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C APÍTULO II E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2 A Proposta da Teoria da Flexibilidade Cognitiva para a construção de conhecimento

2.2.3 Princípios básicos da TFC

2.2.3.2 Contexto de aplicação da TFC: complexidade conceptual em níveis avançados de conhecimento

Um dos principais traços caracterizadores da Teoria da Flexibilidade Cognitiva tem a ver com o facto de esta propor uma orientação geral para a aquisição de conhecimento e aplicação em domínios de saber complexos (Spiro & Jehng, 1990; Spiro et al., 1991). De acordo com os autores (Spiro, et al., 1987; Spiro et al., 1988; Spiro & Jehng, 1990; Spiro

et al., 1991), podemos entender um domínio de conhecimento complexo como um

conjunto de vários conceitos que, interagindo num determinado contexto, ganham pertinência num caso de aplicação de conhecimento típico e cujos padrões de combinação revelam inconsistência ao longo da sua aplicação de caso para caso do mesmo âmbito. Em termos específicos, esta complexidade e irregularidade do domínio, designada pelos autores como “ill-structuredness” (Spiro et al., 1987: 184), concretiza-se pela:

1. Ausência de regras ou princípios gerais capazes de abranger a maior parte dos casos e, deste modo, não se encontram características que definam ou determinem as acções apropriadas para um dado caso;

2. Inversão das relações hierárquicas de domínio de caso para caso; 3. Desorientação dada muitas vezes por recurso a protótipos;

4. Variabilidade das mesmas características ao assumirem diferentes padrões de significado quando colocadas em contextos diversos;

5. Profusão de um elevado número de interacções entre várias características relevantes que introduzem aspectos de novidade no caso.

Ou seja, quando nos deparamos com conceitos que se destaquem pela sua complexidade e irregularidade, importa considerar quer a multiplicidade de estruturas conceptuais que estão envolvidas no mesmo caso de aplicação de conhecimento, quer a irregularidade na incidência e interacção dos padrões conceptuais que atravessa os casos do mesmo tipo (Spiro et al., 1991). Áreas como a Medicina, a História, a análise literária, entre outras, são exemplos evidentes deste tipo de domínios.

Torna-se, assim, claro que estes conhecimentos, complexos e pouco estruturados, contrastam com aqueles que se apresentam como “well-structured” (Spiro et al.,

1987:177), isto é, bem estruturados e sem traços de irregularidade conceptual, para os quais encontramos abordagens cognitivas apropriadas. Na verdade, Spiro e os seus colaboradores (1987) sustentam que as teorias cognitivas revelam-se mais eficazes na explicação do processo cognitivo em domínios bem estruturados do que em domínios pouco estruturados e que, por isso, afirmam-se mais adequadas para uns em prejuízo de outros.

Além do mais, a complexidade e irregularidade de um determinado domínio coloca diversos problemas às ciências cognitivas (Spiro et al., 1991). Muitas das vezes, verifica-se uma atitude que negligencia a complexidade conceptual e a irregularidade dos padrões da informação, levando a uma simplificação exagerada e consequente incapacidade de aplicar o conhecimento a novos casos. Naturalmente que este tipo de abordagens cognitivas são convenientes tanto para os professores como para os alunos, uma vez que facilita o ensino para os primeiros e auxilia o estudo para os segundos. Spiro et al. (1987) referem tratar-se de um procedimento resultante de uma “conspiração de conveniência” e que, tendencialmente, causa problemas ao longo da aprendizagem de conceitos, (nomeadamente, aqueles que foram detectados com estudantes de Medicina), por estarem associados a diferentes tipos de simplificação exagerada, tanto ao nível cognitivo como ao nível educativo. De uma forma global, os estudantes de Medicina revelaram sistemas de representação de conhecimento demasiado simplificados, consentâneos a estratégias de ensino com propensão para nivelamentos, motivadas por abordagens também elas “monolíticas” (Spiro et al., 1987).

É nesta medida que a TFC se apresenta como uma teoria que se situa num nível avançado de aquisição do conhecimento, preocupando-se com um processo de ensino- aprendizagem que tenha como objectivos não só obter um entendimento de importantes elementos de complexidade conceptual, como também ter a capacidade de utilizar conceitos, previamente adquiridos, em processos de raciocínio e inferência e, por fim, ser capaz de aplicar flexivelmente o conhecimento conceptual em situações detentoras de novidade (Spiro et al., 1991).

Com efeito, um dos pressupostos da TFC (Spiro et al. 1988; Spiro & Jehng, 1990; Spiro et al., 1991) é o da existência de três níveis fundamentais na aquisição do conhecimento: um nível introdutório, um nível avançado e um nível de especialização. Assim, a aprendizagem a nível introdutório, independentemente do tipo de estruturação do

domínio, proporciona aos alunos uma orientação geral do conteúdo abordado, baseada numa avaliação por meio de exercícios que apelam ao reconhecimento e memória factual. Por sua vez, no nível avançado de aquisição de conhecimento, pretende-se que as relações e princípios relevantes de um determinado domínio conceptual sejam apreendidos pelos alunos de forma a construírem uma base de conhecimentos factuais mais abrangente, bem como uma estruturação conceptual entre os factos. De acordo com Moreira (1996), o objectivo desta fase de aprendizagem consiste em adquirir as componentes estruturais de um determinado domínio após a obtenção das respectivas componentes superficiais. Por fim, o nível de especialização será o resultado de um elevado grau de experiência prática sobre o domínio que se manifesta, sobretudo, na capacidade de aplicar conhecimento relevante de um modo rápido e flexível no momento de resolução de problemas, no amplo desenvolvimento das memórias de curto e longo prazo e também na significativa capacidade de auto-monitorização. Neste sentido, Moreira (1996:25) adianta-nos que

“Os especialistas empregam categorias conceptuais que evidenciam relações e princípios semânticos ou estruturais, enquanto que os não-especialistas tendem a possuir uma consciência conceptual do domínio que se orienta mais para as características superficiais do conhecimento.”

A preocupação da TFC, focalizando-se no nível avançado de aquisição do conhecimento, consiste em fornecer aos alunos o suporte cognitivo necessário a uma compreensão profunda do domínio com vista a uma aplicação flexível do mesmo em contextos diferentes. Em suma, “the learner must attain a deeper understanding of content material, reason with it, and apply it flexibly in diverse contexts” (Spiro et al., 1988:375).