer natureza. Se o leitor recupera o conteúdo que perpassa as cenas do texto, é por deduzi-lo dos diálogos e das ações, e assimila esse conteúdo em um exercício contínuo durante a leitura.

Em uma leitura descuidada de Canto de Cravo e Rosa, o leitor pode até pensar que, na composição de personagens como a Aranha e a Rosa, houve emprego de estereótipos, ao vincular a Aranha, inseto muitas vezes venenoso, à figura do antagonista, e a Rosa, delicada e perfumada, à figura do protagonista. A princípio, essa divisão procede e está relacionada à necessária utilização do maniqueísmo para armar a estrutura dramatúrgica do texto. Mas a caracterização de tais personagens como estereótipos não se sustenta, já que principalmente a Aranha passa por transformações em seu caráter e sua maneira de agir, impedindo, desse modo, que a personagem se cristalize como representante do mal na história. Ao invés disso, a Aranha é uma personagem que se modifica, que muda sua maneira de pensar e agir em

relação aos demais personagens, evoluindo em sua caracterização, não assumindo um perfil cristalizado, que percebemos quando há o uso de estereótipos.

O próximo indicador de abordagem do critério que estamos tratando é a veiculação de visões adultas de mundo, em tom professoral, prejudicando o papel educativo que já é próprio do teatro. Juguero, pela prática da atividade cênica junto às crianças por quase duas décadas, pela sua carreira acadêmica e principalmente pela sua intuição artística sensível e consciente, sabe que o teatro possui um papel educativo em si, e não transforma sua arte em porta voz da visão adulta de mundo, muito menos dá vazão ao tom professoral que encontramos com frequência na literatura para crianças. A autora aposta, isso sim, no papel educativo do teatro no sentido que nós mesmos dissertávamos na seção sobre dramaturgia infantil no capítulo dois: um teatro para a infância capaz de fazer a criança reconhecer a si mesma e o seu semelhante, e caminhar, cada vez mais, na compreensão do mundo em que vive e no entendimento das questões fundamentais de seu tempo. Se deixa transparecer em sua dramaturgia alguns modos mais adequados de se viver e se relacionar com as pessoas, esses modos não entram em conflito com o imaginário da criança, pelo contrário, eles andam lado a lado com a maneira de a criança vivenciar sua infância.

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 141-143)