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O EXERCÍCIO DA ARQUITETURA NO BRASIL COLONIAL – A FASE PRÉ ACADÊMICA

2 A ORIGEM DO ARQUITETO MODERNO

3.1 O EXERCÍCIO DA ARQUITETURA NO BRASIL COLONIAL – A FASE PRÉ ACADÊMICA

Ao contrário da maioria das nações européias dos séculos XVI ao XVIII, o Brasil colonial, do mesmo modo que Portugal, jamais conheceu a figura do arquiteto de perfil albertiano.

Desde o início da colonização e ao longo dos três séculos seguintes a profissão de arquiteto no Brasil, sob a autoridade exclusiva da Metrópole

portuguesa, foi exercida por três categorias profissionais distintas, porém concomitantes: a) os “Mestres de obras do Rei” e os “Pensionistas de arquitetura”, trazidos de Portugal – ou de outro país europeu, sobretudo Itália e França – e pagos pela Coroa mediante pensões anuais; b) os “Engenheiros e arquitetos militares” ou “fortificadores” formados inicialmente nas Aulas militares de Lisboa e, a partir de fins do século XVII, nas suas correspondentes ministradas no Brasil; e c) os “Mestres de risco”, denominação frequentemente concedida aos empíricos – pedreiros, canteiros, entalhadores, carpinteiros etc. –, muitos deles analfabetos, que sabiam desenhar. (RIOS FILHO, 1960). Pelo traço desses profissionais foram construídas as primeiras redes de cidades31 e se desenvolveu tanto a arquitetura militar, como a civil e a religiosa na Era colonial.

Os primeiros desses profissionais chegaram à colônia para atuar na fase inicial da urbanização. De fato, não seria totalmente impróprio considerar que a história da arquitetura e da engenharia no Brasil começou em 1549, com a fundação do Governo Geral e da cidade de Salvador, por Thomé de Souza, pois às construções anteriores a esta data não seria adequado classificar como obras minimamente planejadas, e, portanto, passíveis de enquadrar na categoria de arquitetura ou de engenharia strictu sensu.

O primeiro governador-geral trouxe consigo um ouvidor-mor, um provedor-geral, um capitão-mor e um grupo de profissionais construtores liderados por um mestre de obras, com a ordem do rei D. João III para que fizessem

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A primeira rede urbana brasileira foi formada na segunda metade do século XVI, a partir de cidades e vilas fundadas ao longo do litoral, entre as quais Salvador, Rio de Janeiro, Filipéia de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa), Olinda/Recife, Ilhéus e Penedo. (BUENO, 2003). Isto se deveu, em grande medida, à necessidade de desenvolver a fortificação do nordeste e de outros pontos nevrálgicos no intento de enfrentar a presença francesa, no Maranhão, e holandesa, em Pernambuco, consolidando o domínio da Coroa portuguesa sobre o território brasileiro, o que resultou nesse primeiro surto de urbanização da Colônia. Deve-se ter claro, portanto, que as cidades brasileiras desta época posicionaram-se, antes e acima de tudo, como meios de efetivação da soberania e domínio do território, constituindo os alicerces de uma política e uma prática que é urbanizadora em sua essência e finalidade e, neste processo, a arquitetura militar teria papel fundamental. Nessa primeira fase da urbanização, prevaleceu o típico modelo em que os planos urbanos eram influenciados pela regra portuguesa, de traçado mais orgânico e irregular, acomodado à topografia e sem regras específicas para a fundação de cidades, contando apenas com as Ordenações do Reino, para edifícios e direito à propriedade, considerando-se cada caso uma situação particular – ao contrário da regra espanhola das Leis das Índias, que prevaleceu no período de união luso-hispânica das Coroas, influenciando as cidades fundadas mais ao interior, na primeira metade do século XVII. Apesar das plantas das cidades não serem, necessariamente, obras de um engenheiro, mas fruto de regras portuguesas nesta primeira fase, e espanholas, na segunda, contavam quase sempre com Traças estabelecidas desde a metrópole, por um profissional habilitado para tal, cabendo a algum outro personagem local a função de adaptá-las às condições de cada sítio em particular.

[...] uma fortaleza e uma cidade grande e forte em lugar conveniente, para futura capital do novo estado, para dali se dar favor e ajuda às outras povoações e se ministrar justiça, e prover nas coisas que cumprem ao serviço real e, principalmente, aos negócios da sua fazenda. (CARITAS e CARITAS, 2000, p. 179).

