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As primeiras Aulas Militares no Brasil-colônia: a fase pré-acadêmica

PROFISSÃO DE ARQUITETO

4.2 O ENSINO ARQUITETÔNICO NO BRASIL COLONIAL

4.2.2 As primeiras Aulas Militares no Brasil-colônia: a fase pré-acadêmica

A política de instalação de Aulas militares fora da Metrópole, implantada a partir da última década do século XVII, se justificava diante do quadro de extrema carência de profissionais a serviço do Reino, sobretudo devido à necessidade de atender também às demandas das colônias, onde havia uma enorme gama de serviços a realizar, tanto aqueles relacionados aos levantamentos geográficos do território, fundamentais para a consolidação dos domínios, como também às obras militares, civis e religiosas.

Faltavam profissionais principalmente nas capitanias mais periféricas, mas até mesmo na capital do Brasil.98 Nesse contexto, e em

[...] decorrência direta do estímulo renovador do ensino de Architectura

Militar encabeçado por Luís Serrão Pimentel, surgiram algumas

experiências esporádicas de preparação de aprendizes na Conquista, como, por exemplo, a contratação do engenheiro holandês Miguel Timmermans, entre 1648 e 1650, que foi incumbido no Brasil de preparar vinte e quatro alunos para as funções de engenheiro, inclusive de artifícios de fogo. (BUENO, 2003, p.317).

Esta foi a primeira experiência de ensino de arquitetura e engenharia de que se tem notícia neste país. Entretanto, foi uma experiência ainda isolada, que não chegaria a constituir Aulas nos termos em que as mesmas são aqui referidas.

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Tanto que, “[...] na ausência de engenheiros, os governadores, ouvidores e demais funcionários do Rei viram-se muitas vezes obrigados a realizar ‘desenhos’ das obras de próprio punho, pedindo sempre desculpas pela qualidade dos mesmos. Esse é o caso das plantas enviadas pelo Ouvidor da Comarca de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, entre 1769-1772, ao Conselho Ultramarino, prestando contas das novas vilas ali fundadas e desculpando-se pelo risco tosco, fruto de sua pouca aptidão para tanto.” (BUENO, 2003, p. 174).

Somente nos últimos anos do século XVII – quase cento e cinquenta anos depois da Metrópole – é que seriam criadas as primeiras Aulas99 militares no Brasil, antes que

no resto do continente americano e segundo o mesmo modelo lisboeta. (SOUSA, 2001).

Essas Aulas oficiais tiveram vez nas capitais regionais e principais cidades da Província. Eram bem diferentes do conceito que se tem hoje de Academia, tratando-se mais de lições teórico-práticas, destinadas a um número reduzido de partidistas – jovens membros da estrutura do exército com especial talento para a profissão – que recebiam remuneração para estudar e eram anualmente examinados. Podiam, eventualmente, admitir outros interessados que desejassem aprender a matéria, mas sem o benefício da bolsa. As lições variavam de três a seis anos e contavam com três a doze alunos.

Os estudantes realizavam a leitura crítica, a cópia dos desenhos e a prática dos exercícios contidos nos mais importantes tratados sobre Geometria Prática, Arquitetura (civil, religiosa e militar) e Urbanismo, em voga em cada período. Os estudos incluíam temas ou disciplinas básicas como Desenho, Geometria, Aritmética, Óptica (Perspectiva) e as Leis dos Céus, bem como tudo o que dissesse respeito à prática da profissão, principalmente questões referentes à natureza dos materiais construtivos e à execução das obras. “Durante as férias de cada ano os alunos acompanhavam o engenheiro-diretor nas suas jornadas para estudar na prática tudo o que se refere à profissão de engenheiro.” (BUENO, 2003, p. 193-194).

Nesses cursos, cabia em geral aos sargentos-mores – engenheiros- diretores da Capitania ou engenheiro-chefe da Praça – encabeçar a Cátedra como

Lente principal, certamente contando com o auxílio de um Lente assistente. A

substituição de um professor principal era feita, em geral, por ocasião de sua morte, e muitas vezes se observava um ex-aluno a suceder-lhe.

99 A esse respeito ensina Bueno (2003, p. 190-191): “Embora por vezes funcionando de forma

intermitente, essas Aulas foram um dos principais focos de irradiação da cultura arquitetônica e urbanística erudita no Brasil-colônia, tendo sido as primeiras instituições destinadas ao ensino de Arquitetura, antes da vinda da Missão Artística Francesa e da consequente criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (1816), depois denominada Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura (1820) e, finalmente, Academia Imperial de Belas Artes (1826) [...] constituíam-se em verdadeiros institutos politécnicos onde se aprendia um pouco de tudo: as verdadeiras universidades que o país teve [...] foram elas as responsáveis pela formação do quadro de técnicos nacionais atuantes no Reino e Conquista entre os séculos XVII e primeira metade do XVIII”. Os engenheiros militares que por ali passaram constituíam a elite intelectual da colônia, podendo ser considerados os verdadeiros ancestrais dos atuais arquitetos e engenheiros brasileiros.

A primeira dessas Aulas foi criada em Salvador, então Capital da Província, onde recebeu o nome de Aula Militar da Baía, tendo início em 1696,100

com o sargento-mor José Paes Estevens como Lente principal, o qual teria, entre muitos de seus ilustres sucessores, o capitão José Antonio Caldas101, que veio a se

tornar um dos mais prestigiosos engenheiros que o Brasil já teve. (RIOS, 1977). Nesta Aula eram estudadas matérias como Geometria, Trigonometria e Geometria Prática, Teoria das Ordens Clássicas (arquitetura civil e religiosa), Castrametação e Elementos da Fortificação, Ataque e Defesa das Praças ou Arquitetura Militar.

