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A partir da Revolução Industrial, sobretudo a partir do desenvolvimento de novos métodos de fabricação de aço, houve uma grande disponibilidade desse material de engenharia, resultando, consequentemente, na concepção de inúmeros projetos estruturais (e.g., Tower Bridge em Londres) [1]. Um dos grandes pilares da Revolução Industrial foi justamente a produção de aço em larga escala a partir da introdução do processo Bessemer em 1856 (nome dado em homenagem ao seu inventor, Sir Henry Bessemer) [2]. No entanto, devido a essa nova filosofia de projeto baseada no uso intensivo do aço, já em 1879, havia relatos intrigantes sobre a ocorrência de propagação frágil de trincas nas estruturas de engenharia projetadas àquela época [3].

A fratura frágil é um modo de falha frequentemente associado a eventos catastróficos os quais, em sua grande maioria, são acompanhados de consequências indesejáveis, em termos de perdas humanas e severos danos ambientais, e que pode ocorrer em todos os tipos de estrutura de engenharia, tais como tanques de armazenamento, vasos de pressão, dutos, navios, pontes, etc. A ocorrência da fratura frágil em aços estruturais, sobretudo a governada pelo micromecanismo de clivagem (i.e., fratura frágil do tipo transgranular em que a trinca se propaga através dos grãos devido à separação, normal ao plano da tensão e com baixa dissipação de energia, de planos cristalográficos específicos, denominados de planos de clivagem), é geralmente caracterizada pelo modo repentino da propagação da trinca, com ausência de indícios de deformação plástica macroscópica e pouca microdeformação precedente à fratura [1,4,5]. Essa propagação desencadeada pela clivagem caracteriza-se por ocorrer a velocidades extremamente altas, podendo atingir velocidades da ordem de 7.000 pés/segundo (7.700 km/h) nos aços estruturais [5]. Esse comportamento à fratura, principalmente em aços estruturais ferríticos na região de transição dúctil-frágil (RTDF), representa um dos modos de falha mais graves, uma vez que a instabilidade local na ponta de um defeito do tipo trinca (i.e., a partir de uma descontinuidade estrutural que devido ao seu tamanho, forma, orientação e localização não é tolerável perante a Seção XI do código ASME [6]) pode resultar em falhas estruturais bruscas sob baixas tensões acompanhadas de pouca deformação plástica [1,7]. Diante desse cenário, deve-se evitar a todo custo a fratura frágil, uma vez que a sua ocorrência é de natureza imprevisível e pode acarretar graves consequências.

Mesmo após um grande avanço tecnológico na produção de aços estruturais, inúmeros eventos catastróficos ocasionados por fraturas frágeis foram relatados detalhadamente na literatura (e.g., fratura ao meio do navio Esso Manhattan em 1943, ruptura de um vaso de pressão durante teste hidrostático em uma planta de produção de amônia em 1965, etc.) [4,8,9]. Além de provocarem perdas humanas e prejuízos econômicos de grandes proporções, inclusive severos danos ambientais, a possibilidade de ocorrência desses eventos gerava certa preocupação desde os primeiros relatos históricos, uma vez que as suas origens ainda eram pouco conhecidas, quando não totalmente desconhecidas. Diante desse cenário incompreensível é que surge o interesse e a necessidade de se estudar a ocorrência dos fenômenos de fratura, os quais são frequentemente responsáveis por ocasionar falhas estruturais prematuras em materiais de alta resistência a tensões bem abaixo da especificada em projeto [1]. Na Figura 1.1 está ilustrada uma breve ordem cronológica de alguns dos principais fatos marcantes, assim como de alguns dos mais importantes pesquisadores, que contribuíram definitivamente para a nucleação e consolidação da Mecânica da Fratura como uma ciência investigativa de suma importância na engenharia.

Figura 1.1 - Cronologia histórica de alguns dos principais eventos sobre o fenômeno da fratura

Fonte: Adaptado de Cotterell [7]

Sucessivos estudos, a respeito de falhas estruturais, contribuíram para o avanço da mecânica da fratura como uma ferramenta capaz de quantificar a resistência à fratura e prever o comportamento à fratura de estruturas que contêm defeitos do tipo trinca e que, concomitantemente, estão submetidas a diversos carregamentos de elevada complexidade e magnitude. Um dos maiores objetivos dos pesquisadores, senão o maior deles, era criar modelos representativos das condições fenomenológicas, em sua grande maioria expressos por meio de robustas soluções analíticas, capazes de demonstrar o comportamento dos campos tensoriais (e.g., campo de tensão, deformação e deslocamento) desenvolvidos ao redor desses defeitos. Dessa forma, o comportamento característico desses campos, doravante denominado de singularidade, passou a ser quantificado e caracterizado por meio de parâmetros capazes de medir a força motriz que conduz à fratura e, ao mesmo tempo, prever o comportamento à fratura do material. A partir de então, a resistência à fratura descrita e quantificada por tais parâmetros passou a ser conceitualmente denominada de tenacidade à fratura.