Nesta empreitada veio Luiz Dias, arquiteto ou mestre português – considerado o primeiro engenheiro a atuar no Brasil, assumindo o cargo de mestre das obras da fortaleza –, Diogo Peres, mestre pedreiro, e Pedro Goes, mestre pedreiro-arquiteto, além de diversos outros pedreiros, carpinteiros e demais artífices, que bem podem ser considerados os primeiros profissionais construtores do Brasil32. (MACEDO, 2001).

Entretanto, a fundação da cidade de Salvador não se fez de improviso nem se deveu unicamente ao gênio do referido Luiz Dias, mas antes atendeu às

Traças e Amostras que ele trouxe consigo de Portugal, a partir do projeto esboçado

à distância por Miguel de Arruda, que desde o ano anterior surgiu como “[...] mestre das obras dos muros e fortificações do Reino, Lugares d’Além e Índia” (CONCEIÇÃO, 2000, p. 26), um cargo centralizador e de muito poder, espécie de ministro das obras públicas com as funções de traçar, superintender e controlar as obras e dirigir a execução e trabalho dos diversos mestres régios locais – o que incluía certamente funções docentes.33

Os profissionais portugueses se organizavam em uma estrutura fortemente hierarquizada, segundo a qual os engenheiros estavam logo abaixo do rei, dos seus ministros dos Conselhos e governadores ou capitães de Província. Cada um na Praça em que residia, deveria dar contas ao governador das Armas da

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Observe-se que, próprio de um período em que não havia clara definição das profissões, as formas como eram designados os profissionais eram variadas e mudavam de uma situação para outra, sendo comum um determinado profissional ser referido como engenheiro em um documento, mestre pedreiro em outro e arquiteto num terceiro. Quanto à expressão “mestre de obras”, esta mais se identificava com um cargo do que com uma profissão!

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Provavelmente Miguel de Arruda já treinava, por esta época, jovens profissionais em seu atelier. Homem influente no Reino, o mestre das obras reais também viria a ser um dos inspiradores da

Escola do Paço da Ribeira (1562). Destaque-se, pois, que Luiz Dias foi, na verdade, o último elo na

cadeia de comando, não o seu início nem o seu motor intelectual, papel que cabia a Miguel de Arruda. Deve-se compreender, além disso, que a fundação da Capital da Província, assim como de outras capitais regionais e cidades do Brasil quinhentista, era parte da estratégia maior de consolidar a ocupação do território e dar efetividade ao domínio da Coroa sobre essas terras. Ainda que padecesse com a permanente escassez de profissionais habilitados nas diversas atividades da então chamada Arquitetura Militar, a Coroa Portuguesa, não poupou esforços para levar a termo a construção dessa Província. (SOUSA, 2001).

Província ou Capitania de tudo o que se passava, bem como executar as suas ordens e as do engenheiro-mor, que dirigia a todos.34

A competência para aprovar ou não os projetos provenientes das Praças era exclusiva do engenheiro-mor do Reino e, na sua ausência, do engenheiro-diretor da Província, ainda que ao rei coubesse a palavra final. Do mesmo modo, os engenheiros-chefes das Praças, ainda que estivessem formalmente subordinados aos governadores das Armas, dispunham de relativa autonomia em relação aos assuntos sob sua responsabilidade, devendo, em última instância, manter-se fiel às plantas e instruções recebidas do seu diretor ou do próprio engenheiro-mor, e resistir à influência e eventuais pressões de outras autoridades. Eis, pois,

[...] que o aparecimento do cargo de engenheiro-mor reflete bem a necessidade de encontrar responsáveis com um raio de atuação supra- regional, prova da consciência de que apenas promovendo uma coordenação única seria possível o delineamento coerente de sistemas de fortificação de abrangência territorial. (CONCEIÇÃO, 2000, p. 30).

