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O CONTEXTO VARGUISTA DA FASE INICIAL DA REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

PROFISSIONAL DA ARQUITETURA NO BRASIL

5.1 O CONTEXTO VARGUISTA DA FASE INICIAL DA REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

No início da década de 1930, após a revolução que levou Getúlio Vargas ao poder e criou as condições para a emergência de novas forças políticas no cenário nacional, ganhou força o processo de regulamentação das profissões liberais, sendo criadas as primeiras leis voltadas para o controle do exercício profissional: da advocacia, em 1930 (LEXML, 2010), da profissão farmacêutica, em 1931 (SOLEIS, 2010), e, no âmbito das profissões tecnológicas, da agronomia, em 1933. (DOU, 1933).

Em relação às demais profissões tecnológicas, intensificaram-se os esforços das entidades de classe com vistas aprovar em lei federal a regulamentação das profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor. Desses esforços e da política intervencionista do governo Vargas resultou a instituição do Decreto nº 23.569/33, regulando o exercício das acima referidas profissões. (CASTRO, 1995).

Cumpre ressaltar, por oportuno, que o referido processo de regulamentação profissional dificilmente teria adquirido tal ritmo não fosse por um conjunto de fatores – inexistentes nas décadas anteriores, porém presentes a partir dos anos 1930 – que criaram o contexto apropriado para que nesta década e na seguinte, diversas profissões fossem regulamentadas, conforme o exposto a seguir.

5.1 O CONTEXTO VARGUISTA DA FASE INICIAL DA REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL

No Brasil, o marco regulatório inicial da arquitetura e das demais profissões da área tecnológica foi criado nos anos iniciais da década de 1930, num contexto de importantes mudanças políticas, econômicas e sociais no cenário nacional, à semelhança do que, na mesma época, vinha ocorrendo em diversos outros países, como Itália, Portugal, Espanha e Alemanha.

Tais mudanças, que viriam a repercutir também na organização do trabalho em geral, se relacionavam ao declínio e posterior substituição da ordem liberal – vigente nestes países entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX – em consequência da crise de confiança que se abateu sobre tal modelo de ordenamento sócio-político, que se baseava num sistema de representação via partidos, e do entendimento de que este já não mais seria capaz de ordenar as relações entre o indivíduo e o Estado. Em relação a isto, Velloso (1982, p. 86) observa que,

[...] se na sua origem o liberalismo teve a sua razão de ser – quando procurou assegurar o poder da burguesia sobre a aristocracia –, no momento mostra-se incapaz de resolver os problemas advindos do seu próprio desenvolvimento, tais como a luta de classes, as greves, as revoltas e a guerra.

Eis que, num contexto de desgaste dos modelos políticos liberais, em que as forças sociais movidas pelos mais distintos interesses procuravam redefinir as relações entre indivíduos e Estado, encontrava-se o ambiente propício para a emergência de ideias fascistas.153 Estas seriam traduzidas em regimes políticos

autoritários e populistas, baseados em Estados corporativos e de forte viés intervencionista, que buscavam controlar os mais diversos aspectos da vida em sociedade (política, econômica, cultural, trabalhista, sindical etc.).

No Brasil, o ponto de inflexão deste processo foi a Revolução de 1930, que deu início ao Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1937), ainda que suas origens remontem aos anos iniciais da Primeira República, intensificando-se a partir da segunda década do novo século e, sobretudo, do início dos anos 1920. (GOMES, 1982). Tal processo adquiriu maior envergadura a partir da crise política e econômica que se seguiu à Primeira Guerra Mundial e que veio acompanhada do descontentamento de segmentos importantes da sociedade, tanto junto ao Exército como às classes médias urbanas, gerando tensões mais explícitas em 1922 e em 1929, e exigindo mudanças na forma de organização da sociedade brasileira. Instalara-se uma situação de:

153 Mesmo alertando que cada caso guarda suas próprias características e especificidades, Lippi

(1982) destaca que, assim como o regime de exceção de Getúlio Vargas no Brasil, regimes autoritários e intervencionistas se instalaram em diversos países europeus nas primeiras décadas do século XX: na Itália (Mussolini, 1923), em Portugal (Salazar, 1929), na Alemanha (Hitler, 1933) e na Espanha (Franco, 1936). Já Lamounier (1997, p. 361) observa que “[...] a formação da ideologia de Estado no caso brasileiro é inseparável da assimilação pelas elites intelectuais do país do conjunto de idéias sociológicas que se convencionou chamar de protofascistas.”

