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Processo de elaboração do texto

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 143-146)

6 CANTO DE CRAVO E ROSA, DE VIVIANE JUGUERO: A DRAMATRUGIA IMPRESSA PARA A LEITURA DA CRIANÇA

6.1 ETAPA 1: EXISTÊNCIA E PERTINÊNCIA DA DRAMATURGIA INFANTIL: PONTOS DE AVAL

6.1.6 Processo de elaboração do texto

O próximo critério de análise previsto no dispositivo, a elaboração do texto, aproxima- se do critério que investiga a presença do universo infantil na dramaturgia, já que é na elaboração do texto que os dramaturgos vão aderir ao universo infantil. Mas, mesmo assim, acreditamos que seja importante apresentá-lo em separado e com indicadores de abordagem específicos. O primeiro deles sugere verificar se a ação acontece ante o olhar do espectador, o que garantirá o seu interesse pela história. Mesmo não se tratando do texto encenado, é possível perceber, pelo modo de articulação dos elementos que constituem o texto dramático, se a ação, de fato, predomina no texto, ou se o autor se utiliza de outros recursos. Canto de

Cravo e Rosa é um texto que articula a ação de modo exemplar, fazendo as personagens

viverem as situações em cena, com diálogos pontuais e comunicativos, nos quais as personagens se expressam sem apelar para a narração dos acontecimentos. Nada é narrado, tudo o que faz parte do enredo é transformado em ação. As brigas, as lutas, as desordens são comunicadas pelos poemas-rubricas e contextualizadas pelos diálogos, nenhuma ação é comunicada por narração das personagens. Essa característica do texto de Juguero colabora

para a sua classificação como dramático, afinal, a dramaturgia constitui-se em torno da necessidade da articulação da ação no texto, de mostrar ao invés de narrar os acontecimentos.

Outro indicador de abordagem da elaboração do texto permite perceber se o potencial de sugestão do texto é maior do que de exposição da temática. No texto de Juguero, não temos a exposição direta da temática do texto. Como já mencionamos em parágrafos anteriores, o tema que perpassa as cenas de Canto de Cravo e Rosa é sugerido pelas cenas e diálogos. As personagens não fazem exposições sobre a temática da peça, favorecendo a ação dramática e possibilitando que dela se abstraia a temática do texto.

Já abordamos a construção dos diálogos do texto em análise em vários momentos deste capítulo, sendo possível deduzir a presença do próximo indicador de abordagem que prevemos para o critério que estamos tratando: a ludicidade e a fantasia na construção dos diálogos. Eles se tornam exemplarmente lúdicos, à medida que Juguero aproveita as cantigas folclóricas na sua composição e também à medida que ela não cria uma defasagem entre as cantigas e os diálogos que elabora para comporem as cenas da peça. A fantasia também é outro elemento que comparece ao texto dramático da autora, principalmente, como já afirmamos, por ela escolher como personagens aquelas plantas e animais que já habitavam as cantigas folclóricas.

Canto de Cravo e Rosa é um investimento de sua criadora na temática da diversidade,

já que todas as cenas convergem para um final no qual não há punição da maldade, mas arrependimento e perdão. A aceitação do Outro e a aceitação de si mesmo, com as limitações que podem caracterizar cada indivíduo, são a tônica do texto. Contudo, não podemos afirmar, a partir disso, que o texto dá dimensão dramática a conflitos íntimos da autora, mas, pelo que deduzimos, trata-se de uma temática cara a Juguero. Esse é o indicador de abordagem previsto na sequência para o critério de análise de que estamos tratando. É possível deduzirmos que o investimento da autora em um projeto como a criação do texto dramático em análise também revela as suas crenças na infância e na potencialidade com que os componentes dessa fase da vida precisam ser vivenciados. É assim que podemos entender as escolhas e opções de Juguero para o texto em questão. O projeto artístico exposto no texto dramatúrgico, que parte das cantigas folclóricas em direção à construção de uma escrita autoral, materializa, na literatura, a crença na própria criança, destinatário do texto em análise.