Cabe observar que, entre meados do século XVI, quando se iniciou a urbanização, e meados do XVII, a inexistência de lições ou Aulas destinadas à formação de profissionais no Brasil, não implicou na inexistência de base teórica na ação dos engenheiros militares aqui atuantes, tanto no campo da arquitetura (militar, civil e religiosa), como no traçado das vilas e cidades coloniais, pois sua formação se fazia em Portugal ou outra nação da qual eram provenientes. Esses profissionais, embora ainda não fossem formalmente considerados engenheiros militares, em termos práticos já o eram, posto que estes eram oriundos de uma conjuntura em que o ensino teórico da arquitetura militar se encontrava em franco processo de institucionalização, ao menos junto aos jovens fidalgos. “Engenheiros militares” formados em Portugal ou em outros países da Europa

[...] vieram para o Brasil, enviados pela Metrópole, desde o primeiro século da colonização, e aqui projetaram e construíram fortificações, edifícios civis e religiosos, realizaram levantamentos topográficos e cartográficos e

34 De acordo com tal hierarquia, sob o engenheiro-mor ou o mestre de todas as obras do Reino, “[...]

os engenheiros militares estavam divididos em quatro classes: a primeira classe era a dos engenheiros diretores, um para cada Província, encarregados de dirigir as obras e subordinados aos governadores das Armas das Províncias do Reino, aos capitães generais das Capitanias do Ultramar e ao engenheiro-mor do Reino; a segunda classe era a dos engenheiros-chefes ou primeiros engenheiros das Praças (forte, localidade, cidade fortificada etc.), cada uma com o seu; a terceira classe era a dos 2º engenheiros das Praças, havendo um ou mais para cada praça, dependendo da sua importância ou necessidade; e a quarta classe era a dos engenheiros subalternos, com patente de capitão para baixo. Além destes, que formavam o Corpo de Engenheiros, havia um grande número de profissionais servindo nas praças como engenheiros extraordinários, oferecendo-se em determinadas ocasiões para assumir o exercício de engenheiro”. (BUENO, 2003, p. 179-181).

participaram de campanhas militares, inclusive das campanhas demarcatórias das fronteiras com as possessões espanholas, em decorrência do Tratado de Madri. (TELLES, 1988, p. 06).

Alguns deles eram portugueses, como Francisco Frias de Mesquita, José Fernandes Pinto Alpoim, André Vaz Figueira e José Antonio Caldas; outros eram “estrangeiros”, como Battista Antonelli, Baccio da Filicaia, Miguel Angelo Blasco e Henrique Antonio Baluzzi. Também entre estes as denominações de engenheiro, arquiteto e, mesmo, mestre pedreiro, por vezes se confundiam e eram usadas indistintamente. Tais profissionais foram citados, em diversos documentos, ora como “engenheiro-mor”, ora como “arquiteto”, ou ainda como “arquiteto mor de Sua Majestade”, ou mesmo “mestre pedreiro”.

Pode-se considerar, em linhas gerais, que a ação do engenheiro português no Brasil-colônia, se relacionava aos seguintes campos: a arquitetura militar, com obras de fortificação e defesa; a arquitetura civil, com as obras oficiais em geral, tais como Casas de Câmara e Cadeia, Casas da Relação, Casas dos Contos, Alfândegas, Palácios dos Governadores etc.; a arquitetura religiosa, com igrejas, capelas, conventos, mosteiros etc.; e urbanismo e urbanização, que, além de povoações, incluía estradas, itinerários e serviços públicos.35

Do mesmo modo que em Salvador, quando da fundação da cidade do Rio de Janeiro, em 1565, também implantada no fundo de uma ampla baía, o então governador-geral Mem de Sá provavelmente contou com o apoio de um não-militar, o recém-nomeado mestre das obras e fortificações Francisco Gonçalves e dos carpinteiros Simão Fernandes e João Gomes, também envolvidos nas obras de fortificações locais, além da posterior contribuição do engenheiro italiano Giovanni Battista Antonelli, que teria sido o responsável, em 1582, pelo traçado semi- ortogonal da área de expansão na várzea entre os morros do Castelo, Santo Antonio, São Bento e Conceição. (TELLES, 1994).

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Observa-se, nesses primeiros tempos, uma preocupação com a racionalidade traduzida na defesa pela altura, em que as cidades quinhentistas nasceram sob o auspício da Coroa quase sempre a partir de sítios elevados e, quando possível, contaram com a presença de um engenheiro no seu processo de gestação. Assim é que a fundação de Salvador, embora concebida em gabinete por Miguel de Arruda, desde Lisboa, foi executada por Luís Dias à entrada de uma baía, adaptando-se à conjuntura encontrada, uma vez que este teve autonomia suficiente para implantar a cidade no local que lhe pareceu mais apropriado, adaptando-lhe às traças e amostras trazidas por Tomé de Sousa, as quais “[...] só poderiam funcionar como planos-tipo para aplicação às lógicas do sítio”. (CARITA e CARITA, 2000, p. 189).

