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C APÍTULO II E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2.1 O eLearning como novo desafio para a Educação

2.1.6 O potencial da Comunicação Mediada por Computador (CMC) na construção de comunidades de aprendizagem no elearning

2.1.6.2 A Emergência de Comunidades de Aprendizagem em ambientes online

2.1.6.2.1 Princípios teóricos para a criação de Comunidades de Aprendizagem em ambientes online

Uma das principais questões que preocupa os investigadores na área do eLearning consiste em perceber de que forma as aplicações tecnológicas referidas anteriormente reflectem os modelos teóricos relativos à construção de comunidades de aprendizagem

online (Gunawardena, 1995).

De acordo com Jonassen (1999), uma perspectiva construtivista da aprendizagem a partir da qual se assume que o conhecimento é construído individualmente e co-construído socialmente pelos alunos com base nas suas interacções com o meio envolvente, afigurar- se-á como um modelo que conduzirá os alunos a um processo de construção de significados. Ou seja, o conhecimento construído pelos alunos decorre das suas

necessidades, crenças e conhecimento prévio. Importa, pois, assegurar um ambiente de aprendizagem que envolva os alunos em actividades manipulativas, construtivas, intencionais, complexas, autênticas, cooperativas (de colaboração e conversação) e reflexivas.

Designados por Constructive Learning Environments (CLEs), estes ambientes de aprendizagem são desenhados a partir de um modelo que:

“(…) conceives of a problem, project, question, or issue as the focus of the environment, with various interpretative and intellectual support systems surrounding it. The goal of the learner is to interpret and solve the problem/complete the project/answer the question/resolve the issue. Related cases and information resources support understanding of the problem and suggest possible solutions; conversation/collaboration tools enable communities of learners to negotiate and co-construct meaning for the problem; and social/contextual support systems help teachers to implement the CLE.” (Jonassen, 1999:1)

Dito por outras palavras, estes ambientes de aprendizagem construtivistas, para além de colocarem a ênfase do processo educativo no aluno que vai negociando o conhecimento de acordo com as suas percepções do mundo que o rodeia, realçam ainda o papel da comunidade como um factor essencial na construção do conhecimento, ou seja, tornam essencial a criação de condições que permitam aos alunos negociar e resolver as suas tarefas num contexto social.

Nesta perspectiva, a aprendizagem desenvolve-se de uma forma mais espontânea se os alunos trabalharem em equipas com vista à resolução de problemas, por oposição a um trabalho desenvolvido isoladamente (Jonassen, 1999). Deste modo, o papel da tecnologia, nomeadamente da Comunicação Mediada por Computador, reside na promoção de ambientes que facilitem a construção do conhecimento por parte dos alunos por meio de um processo de negociação social (Gunawardena, 1995).

Na prática, as potencialidades da Comunicação Mediada por Computador devem ser optimizadas no sentido de proporcionar aos alunos um ambiente de partilha de conhecimentos que os ajude a construir colaborativamente o conhecimento e a partilhá-lo socialmente (Jonassen, 1999). Tal como sustenta Gunawardena, importa, contudo, ter consciência que:

“(…) such learning environments may promote collaborative learning which involves the active construction of knowledge through social negotiation, only if participants can relate to one another, share a sense of community and a

common goal. The development of social presence and a sense of an online community becomes key to promoting collaborative learning and knowledge building.” (Gunawardena, 1995:164)

As investigações conduzidas por Scardamalia & Bereiter (1994) providenciam inúmeros contributos que não podem deixar de ser considerados numa reflexão sobre a construção de comunidades de aprendizagem em ambientes suportados por computador.

Ao desenvolverem um projecto para ambientes de aprendizagem construtivista –

Computer-Supported Intentional Learning Environments (CSILE) – estes autores

procuraram, sobretudo, conceber um sistema de comunicação baseado nos seguintes princípios:

ƒ Aprendizagem Intencional – o aluno encontra-se a trabalhar activamente na consecução de uma tarefa cognitiva;

ƒ Processo de Especialização – a resolução de problemas vai-se complexificando progressivamente para que os alunos aperfeiçoem as suas competências e actuem como especialistas quando lhes for solicitado;

ƒ Reestruturação das escolas como comunidades de construção de conhecimento – as escolas devem adaptar-se no sentido de proporcionar aos alunos condições para um trabalho activo e de especialização.

Adaptando estes princípios a um modelo de educação distribuído, os ambientes

CSILE apresentam como principais atributos (Sherry, 2000):

ƒ Uma base de dados comum, criada pelos estudantes, que incorpore materiais tanto públicos como pessoais;

ƒ Notas de discussão que encorajem os alunos a elaborarem as suas pesquisas a partir de um problema em vez de uma ideia;

ƒ Proposições colocadas pelos alunos que indiquem o que necessitam compreender de forma a efectuarem avanços conceptuais;

ƒ Justificações de mensagens e relações criadas pelos alunos baseadas nos princípios em que foram propostas.