Em 1697, foi iniciada uma Aula no Rio de Janeiro, constituída de Lições

sobre manejo de Artilharia, ministrada pelo capitão engenheiro Gregório Gomes

Henriques, enviado ao Brasil, segundo Carta-Régia de 1694, e depois preso por erros cometidos no exercício de seu ofício, ainda que tenha continuado a dar as aulas mesmo na cadeia. (TELLES, 1994). No final do ano seguinte, com a nomeação de José Velho de Azevedo para o cargo de sargento-mor da Capitania do Rio de Janeiro, o antigo professor foi substituído por este nas referidas lições.

A Aula de Fortificação do Rio de Janeiro foi criada em 1699, através de Carta Régia desse ano. Seu primeiro Lente foi o mesmo Gregório Gomes Henriques, que havia tido restituídos os seus direitos de exercer o magistério. Entretanto não permaneceu por muito tempo nessa atividade, vindo a ser condenado ao degredo na Colônia do Sacramento (Uruguai) no início de 1701. Foi sucedido nessas lições por Francisco de Castro Morais e, em 1709, pelo sargento-mor Pedro Gomes Chaves. Ali era ensinada a grupos de três discípulos de partido ou partidistas a arte de desenhar e erigir fortificações a pessoas consideradas com capacidade de aprender tal ofício, as quais deveriam ter no mínimo dezoito anos de idade, sendo ou não militares do exército. Em 1738 veio a substituí-la a Aula do Terço de Artilharia, onde o recém-nomeado sargento-mor José Fernandes Pinto Alpoim102 foi encarregado de

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Essa Aula teria sido conseqüência direta do decreto real de 1696, que determinou a criação de aulas de fortificação nas diversas capitais coloniais portuguesas, não somente no Brasil, mas também na Índia, na África e demais Províncias do Reino (SOUSA, 2001), ainda que BUENO (2003) defenda que a data do referido decreto teria sido 1699, o que parece bastante improvável, pois faria com que a Aula fosse anterior em três anos ao decreto que lhe determinou a criação.

101 Incluem-se entre suas realizações um projeto para o seminário dedicado à Imaculada Conceição

(1751) e uma importante planta topográfica da cidade de Salvador (1770), além de atuar em obras de infra-estrutura urbana, como calçamento de ruas, construção e melhoria no cais e nos encanamentos das fontes públicas. Atuou também em projetos nas ilhas de São Tomé e Príncipe, na costa ocidental da África, a partir de 1757.

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Engenheiro português, natural de Viana do Castelo – onde cursou a Academia Militar – e neto de Manuel Pinto de Vilalobos, um dos mais prestigiados engenheiros portugueses da época. Dono de

encabeçar a Cátedra das lições de fortificações e de engenharia militar, que duravam pelo menos cinco anos e era obrigatória para todos os oficiais do Terço. (BUENO, 2003). Alpoim permaneceu à frente desta Aula por 27 anos, até 1765, quando veio a falecer.

Já em 1767, após sofrer pequenas transformações na estrutura de ensino, a instituição passou a se chamar Aula do Regimento de Artilharia, tendo como Lente o capitão Eusébio Antonio de Ribeiros. E em 1774, nova mudança, dessa vez bem mais significativa, fez com que passasse a se chamar Aula Militar do

Regimento de Artilharia. Desta feita, a alteração promovida na estrutura acadêmica

previa, não somente a formação de artilheiros, mas também de oficiais técnicos de engenharia, o que teria representado “[...] o início da formação de engenheiros militares no Brasil.” (TELLES, 1994, p. 86). Em 1792 esta Aula viria a ser substituída pela Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho do Rio de Janeiro que, instalada nessa mesma sede, seria considerada a referência formal do início dos cursos de engenharia e de arquitetura no Brasil, dando início a uma nova fase da formação acadêmica neste país.103

Além dessas duas Aulas militares e suas sucessoras anteriormente tratadas, outras duas de menor envergadura, mas também dignas de referência foram criadas no Brasil setecentista, igualmente devido à política de expansão do sistema de formação de engenheiros militares iniciado por Serrão Pimentel e Azevedo Fortes: A Aula de Fortificação do Estado do Maranhão, criada em 1699 substituída em 1752 pela Aula de Fortificação do Estado do Grão-Pará – e a Aula Militar da Praça de Pernambuco, criada em 1701. Esta última Aula teve entre seus lentes Diogo da Silveira Velloso, o qual veio a redigir três importantes tratados sobre

Geometria Prática, Opúsculos Geométricos e Arquitetura Militar ou Fortificação Moderna. Consta que a mesma teria sido transformada, em 1788, na Academia

Militar de Pernambuco. (BUENO, 2003).

Além das Aulas militares oficiais, há que se citar outras duas experiências de ensino deste período: a Aula de Geometria criada em 1795 em Recife, que teria um grande currículo que incluía sólida formação teórica e abundante obra construída, Alpoim ainda é autor de dois importantes escritos; Exame de Artilheiros, constituído de três livros, e Exame de

Bombeiros, formado por dez volumes.

103 Esta instituição viria a representar a semente do processo de formação acadêmica que se

desenvolveu ao longo do século XIX, do qual fariam parte a Academia Real Militar, a Academia Imperial, a Escola Central e a Escola Militar de Aplicação do Exército, culminando com a criação da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, conforme será mostrado na Subseção 4.2.3 desta tese.

funcionado até 1812; e o Curso de Matemáticas e Ciências Físicas e Naturais, que funcionou no Seminário de Olinda a partir de 1800. Ambas foram importantes precursores do ensino tecnológico no Brasil.