[...] acentuada instabilidade política face à incapacidade de qualquer dos grupos dominantes em assumir [...] o controle das funções políticas do Estado. Por conseguinte, esta situação seria responsável pela configuração mais nítida de algumas das características da política brasileira, entre elas: a personalização do poder, a imagem [...] da soberania do Estado sobre o conjunto da sociedade e a necessidade da participação das massas populares urbanas. (GOMES, 1981, p. 13).

Neste contexto, emergiu ao centro da cena política uma nova geração de líderes que, além de Getúlio Vargas, incluía nomes como Oswaldo Aranha, José Antonio Flores da Cunha, Lindolpho Collor e Francisco Campos, os quais buscaram redefinir todo o ordenamento político-jurídico brasileiro, modificando profundamente a forma de relacionamento entre sociedade e Estado. (LEXML, 2010). A característica mais visível deste novo modelo é o fortalecimento do poder do Estado e de seus instrumentos de controle da sociedade e a sua centralização no nível federal do governo. (DINIZ, 1981).

Teriam sido três os eixos principais a conduzir o pensamento político da época: o elitismo, o conservadorismo e o autoritarismo.154 Da combinação desses grandes três eixos viria a se formar a ideologia do novo regime. Esta tinha um de seus pilares principais apoiado na

[...] noção de que os tecno-intelectuais alojados no aparelho do Estado constituem uma elite especialíssima, movida por instintos altruístas, por uma visão de grandes horizontes e por uma incomparável objetividade. Eminentemente realista, ela favoreceria um autoritarismo pragmático, esclarecido, temporário, cujo verdadeiro e recôndito objetivo muitas vezes escapa até mesmo aos seus beneficiários. (LAMOUNIER, 1997, p.356). Segundo este autor, de tal orientação emergiu uma “ideologia de Estado”, a qual se estruturava nos seguintes pontos: predomínio do princípio “estatal” sobre o princípio de “mercado”; visão orgânico-corporativa da sociedade (sindicatos, associações etc.); objetivismo tecnocrático (a partir do qual os técnicos iriam ter aumentada sua influência junto aos círculos de poder); visão autoritária do conflito social; não organização da sociedade civil; não mobilização política; elitismo e voluntarismo como visão dos processos de mudança política; e o Estado como garantidor do bem-estar social.

154 Oliveira (1982) explica que a referida elite correspondia à geração que chegava ao poder, junto à

qual estava boa parte da intelectualidade; o conservadorismo não seria propriamente a manutenção do status quo, mas uma concepção de mundo baseada em valores como ordem, hierarquia e tradição; já a noção de nacionalismo e autoritarismo, movida por um ideal de justiça e de democracia social, estaria pautada na crença de que a soberania seria atributo exclusivo do Estado e que caberia ao governo federal garantir a nacionalidade e a realização do bem comum em todo o território nacional.

O arranjo sócio-político proposto articulava-se a partir dos seguintes pontos principais: a) uma ampla reforma no sistema político, que deixaria de ser baseado no modelo representativo e passaria a ser uma “democracia social”, sendo esta caracterizada pela interlocução direta entre Estado e sociedade; b) um programa de modernização do país, tendo como base a industrialização voltada, sobretudo, à substituição de importações, sob patrocínio do Estado; c) a formação de um Estado forte, com grande centralização do poder no Executivo federal e intensa regulação da atividade econômica, o que incluiria o estímulo às indústrias consideradas cruciais ao desenvolvimento do país; d) a centralização e a reorganização da máquina pública, com a criação de novos ministérios, agências e departamentos, com o objetivo de criar uma burocracia mais profissional e estável; e) a constituição de um moderno Estado de bem-estar social, com o objetivo de universalizar a educação, a assistência à saúde e os benefício sociais; e f) a criação de uma política trabalhista e de uma reorganização na legislação do trabalho, além do estímulo e da regulação da atividade sindical. Permeando todos estes pontos havia a preocupação de se construir uma nova imagem para o país, que deveria ser a de uma nação urbana, industrial e moderna. (MOREIRA, 2004).