Assim, conforme defendem Scardamalia & Bereiter (1994:274), a concepção de ambientes de aprendizagem distribuídos deve estar fundamentada em dois conceitos essenciais:

“One is that information should flow freely among participants, without having to pass through a central authority. The other is that knowledge should be distributed across students, rather than each student being expected to know the same things, thus making for more productive exchanges between students.”

Esta perspectiva remete-nos para uma abordagem do conhecimento que é construído de uma forma distribuída pelos indivíduos e respectivos contextos em oposição ao princípio convencional que assume o conhecimento como um processo que reside imóvel e internamente em cada um de nós (Hewitt & Scardamalia, 1998).

A noção de Cognição Distribuída proposta por Hewitt & Scardamalia sugere uma análise do conhecimento assente em três planos fundamentais: um plano situado, um plano cognitivo e um terceiro plano que procura uma combinação dos dois anteriores.

Em relação ao primeiro plano, estes autores, inspirando-se nos estudos efectuados por Lave e Wenger (1991), consideram que tudo o que é aprendido está ligado ao contexto particular em que ocorre a aprendizagem. Assim, todas as circunstâncias, que tanto podem potenciar como limitar a situação, são inseparáveis do processo cognitivo, sendo o conhecimento distribuído pela mente, corpo e contexto envolvente. Neste sentido, o processo cognitivo está profundamente comprometido com inúmeros factores tais como contexto, actividades, artefactos, símbolos, sinais e cultura. Isto significa que “from a sociocultural point of view, individual mental processing is better understood as a complex system involving the individual and the whole personal environment. All cognition is fundamentally situated and distributed.” (Hewitt & Scardamalia, 1998:77)

É evidente, pois, que na base desta perspectiva encontramos noções importadas da teoria sócio-interaccionista desenvolvida por Vygotsky, segundo a qual o conhecimento resulta da relação que o ser humano estabelece com o meio circundante, sendo esta relação dialéctica no sentido em que o meio afecta o indivíduo, provocando mudanças que serão reflectidas de novo no meio, iniciando-se um processo interactivo em espiral:

“O desenvolvimento, neste caso, como frequentemente acontece, se dá não em círculo, mas em espiral, passando por um mesmo ponto a cada nova revolução, enquanto avança para um nível superior.” (Vygotsky, 1998:74)

O conhecimento emerge, neste sentido, à medida que os indivíduos comunicam entre si, sendo que, durante esta interacção, os mesmos recorrem a símbolos e ferramentas e organizam os seus sistemas de crenças, de forma a negociarem o significado desses objectos com todos os elementos presentes na interacção.

Em contexto educativo, esta abordagem implica um novo entendimento sobre a interrelação entre a aprendizagem e o desenvolvimento que ocorre desde o nascimento de cada indivíduo (Vygotsky, 1998).

Rejeitando as correntes teóricas discutidas pelos seus contemporâneos sobre esta matéria, entre os quais Piaget, Vygotsky defende um novo conceito designado por Zona de Desenvolvimento Próximo. Para explicar as relações concretas entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprender, este autor propõe uma análise do desenvolvimento das crianças a dois níveis: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.

O nível de desenvolvimento real reflecte aquilo que as crianças são capazes de fazer sem auxílio de ninguém, independentemente, sendo o resultado de ciclos de desenvolvimento finalizados. O nível de desenvolvimento potencial diz respeito a tudo quanto a criança poderá ser capaz de resolver com a ajuda de outras pessoas. Ora, entre um e outro nível encontra-se um espaço de maturação de determinadas funções que, não obstante o seu estado embrionário, podem ser desenvolvidas e, consequentemente, interiorizadas pelas crianças que as utilizarão de forma independente mais tarde. Por extrapolação, o mesmo se poderá afirmar sobre os adultos nos seus processos de aprendizagem. A este espaço corresponde, então, a Zona de Desenvolvimento Próximo:

“Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (Vygotsky, 1998:112)

Importa, assim, desenhar ambientes que propiciem uma aprendizagem de “natureza social” (Vygotsky, 1998:115) através de um processo que permita a cada indivíduo participar na vida intelectual de todos aqueles que o rodeiam. Ou seja, a aprendizagem deverá privilegiar um processo não só de interacção com o meio, mas também de colaboração com todos os agentes envolvidos nesse processo.