O próximo indicador de abordagem para o critério da elaboração do texto dramático infantil diz respeito à construção de sensação de estranhamento, que possibilita a experimentação das ilimitadas possibilidades da arte. Pode, o estranhamento, fazer-se presente na construção da dramaturgia de Juguero, à medida que o leitor encontrará as personagens das cantigas que conhece desde a primeira infância vivendo aventuras diversas, trapaças e

confusões. Essa novidade que o texto em análise promove pode ser tomada pela criança como estranhamento, no sentido que essa expressão possui no campo da arte, ou seja, de algo que causa a sensação de estranheza, justamente pela novidade que representa, conforme os estudos de Carneiro Neto acolhidos nesta escrita. O uso que Juguero faz dos elementos da poesia folclórica remete-nos às ilimitadas possibilidades da arte, uma vez que tais cantigas e seus personagens cristalizaram-se na infância das crianças brasileiras e, no texto dramático em análise, ganham nova configuração.

O último indicador de abordagem para o critério em questão refere-se à harmonização da dramaturgia com música e canto, aspecto evidenciado, no capítulo dois, nos estudos de Camarotti. Notamos uma intensa correspondência entre este indicador e o texto dramático

Canto de Cravo e Rosa. Não fosse a construção do texto de Juguero dar-se na confluência das

cantigas folclóricas e do texto autoral – como já exploramos exaustivamente neste capítulo – , as personagens que habitam o jardim têm a música e o canto como atividade diária, integrada às suas vidas (afinal, o que fariam tais personagens no jardim além de cantar?), o que traz ao texto esse recurso expressivo e o harmoniza com a dramaturgia. Notamos essa ocorrência em todas as partes do texto, e escolhemos um fragmento para ilustrá-la:

Sapo – Eu sou pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré. Rosa – Eu sou rica, rica, rica de marré de si.

Sapo – Eu sou pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré. Rosa – Eu sou rica, rica, rica de marré de si.

Sapo – Vim aqui para pedir seu amor e seu carinho,

Vim aqui para pedir um gostoso dum beijinho.

Rosa – Um beijinho eu não dou, nem por ouro,

Nem por prata, nem por sangue de lagarta! (JUGUERO, 2009, p. 15, grifos da autora).

Na construção do diálogo cantado, a autora parte do poema Eu sou pobre, pobre,

pobre, conforme notamos nas quatro primeira falas, e na continuação da cena elabora em

diálogos/versos rimados o pedido de beijo do Sapo para a Rosa, momento em que se estabelece o conflito principal de Canto de Cravo e Rosa. Percebemos, no fragmento, a facilidade como Juguero harmoniza a cantiga folclórica com o texto autoral. Além disso, a música faz parte das cenas da peça porque as personagens também são letristas, cantores e compositores:

Grilo, Cravo e Joaninha Divertindo-se ao violão, Cada um cria uma linha, Todos juntos, dá um refrão.

Grilo – Aqui está: pena e caneta. Joaninha – Terezinha de Jesus...

Cravo – Caiu no chão. Aí vieram três homens... Joaninha – Três cavalheiros!

Grilo – De chapéu na mão. Cravo – Ficou joia. Dá o tom.

Com letra bem caprichada E ritmos tão legais, As formigas, na toada, Abalam nos vocais.

Todos – Terezinha de Jesus, numa queda foi ao chão.

Acudiram três cavalheiros, todos os três chapéu na mão. O primeiro foi seu pai, o segundo, seu irmão;

O terceiro foi aquele que a Teresa deu a mão.

Da laranja quero um gomo, da maçã quero um pedaço. Da morena mais bonita quero um beijo e um abraço. (JUGUERO, 2009, p. 14, grifos da autora).

O fragmento ilustra o envolvimento das personagens com a música e o canto. Na cena, temos uma suposição de como teria surgido a cantiga Teresinha de Jesus, uma composição do Grilo, da Joaninha, do Grilo e do Cravo. Podemos observar que o próprio fragmento também exemplifica a harmonização das cantigas com o texto autoral de Juguero. Temos noção de que nem todos os textos dramáticos possuem esse alinhamento entre dramaturgia e música e canto. A autora em questão potencializou esse aspecto da elaboração do seu texto, e o indicador de abordagem que prevemos neste estágio de análise permitiu que trouxéssemos à nossa escrita tais aspectos.

No documento 2019FabianoTadeuGrazioli (páginas 143-146)