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Presença e articulação do humor

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 138-141)

6 CANTO DE CRAVO E ROSA, DE VIVIANE JUGUERO: A DRAMATRUGIA IMPRESSA PARA A LEITURA DA CRIANÇA

6.1 ETAPA 1: EXISTÊNCIA E PERTINÊNCIA DA DRAMATURGIA INFANTIL: PONTOS DE AVAL

6.1.4 Presença e articulação do humor

O próximo critério de análise trata da presença e da articulação do humor na dramaturgia infantil. Nesse critério, o indicador de abordagem mais evidente em Canto de

Cravo e Rosa é o primeiro previsto no dispositivo de análise, ou seja, a presença do humor

como recurso da manifestação de surpresa. A primeira aparição do personagem Aranha e a articulação de suas características envolvem uma atmosfera de graça e surpresa, conforme podemos perceber:

A Aranha Venenosa Calou flor e bicharada. Por achar ser poderosa, Faz um solo de doer. Com sua voz desafinada, Põe todo o bando a correr.

Aranha – Piruli...iiiito que ba...aaate-bate...ee

Piru...uulito que já...áá bate...eeu Quem gosta...aa de mim é e...eeeela..aaa Quem go...oosta de mim são... vo...êêês!

Aranha – Onde estão as palmas? Ficaram pasmos de admiração e não conseguem

nem se mexer! Obrigada, obrigada. Agora, outra canção. Todos bem quietos, prestando a maior atenção, porque, senhoras e senhores: que rufem os tambores! Com vocês a maravilhosa, a geniosa, a poderosa Aranhosa! (Começa a cantar.) Fui no Itoro...ooró...óóó bebe...eer á...á..água e não a...a...achei...iii...

(JUGUERO, 2009, p. 08, grifos da autora).

O que traz surpresa à situação é o fato de a Aranha não se reconhecer desafinada e, pelo contrário, considerar-se, durante grande parte do enredo, uma talentosa cantora. Além de o poema-rubrica informar que a personagem não domina o canto, Juguero grafou as canções que a Aranha canta de uma maneira a destingi-las das demais canções que compõem a peça, como podemos perceber na letra da cantiga Pirulito que bate bate. A Aranha cria outros episódios nos quais sua falta de modéstia e autocrítica provocam situações engraçadas, como quando, depois de separar o Cravo e a Rosa, cantores de fato talentosos, julga-se a única cantora do jardim e passa a se apresentar para os demais personagens:

Aranha – Bem, mas se a questão é boa música, eu posso resolver. Conheço algumas

cantigas muito charmosas.

Ai bo...oota...aa aqui...ii, ai...ii bo...oota...aa ali...ii O seu pe...eezi...iinho...oo

O se...eeu...uu pezi...iinho...oo bem junti... iinho...oo com o me...eeu E depo...ooi...iiss não...oo vai dize...eer

Que vo...oocê já...áá me esque...eece...eeu...uu E depo...ooi...iiss não...oo vai dize...eer Que vo...oocê já...áá me esque...eece...eeu...uu A Aranha maravilhada,

Os insetos constrangidos. Ela não percebe nada? Será que não tem ouvidos? Sua voz é uma piada,

Seu canto, um bambu partido.

Aranha – Obrigada. Obrigada. Nem conseguem falar de tão emocionados, não é

mesmo? Mas não é preciso ficar triste. O meu repertório é muito grande. O show não acabou.

(JUGUERO, 2009, p. 20-21, grifos da autora).

Na articulação das características da personagem Sapo, Juguero também jogou com o humor que nasce da surpresa. A personagem é apresentado como comilão e atrapalhado,

incapaz de conseguir o próprio alimento. A surpresa está no contraponto que a personagem de Juguero faz à rapidez e habilidade dos sapos no momento de capturar suas presas. Já no início do texto, no primeiro diálogo que estabelece com a Aranha, tenta se alimentar dela, feito que não se realiza, conforme notamos no fragmento a seguir:

Sapo - Eu prefiro que a senhora se aproxime, fique bem pertinho, e depois comece

a cantar.

Aranha – Ah, não! Eu começo aqui e vou me aproximando. O senhor vai ver que é

bem melhor. (Canta.) – Ro...ooda...aa cuti...iia...aa, de no...ooi...iite...ee e de di...iia...aa...

Sapo – Chega!!!!!! Desisto! Eu não vou aguentar isso muito perto e nunca vou

conseguir comer essa aranha nojenta!

Aranha – O quê? O senhor só queria me devorar! Achou que eu ia cair nessa, seu

sapo boboca?

Sapo – Ai, que fome! Eu sou boboca mesmo. É só um inseto se aproximar de mim,

que eu começo a bater papo e nunca consigo comê-lo! Ai, como eu queria comer uma mosquinha bem gordinha!

(JUGUERO, 2009, p. 12, grifos da autora).

É pela falta de habilidade e pela distração, percebidos na cena, que o Sapo não consegue capturar suas presas. A necessidade do alimento leva-o a associar-se à Aranha na separação do Cravo e da Rosa. Depois que conseguem tal feito, brigam entre si, e o Sapo investe mais uma vez na captura da Aranha, que é salva pelo Vagalume, o Mosquito e a Borboleta. O final dessa cena, pelo inusitado alinhamento do texto de Juguero com a cantiga

O sapo não lava o pé, oferece graça e surpresa ao texto:

Aranha – Enganando teus próprios amigos? Não tens vergonha?

Sapo – É que eu tenho que fazer tudo sozinho. Não tenho ninguém para me ajudar. Aranha – Também, quem é que vai querer chegar perto de ti? Nem banho tu tomas! Mosquito – E mora na lagoa!

Grilo – Mas não lava nem o pé. Todos – O sapo não lava o pé,

Não lava porque não quer. Ele mora lá na lagoa.

Não lava o pé porque não quer. Mas que chulé!

(JUGUERO, 2009, p. 19, grifos da autora).

São essas as ocorrências do humor que percebemos em Canto de Cravo e Rosa. Ele está mais associado à manifestação da surpresa no texto do que aos outros indicadores de abordagem do critério previstos no dispositivo epistemológico sugerido por nós. A construção do humor na dramaturgia de Juguero parece não se vincular à presença deste recurso como viabilizador do pensamento crítico, nem ser um expediente utilizado com originalidade na experimentação do mundo. É possível que seja objetivo da autora utilizar o humor como

ferramenta de ampliação das possibilidades de conexão da criança com o mundo e com outras pessoas e como estímulo à imaginação no manuseio dos diferentes desafios do cotidiano, indicadores de abordagem também apresentados para o critério em questão. Contudo, fica evidente que Juguero não investe potencialmente no humor na dramaturgia que constrói para a obra aqui analisada. Destacamos, na seção sobre dramaturgia infantil, no primeiro capítulo, a partir dos estudos de Caria e Abujamra, que o humor é a fórmula que um grande número de autores utiliza para favorecer a entrada da criança no texto dramático ou mesmo no espetáculo para a infância. Essa opção dos autores definirá as linhas gerais dos seus projetos criativos. Notamos, em Canto de Cravo e Rosa, que a opção de Juguero foi pelo aproveitamento cantigas folclóricas, ou seja, esse foi o recurso que a autora utilizou para aproximar seus leitores do texto e é a partir dele que a autora delineia seu projeto criativo. Por isso, parece-nos que a autora relega o humor para planos secundários de sua dramaturgia, não fazendo dele um investimento potencializado do texto.

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 138-141)