Partindo deste pressuposto, a Teoria da Cognição Situada evidencia alguns preceitos relativamente ao processo de aprendizagem, advogando que este deverá compreender métodos que integrem os alunos em actividades autênticas, reais, e, acima de tudo, que propiciem interacções sociais. De facto, Brown, Collins e Duguid fundamentam que “Cognitive apprenticeship supports learning in a domain by enabling students to acquire, develop, and use cognitive tools in authentic domain activity.” (Brown, Collins & Duguid, 1989). Esta ideia, reflectindo a noção de “Zona de Desenvolvimento Próximo”, pressupõe que professores e alunos trabalhem de forma colaborativa, verificando-se uma transferência gradual das responsabilidades do professor pelas actividades para os próprios alunos que, por sua vez, terão desenvolvido estas responsabilidades em competências (Hewitt & Scardamalia, 1998). Logo, a aquisição de conhecimento apresenta-se como uma tarefa que deve ser considerada, quer ao nível cognitivo quer ao nível social.

No que diz respeito ao plano cognitivo, Hewitt & Scardamalia defendem que a aprendizagem consiste num processo de reorganização cognitiva contínua. Ainda que, aparentemente, esta perspectiva possa revelar uma contradição relativamente ao conceito de “Cognição Distribuída”1, esta deve ser entendida como um processo de co-construção do desenvolvimento do raciocínio em que cada pessoa reorganiza continuamente o seu próprio conhecimento em função das interacções que estabelece com outras pessoas. Tal acontece, por exemplo, ao longo de uma discussão em grupo que decorre dinamicamente e em que são colocados em confronto diversos pontos de vista sobre um assunto.

Por outro lado, o plano cognitivo está, também, relacionado com o facto do conhecimento se encontrar distribuído materialmente, ou seja, em objectos que utilizamos no nosso dia-a-dia. Muitas vezes, recorremos a determinados objectos do nosso quotidiano que, sem termos consciência, reúnem conhecimento de diversas formas e que permitem facilitar a nossa actividade mental:

“These ubiquitous mediating structures that both organize and constrain activity include not only designed objects such as tools, control instruments, and

1

Os próprios autores reconhecem o carácter pouco definido da perspectiva cognitiva na análise da Cognição Distribuída, fornecendo-nos, contudo, fundamentos que esclarecem eventuais dúvidas: “From a strictly cognitive perspective, the notion of distributed cognition is ill-defined. If cognition is interpreted as an in-the- head phenomenon, them how can cognition be distributed across people or objects?” (Hewitt & Scardamalia, 1998:78)

symbolic representations like graphs, diagrams, text, plans, and pictures, but people in social relations, as well as features and landmarks in the physical environment.” (Pea, 1993, cit in Hewitt & Scardamalia, 1998:79)

Tal como sugerem Hewitt & Scardamalia, importa perceber que um objecto com estas características deverá exercer a função de “mediador” da cognição, mas não é ele a própria cognição. O mesmo é dizer que cada pessoa deve estar familiarizada com esse artefacto e depreender o significado que pode retirar dele.

Quanto ao terceiro e último plano em que assenta o conceito de Cognição Distribuída, este está relacionado com os dois anteriores, situado e cognitivo, na medida em que sustenta uma combinação entre ambos a partir da qual emergirá o conhecimento. No fundo, Hewitt & Scardamalia propõem que se procure uma integração dos dois conceitos na prática, referindo estudos efectuados por Salomon (1993) e Pea (1993):

“Both Pea and Salomon propose theoretical frameworks that interweave individual cognitions with cognitions (or “intelligences” in Pea’s case) that are situationally-based and grounded in activity. The challenge facing these integrative approaches is to find ways to bring together two different philosophies concerning the nature of knowledge.” (Hewitt & Scardamalia, 1998:81)

De facto, o que podemos constatar é que, qualquer que seja a abordagem teórica que sustente a comunicação online, esta deve ter como fundamento a construção social do conhecimento, contrariando, assim, os baixos níveis de participação e insatisfação que se verificam relativamente aos fóruns de discussão (Gunawardena, 1995; Hill, 2001; Rovai, 2002).

Desta forma, a implementação de um curso online não pode negligenciar factores como o contexto, a actividade e os indivíduos, como seres sociais e cognitivos, mas deve privilegiar a combinação destes factores no sentido de construir comunidades, onde a aprendizagem seja activa, dinâmica, centrada no aluno (Dias, 2000) que, colaborativamente, vai partilhando as suas ideias e reflectindo sobre outras, sustentando, assim, a construção de conhecimento com significado.

Neste sentido, consideramos mais uma vez incontornáveis as palavras de Harasim que, a este respeito, nos diz:

“Designing the on-line environment is a key component which affects the quality, nature and volume of interaction. Educational designs based on collaborative learning provide motivational and cognitive benefits. Collegial collaboration reduces uncertainty as learners find their way around complex tasks and also encourages a connectively to the learning process. Discussion, debate and multiple perspectives which arise within an on-line conference activity may contribute to higher developmental levels in the learners than if they were working alone”. (Harasim, 1989:53)

Importa, então, conhecer algumas propostas para a implementação de estratégias em cursos online que visem a construção de comunidades que, de facto, encorajem o espírito de colaboração entre os membros e alimentem o sentimento dessa comunidade por um longo período de tempo.