Para viabilizar tal projeto foi montada uma estratégia de poder que tinha como cerne a ampliação das funções estatais e incluía a penetração do Estado em amplos domínios da sociedade civil, vindo mesmo a assumir o papel de direção e organização da sociedade. Para isto fez-se necessário elaborar “[...] um projeto político-ideológico extremamente bem articulado, que soube capitalizar os acontecimentos, reforçar situações e, sobretudo, convencer da preeminência de uma nova ordem, centrada no fortalecimento do Estado.” (VELLOSO, 1982, p. 71). Nesta proposta a ideologia viria a assumir importância capital e, diante disto, os intelectuais reclamaram a sua participação na montagem do projeto ideológico do novo regime.

O entendimento dominante era de que caberia ao Estado cuidar de cada cidadão, o que incluía formar sua consciência, tanto no nível individual como no coletivo, através de uma intensa campanha de propaganda integrada ao processo educacional. Aqui, tanto a estrutura sindical como a corporativa se colocavam como instrumentos a servir de elo entre o sistema econômico e o Estado, assumindo papel importante na função educacional e moral por este coordenada. (OLIVEIRA, 1982).

No esforço de criação de uma nova imagem para o país, que se tornaria possível graças a uma aproximação dinâmica entre os intelectuais – estes vistos como os mais legítimos intérpretes da vida nacional e os únicos capazes de captar as aspirações e de compreender as reais necessidades da sociedade brasileira – e o Estado, caberia àqueles encontrar a “identidade nacional” e, a partir desta, construir e difundir o que se desejava ter como imagem. Contribuiu para isto a notória dependência de muitos dos intelectuais em relação ao Estado, seja pela condição de empregados públicos da maioria deles, seja devido às dificuldades de acesso à publicação de livros, à censura e à imprensa. (LAMOUNIER, 1997).

Em consequência desta linha de ação,

[...] o pensamento político que se constituiu [...] em doutrina para o Estado Novo encontra suas raízes nos movimentos intelectuais dos anos 20. É possível acompanhar a trajetória de muitos intelectuais que participaram ativamente de grupos modernistas e que, posteriormente, se integraram ao projeto político cultural do Estado Novo. (OLIVEIRA, 1982, p. 10).

Neste processo foi de grande importância a presença de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde, quando dele se aproximaram personalidades como Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, entre muitos outros, que viriam a se inserir no projeto de construção deste novo Estado nacional. Por seu turno Almir de Andrade (ex-diretor da revista Cultura Política), outro entre os principais ideólogos do regime, conseguiu atrair para trabalhar consigo diversos intelectuais, permitindo-lhes ocupar posições de destaque no projeto político de que se ocupou, o qual tinha por base uma proposta eminentemente cultural que buscava relacionar a ação política do governo às tradições culturais brasileiras. Além dele, Francisco Campos (que chegou a ser ministro da Justiça), Lourival Fontes (então poderoso diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP) e Azevedo Amaral (que não veio a ocupar cargos públicos, mas, credenciado pelos seus escritos155, tornou-se figura- chave durante todo o processo) contribuíram para construir os pilares da ideologia.

155 Apresentando um ideário que pareceria absurdo para os padrões atuais, e através de obras como

O Estado Autoritário e a realidade nacional e Getúlio Vargas estadista, Azevedo Amaral defendeu

ideias como “[...] as elites e o meio militar são considerados reservas de espírito público e de ideal patriótico”; ou então “[...] o poder promana de quem governa e não pode, portanto, sem flagrante absurdo, ter a sua origem atribuída à vontade dos que são governados”; bem como, “[...] o autoritarismo [...] é da própria existência da organização estatal e não pode ser divorciado do exercício do governo [...] Existe em todas as formas de organização política quando se busca a eficiência do Estado;” e ainda “[...] a autoridade tem como funções a coordenação, o reajuste e a