No caso da fundação, em 1585, da cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa), estrategicamente implantada em um sítio elevado ao fundo da estreita barra do Rio Paraíba, é provável que o então ouvidor-geral da Colônia, Martin Leitão, tenha contado com o desenho de algum profissional do padrão de engenheiro, uma vez que o núcleo apresentava um traçado tendencialmente regular, “[...] tendo em sua criação uma interessante expressão do urbanismo colonial português.” (SOUSA e NOGUEIRA, 2008). Esta hipótese se reforça na medida em que o arquiteto militar alemão Cristóvão Lintz naquele mesmo ano esteve na região, incumbido da construção do Forte de Santa Catarina de Cabedelo, situado à entrada da barra, o que explicaria ter aquele núcleo urbano as características do urbanismo regular europeu da segunda metade do século XVI. (MALVERTI; PINON, 1997).

Já a cidade de São Luís do Maranhão, iniciada em 1612, partiu de uma proposta inicial dos franceses, encampada depois pelos portugueses, contando com a presença do engenheiro militar Francisco Frias de Mesquita, um célebre discípulo da Aula do Paço da Ribeira. Ele atuou no Brasil entre 1603 e 1635, dedicando-se, sobretudo a uma imensa gama de obras de fortificações durante a construção da fortaleza em 1615 e, provavelmente, na implantação do núcleo urbano em 1616, este caracterizado pela imposição de uma malha ortogonal sobre uma topografia acidentada, que ignorava as características do terreno. Belém nasceu do mesmo modo, a partir de um forte e tendo em seu traçado original uma rígida disciplina geométrica, talvez também concebida por Frias de Mesquita, que foi durante alguns anos o único engenheiro atuante no Brasil, conforme Alvará Régio de 1606. (TELLES, 1994).

Assim foi construída a primeira rede de cidades e a urbanização do Brasil ao longo dos cento e cinquenta anos iniciais da colonização, e, a partir do traço daqueles arquitetos – engenheiros militares e “práticos” mestres de risco – se desenvolveu a arquitetura militar, a civil, a religiosa e o urbanismo. Note-se que, devido à escassez de profissionais qualificados, pelo menos até meados do século XVII a Coroa priorizou a construção de cidades e capitais regionais, deixando a fundação das vilas aos cuidados dos donatários e colonos, sem qualquer restrição do ponto de vista urbanístico.

Somente após a Restauração,36 com a retomada da formação de

profissionais em Portugal – que estivera interrompida desde a década de 1580 –, é que se pôde verificar uma mudança na política de colonização relativa à fundação de núcleos urbanos brasileiros, dando vez a uma progressiva concentração do controle do processo nas mãos da Coroa e a um urbanismo mais dirigido e sofisticado, que se materializou numa rede de novas vilas com traçado tendencialmente regular.37

É verdade que isto se deve, principalmente aos interesses estratégicos da Metrópole em intensificar a ocupação e o controle sobre o território da Colônia. Mas também é verdade que isto só se tornou possível, em grande medida, com a ampliação do número de engenheiros militares atuando no Brasil, o que explica a melhora na qualidade técnica das novas obras, pois é inegável que a presença dos engenheiros militares em uma região era, naquela época, fator importante de desenvolvimento das técnicas de construção arquitetônica e urbanística, e neste aspecto o Brasil, a partir da segunda metade do século XVII e por todo o XVIII, esteve mais bem servido.38

36 A Restauração representou o fim do domínio espanhol sobre Portugal – que durante sessenta

anos, desde 1580, foi reduzido à condição de vice-reino – em 1640, recuperando a sua soberania e dando início ao reinado de D. João IV.

