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Tratamento da linguagem

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 136-138)

6 CANTO DE CRAVO E ROSA, DE VIVIANE JUGUERO: A DRAMATRUGIA IMPRESSA PARA A LEITURA DA CRIANÇA

6.1 ETAPA 1: EXISTÊNCIA E PERTINÊNCIA DA DRAMATURGIA INFANTIL: PONTOS DE AVAL

6.1.3 Tratamento da linguagem

No tratamento da linguagem, próximo critério de análise previsto no dispositivo que apresentamos no capítulo anterior, cabe-nos perceber, inicialmente, a ludicidade no tratamento da linguagem, no que diz respeito à sonoridade e às rimas das falas, primeiro indicador de abordagem do critério. Percebemos que o texto dramático de Juguero possui uma sonoridade latente, fruto da experiência com a poesia folclórica. Quando as cantigas são inseridas no texto, transformando-se em diálogos a serem cantados ou declamados, os diálogos herdam as rimas que as cantigas já possuíam, como podemos perceber a seguir:

Suspira todo o jardim, Em tom de melancolia. Dona Aranha baixa a crista, Toca o trompete e, por fim, Integrada à melodia, Revela sua alma de artista.

Joaninha, Grilo, Sapo e Rosa – O Cravo brigou com a Rosa debaixo de uma [sacada.

O Cravo saiu ferido, e a Rosa, despetalada. O Cravo ficou doente, a Rosa foi visitar.

O Cravo teve um desmaio, e a Rosa pôs-se a chorar.

Rosa – Eu faria qualquer coisa, meu amor, pra que ficasses novamente ao meu lado.

A Rosa volta a cantar, E o trompete a acompanha. Todos ficam a admirar: Talentosa, a Dona Aranha! Que continue a tocar, E que deixe de artimanha.

Rosa – Se esta rua, se esta rua fosse minha,

Eu mandava, eu mandava ladrilhar

Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, Só pro meu, só pro meu amor passar.

Nessa rua, nessa rua tem um bosque Que se chama, que se chama solidão. Dentro dele, dentro dele mora um anjo, Que roubou, que roubou meu coração.

O Cravo é despertado pela voz de sua amada.

Cravo – Se eu roubei, se eu roubei teu coração,

Tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, É porque, é porque te quero bem.

(JUGUERO, 2009, p. 35, grifos da autora).

Já não podemos ignorar a presença das rubricas criativas de Juguero: ao invés de indicações cênicas convencionais, como a última percebida no fragmento transcrito, a autora apresenta, para grande parte do texto, breves poemas narrativos – chamados de rubricas versadas, pela própria autora – que comunicam ao leitor a ação das personagens, como bem percebemos na cena. Na organização do texto no projeto gráfico do livro, os poemas-rubricas ficam à esquerda da página e os diálogos à direita, intercalando indicações cênicas e diálogos, em momento nenhum congestionando o projeto gráfico, ou seja, não apresentando os dois ao mesmo tempo. Na transcrição que fizemos desses dois elementos que constituem o texto dramático de Juguero, colocamos um após o outro, respeitando a ordem que aparecem ao leitor nas páginas do livro. Discutiremos a assertividade desse recurso na Etapa 3, quando trataremos as rubricas do texto como indicadoras de abordagem do critério de análise. Por enquanto, basta afirmarmos que elas também apresentam as rimas que estamos percebendo na elaboração da linguagem de Canto de Cravo e Rosa.

Quanto aos diálogos, fica-nos claro que, quando são o aproveitamento de cantigas, eles obtêm as rimas que a cantiga possuía, como podemos perceber na utilização das cantigas O

Cravo brigou com a Rosa e Se esta rua fosse minha, ao longo do último fragmento transcrito.

Já a fala da Rosa, que não recupera uma cantiga, não apresenta rimas, e isso se repetirá em praticamente todo o texto de Juguero. Somente a primeira fala da Aranha, que será transcrita quando tratarmos da presença e da articulação do humor no texto de Juguero, apresenta rimas internas, o que oferece musicalidade à fala da personagem.

De qualquer forma, não percebemos prejuízo à composição da dramaturgia da autora por optar por não rimar todos os diálogos da peça e não buscar, assim, construir sonoridade na sua construção. O modo como dispõe os diálogos nas cenas é espontâneo e lembra a coloquialidade da fala, em aproximação à linguagem da criança, o próximo indicador de abordagem do critério sobre o tratamento da linguagem que prevemos no dispositivo de análise. Transcrevemos um exemplo dessa característica do texto de Juguero, inserido na cena

em que a Aranha bate no Sapo e faz os outros animais entrarem na briga, na tentativa de fazer- se passar por vítima daquele e esconder a verdade de que foi ela que armou a situação que levou o Cravo e a Rosa a se separarem:

Aranha – Pois é, acho que já chega, né? É bom não exagerar. Ele já entendeu que

isso não deve se repetir. Não é, seu Sapo?

Joaninha – Coitadinho, acho que a gente foi longe demais. Grilo – Ele nem revidou os tapas que levou.

Joaninha – Vai ver, nem estava querendo devorar a Aranhosa. Grilo – Ela foi mais má do que ele.

Aranha – Eu? Fui atacada e agora sou má? Rosa – Essa história está mal contada.

Joaninha – Pobrezinho. Ele não para de chorar.

(JUGUERO, 2009, p. 31, grifos da autora).

A utilização de expressões como “acho que já chega, né?”, “a gente foi longe demais” e “Essa história está mal contada” lembram, inclusive, o despojamento da linguagem, o último dos indicadores de abordagem para o critério do tratamento da linguagem. Não se deve associar à expressão “despojamento” um sentido negativo, como descuidado ou defraudado. Quando Ivo Bender utilizou a palavra para caracterizar a escrita da dramaturgia infantil, seu objetivo era chamar atenção para o cuidado que o escritor precisa ter em não apostar em uma linguagem sumptuosa, incapaz de estabelecer comunicação com a criança por conta de sua imponência. A utilização, por Juguero, de uma linguagem fluída e menos elaborada, que lembra mais a fala do que a escrita, também combina com a simplicidade e com os recursos expressivos da poesia folclórica. Já comentamos, neste mesmo capítulo, com que facilidade a autora faz a passagem das cantigas folclóricas para os textos que elabora e como os dois contingentes criativos alinham-se na elaboração do texto.

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 136-138)