Esses personagens tiveram um papel fundamental na difusão de ideais de viés intervencionista, autoritário e nacionalista, a partir dos quais contribuíram para reforçar tanto a autoridade do Estado como a do seu chefe, que passariam a ser vistos como os construtores da nova nacionalidade. Neste contexto, o Estado seria compreendido como o grande condutor da “promoção” da sociedade brasileira da condição de rural-oligárquica para a de urbano-industrial, a qual deveria ser não- igualitária e hierarquizada, mas ordenada de tal modo a garantir, a todos, iguais direitos e oportunidades, visto que, na perspectiva de seus idealizadores, é isto que constitui a essência de uma sociedade moderna. Este novo Estado, que se apresentava como “humano”, uma espécie de “Leviatã benevolente”, seria um pai que corrige severa, mas afetuosamente os erros da sociedade, tendo como papel “protegê-la”, “orientá-la” e “dirigi-la”. Construiu-se e difundiu-se a ideia de que:

[...] a necessidade de sobrevivência de todos [...] exige um árbitro que lhes sopre o ânimo da convivência. [O Estado seria] [...] a força vital de uma sociedade igualmente cordial e cooperativa. Guardião da sociedade, o Estado é também sua força vital, um poderoso centro de fixação e coordenação, capaz de lhe dar direção e vontade. (LAMOUNIER, 1997, p. 370-371).

Essa linha de raciocínio se tornaria muito útil para a legitimação do processo de ampliação das funções do Estado e da atuação da máquina pública sobre a atividade econômica, em seus mais diferentes setores. Neste sentido, verificou-se, simultaneamente ao crescimento industrial, significativa expansão do setor público brasileiro a partir dos anos iniciais da década de 1930. Tal expansão seria traduzida na criação de diversos novos órgãos voltados, não somente para a regulação da atividade econômica, mas também à própria produção. Entre os primeiros merecem ser referidos o Conselho de Águas e Energia, o Conselho Federal de Comércio Exterior, o Conselho Técnico de Economia e Finanças, o Conselho de Minas e Metalurgia, o Conselho Nacional do Petróleo, o Ministério da Economia, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Trabalho. No âmbito da produção, com ênfase nas atividades ligadas aos setores estratégicos da economia como energia elétrica, petróleo, mineração e siderurgia, foram criadas, neste mesmo período, diversas empresas públicas, cujo objetivo maior era alavancar o processo de industrialização nacional sob patrocínio do Estado. Citem-se entre estas a intervenção protetora da sociedade. Sua mente é o bem comum” e, por fim, “[...] só o governo é soberano; portanto é ele que deve corporificar toda a sociedade”. (OLIVEIRA, 1982, p. 52-56).

Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia de Álcalis, a Usina Siderúrgica de Volta Redonda, a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF). (MACEDO, 2005).

Por esta via, na mesma medida em que se ampliava o aparato burocrático-estatal e se definia os novos rumos da atividade econômica prioritária – que tivera no deslocamento do eixo agro-exportador para o urbano-industrial sua característica principal – buscava-se legitimar o caráter intervencionista do Estado, objetivando ampliar o controle do poder central sobre as principais esferas da vida social. (DINIZ, 1981).

Tudo isto em muito contribuiu para o surgimento do mito Vargas, em torno do qual se realizou um intenso esforço propagandístico, capitaneado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de importância maiúscula onde se concentrava grande poder, como atesta o fato de ser diretamente subordinado ao presidente da República. Ali se considerava e se propagava a ideia de que:

[...] a principal qualificação de um líder de massas é a sua infinita infalibilidade, que se baseia não tanto na inteligência superior, mas, sobretudo na correta interpretação das forças históricas ou naturais essencialmente seguras. Nesta acepção, o discurso constrói a imagem de Vargas como um guia, cujos dons excepcionais o tornam capaz de perceber e prever as forças históricas, conduzindo os acontecimentos de acordo com o seu desenvolvimento. (VELLOSO, 1982, p. 95).

Entretanto, expondo o âmago da natureza autoritária e fortemente centralizadora do arranjo político, os ideólogos do regime defendiam a ideia de que não seria necessária a existência de partidos ou de estruturas corporativas para, enquanto formas de representação política da sociedade, intermediar a relação do indivíduo com o Estado. Esta função, segundo tais ideólogos, caberia ao próprio chefe de governo. “Ao desempenhar este papel, Vargas passaria a representar a mentalidade política brasileira. A relação direta entre governo e povo, prescindindo da existência de estruturas intermediárias, a pessoalização do mando certamente configura uma das dimensões do mito Vargas, representado pela figura do pai.” (OLIVEIRA, 1982, p. 46).