37 São deste período: Taubaté (1645), Jacareí (1653), Paranaguá (1653), Jundiaí (1655),

Guaratinguetá (1657), Itu (1657), São Francisco do Sul (1660), Sorocaba (1661) e Parati (1667). É importante registrar que na fundação desses núcleos sempre se verificou a presença de algum funcionário régio, se não um engenheiro militar, então raramente disponível, pelo menos um ouvidor de Comarca, governador de Capitania ou outro de nível semelhante e considerado minimamente habilitado para tal. Mesmo assim, “[...] uma política sistemática de orientação urbanística no processo de criação das vilas só ocorreu a partir do reinado de D. João V (1706-1750), intensificando-se nos tempos de Pombal (1750-1777) e de D. Maria (1777-1808). A geometria explícita ou não nos novos núcleos urbanos representava o teor dos interesses envolvidos numa política de colonização e urbanização mais ou menos dirigida e centralizada nas mãos da Coroa”. (BUENO, 2003, p. 416). Nesta nova fase foram criados pequenos núcleos urbanos do interior, marcados por forte disciplina geométrica, como Vila de Itapicuru, no Maranhão (1755), Aldeia de São Miguel, no Mato Grosso (1765), São José das Marabitenas, no Rio Negro (1767) e Aldeia Maria, em Goiás (1782). Igualmente se enquadram neste processo alguns núcleos urbanos maiores, como Fortaleza de N. S. da Assunção do Ceará Grande, atual Fortaleza (1726) e Macapá (1752). Faz-se importante refletir sobre alguns dados referentes ao número de núcleos urbanos fundados no Brasil em cada período considerado: do descobrimento até a união das Coroas (1500-1580) o Brasil apresentava apenas 12 vilas e 02 cidades; durante o domínio espanhol foram fundadas mais 17 vilas e 04 cidades; a partir da Restauração (1640) até o início do reinado de D. João V (1706) foram fundadas mais 20 novas vilas; e durante todo o século XVIII foram criados mais 126 núcleos urbanos. Isto significa que, somente nesse século, a rede urbana brasileira praticamente dobrou.

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Destaque-se, de outra parte, que isto só se tornou possível graças à intensificação do processo de formação profissional, reiniciado depois da Restauração com as diversas Aulas régias e fortemente ampliado a partir das últimas décadas do século XVIII, não apenas em Portugal, com a criação da

Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, em Lisboa, em 1790, mas desde então também

no Brasil com a criação da academia de mesmo nome, no Rio de Janeiro, em 1792, conforme será mostrado na Seção 4 desta tese.

Eis que o século XIX se iniciou marcando, ao menos nos países centrais da Europa e também nos Estados Unidos, o fim da engenharia pré-científica e a incorporação do embasamento teórico como instrumento do conhecimento e como motor do seu desenvolvimento, vinculando o seu exercício aos meios de produção. A invenção da máquina a vapor e o surgimento de vários ramos industriais, sobretudo o têxtil e o metalúrgico, de um lado, bem como o desenvolvimento dos transportes e das comunicações, do outro, estimularam e foram estimulados pelo desenvolvimento científico e das engenharias por especializações – engenharia ferroviária, mecânica, química, sanitária, de minas e de grandes estruturas, como pontes, portos etc.

Ainda que com certo atraso, o Brasil não ficou totalmente à margem deste processo. A vinda da Família Real em 1808 e a abertura dos portos brasileiros ao comércio exterior foram fatores que muito contribuíram para o alargamento das fronteiras intelectuais do país e para sua entrada no novo contexto tecnológico mundial. Tudo isso lhe havia sido negado durante os três séculos anteriores, devido à política obscurantista e restritiva dos ibéricos. A partir de então, surgiu a indústria siderúrgica em São Paulo e a da pólvora no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que este surto de progresso industrial repercutiu no ensino e no desenvolvimento da engenharia por especializações. Também a vinda da Missão Francesa, contratada na Europa por influência do ministro Antonio Araújo de Azevedo, o Conde da Barca, representou um fator importante a impulsionar o desenvolvimento da engenharia, da arquitetura e da ciência no Brasil. E mais, a contribuição externa de profissionais – que o país recebera quase que exclusivamente de Portugal nos últimos trezentos anos – passou a ser de origem mais diversificada, com o concurso de engenheiros, arquitetos e outros profissionais, sobretudo franceses. Mas, além destes, outros estrangeiros de diversas nacionalidades aqui aportaram, trazendo seus livros e suas culturas, e influenciando a engenharia e, sobretudo, a arquitetura, cuja renovação se fez notar com maior intensidade a partir da introdução do estilo neoclássico, ainda então incipiente no Brasil, mas muito em voga na Europa daqueles tempos, vindo a constituir, de certa forma, o estilo “oficial” do Império. (PEREIRA, 2008).

Tudo isso provocaria uma mudança importante na prática da arquitetura no país. Os profissionais eram, em geral, remunerados através de uma “Pensão” anual (daí a expressão “pensionista”), definida pelo monarca ou por alguém por ele

delegado, situação que só viria a mudar com o advento da República, quando foi implantado o modelo francês.39 A partir de 1808, vários deles foram destacados com