Por outro lado, além de centralizador e autoritário, o novo regime identificava-se com o populismo e, neste quesito, a questão social foi apresentada como tema prioritário, trazendo-se para o centro do debate político expressões como

“o bem-estar social”, “condições de vida da população”, “a pobreza das massas”, “a proteção legal ao trabalhador” e “os direitos trabalhistas”. Construiu-se o entendimento de que a nova ordem política deveria se destinar a assegurar a paz, a concórdia, o bem-estar e a felicidade dos que trabalham. Portanto, o Estado deveria voltar sua atenção às condições de vida dos indivíduos, de modo a garantir-lhes assistência social, amparo, dignidade e valorização da pessoa humana. (GOMES, 1982). Destaque-se, de outra parte, que a força motriz dessa política não residia exatamente na promoção do indivíduo, mas de sua capacidade produtiva enquanto instrumento de geração de riqueza.

Duas medidas institucionais foram decisivas neste processo: a criação do Ministério da Educação e Saúde e do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ambos em 1930. Segundo a propaganda oficial, o objetivo destes dois órgãos era promover, através de ações administrativas e legislativas, as condições de vida e bem-estar da população em geral, e dos trabalhadores em particular, provendo-lhes, em condições mais acessíveis, serviços como medicina social e proteção à saúde, e oferecendo-lhes seguros para os casos de acidentes de trabalho, invalidez, doença ou morte. Além da criação desses dois ministérios, merece referência a do Sistema de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que viria a ter importante papel na melhoria das condições de alimentação da população; da Liga Nacional Contra o Mocambo e dos Institutos e Caixas de Pensões para a Construção de Casas Populares; além do Departamento Nacional de Povoamento, que estimulava a migração para o interior de pessoas sem trabalho e que, sem condições de sobreviver nas cidades, “ameaçavam a ordem pública”. (GOMES, 1982).

Cumpre observar que as transformações mais substantivas havidas no regime pós-1930 foram aquelas relacionadas à legislação trabalhista, quase toda ela construída neste período. É fato que já se vislumbrava ensaios neste campo já a partir da segunda década do século XX, quando surgiram propostas de criação de diversos instrumentos como o Departamento Nacional do Trabalho (1915), o Código de Trabalho e a Comissão de Legislação Social (ambos de 1918). Nos anos seguintes, foram criados diversos textos legais versando sobre esta matéria, a exemplo da lei de acidentes de trabalho (1919), a lei da estabilidade no emprego, pensão e aposentadoria dos ferroviários (1923) e a dos portuários (1926), a lei do regime de férias dos comerciários (1925) e a regulamentação do trabalho de

menores (1927). (PINHEIRO, 1997). Entretanto, foi a partir do novo regime, com o abandono da posição liberal para a intervencionista, que a regulamentação das relações de trabalho passou a ocupar espaço prioritário na agenda do governo. Este estabelecera que “[...] toda moderna concepção econômica, política e social deverá ter por base a idéia-fato: trabalho. E todo programa voltado para o mundo novo a constituir será contido nesta fórmula: defesa, representação e dignificação do trabalho.” (GOMES, 1982, p. 155). Daí desenvolveu-se um grande esforço no sentido de construir uma organização “científica” para o trabalho, que fosse capaz de respaldar uma política de amparo ao homem-trabalhador, e buscou-se estabelecer relações do tipo “trabalho e riqueza” e “trabalho e cidadania”.

Através do Ministério do Trabalho, o governo avançou em direção a um crescente intervencionismo na questão trabalhista. O Executivo se empenhou, não apenas em organizar os instrumentos legais então existentes, mas também em criar toda uma legislação de proteção ao trabalhador, que incluía a adoção da jornada de trabalho de oito horas, o sistema de previdência social e a proteção ao trabalho da mulher e do menor. Tudo isto culminaria com a promulgação, em 1º de maio de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que desde então passou a servir de âncora normativa para as relações entre os trabalhadores e empregadores do país. (RODRIGUES, 1981).

Também no que respeita à questão sindical, mudanças significativas