Os primeiros trabalhos a demonstrarem as singularidades teóricas dos campos tensão- deformação e, consequentemente, a proporem os primeiros fatores correlatos à amplificação das tensões (e.g., 𝐾𝑡 e 𝐾) e os parâmetros de tenacidade à fratura (e.g., 𝒢𝑐, 𝐾𝐼𝑐, 𝐾𝐼𝑎 e 𝐾𝐼𝑑), foram baseados em materiais de comportamento elástico-linear, dando origem à mecânica da fratura elástica-linear (MFEL) [10–14], cujos conceitos elementares são abordados no Capítulo 2. Posteriormente, a evolução tecnológica dos processos metalúrgicos possibilitou o desenvolvimento de aços ainda mais resistentes, porém, ao mesmo tempo, muito mais tenazes em relação aos primeiros aços estruturais. Por conseguinte, o comportamento à fratura dessa nova classe de aços passou a ser mais bem caracterizado por um regime não linear, ocasionando, como resultado, na violação das soluções da MFEL descritivas da singularidade dos campos tensão-deformação. A limitação da MFEL em descrever o comportamento à fratura dos aços mais tenazes motivou o desenvolvimento de novos trabalhos [15,16], os quais passaram a investigar o comportamento à fratura desses aços em regime elasto-plástico, culminando no desenvolvimento de parâmetros elasto-plásticos (e.g., o parâmetro 𝐶𝑇𝑂𝐷 e a integral 𝐽) da mecânica da fratura. Esses novos parâmetros, descritores das condições de fratura em materiais altamente tenazes, passaram a consolidar a chamada mecânica da fratura elasto-plástica (MFEP) [15,16], cujos fundamentos teóricos também são abordados no Capítulo 2.

À medida que os parâmetros descritores dos processos de fratura iam se consolidando, paralelamente, trabalhos experimentais [17–21] forneciam subsídios ao desenvolvimento e

consolidação dos primeiros procedimentos padronizados de ensaios laboratoriais para medir e avaliar a tenacidade à fratura, por meio de corpos de prova em escala reduzida, dos materiais aplicados em grandes estruturas de engenharia. Nesse contexto, o primeiro procedimento de ensaio padronizado, desenvolvido para determinar a tenacidade à fratura em unidades de MPam, foi estabelecido na década de 1970 pela ASTM (American Society for Testing and Materials) sob a denominação de ASTM E399-70T e que na sua versão mais atual é designada por ASTM E399-17 [22]. Nesse procedimento, a tenacidade à fratura é determinada a partir do valor crítico do fator de intensidade de tensão (𝐾𝐼𝑐) medido em condições de deformação plana e sob carregamento quase-estático no ponto de instabilidade da trinca. Para condições de elevada plasticidade (i.e., condições na prática experimental em que se observa uma pronunciada não linearidade nas curvas carga-deslocamento), as primeiras normas desenvolvidas para a determinação experimental da tenacidade à fratura expressa em termos do parâmetro 𝐶𝑇𝑂𝐷 (e.g., 𝛿𝑐, 𝛿𝑢 e 𝛿𝑚) e da integral 𝐽 foram estabelecidas, respectivamente, pela BS 5762 (em 1979) e ASTM E813 (em 1981), essa última responsável por fornecer o valor de iniciação do crescimento estável da trinca em termos da integral 𝐽 (𝐽𝐼𝑐). Desde o período do surgimento dos primeiros procedimentos até os dias atuais, além do estabelecimento de novas normas (e.g., ASTM E561, E1221, E1820, E1290, E1921, etc.), inúmeras foram as modificações1, tanto no arcabouço metodológico quanto nas designações de tais procedimentos. Para uma análise completa da cronologia evolutiva dos procedimentos experimentais, recomenda-se consultar a revisão de Zhu e Joyce [23].

O desenvolvimento de procedimentos experimentais visa estabelecer uma direta correlação entre as medidas experimentais de tenacidade à fratura (e.g., 𝐾𝐼𝑐, 𝐾𝐼𝑑, 𝐽𝐼𝑐, 𝛿𝐼𝑐, 𝛿𝑐, etc.) e o comportamento à fratura das reais estruturas de engenharia em serviço que são, em termos dimensionais, muito maiores em relação aos corpos de prova laboratoriais. No entanto, a validade de tais correlações fica condicionada a determinadas geometrias específicas de corpos de prova de tenacidade e aos critérios dimensionais restritivos impostos aos mesmos [i.e., aos limites paramétricos tais como as medidas nominais do comprimento da trinca (𝑎) espessura (𝐵) e ligamento remanescente (𝑏) do corpo de prova]. Essas geometrias associadas

1 Inicialmente, os procedimentos da ASTM para a determinação do valor de 𝐽

𝐼𝑐 e da curva 𝐽-∆𝑎 eram baseados, respectivamente, nas normas E813 e E1152, as quais foram descontinuidades em 1997. A partir de então, ambos os procedimentos passaram a pertencer a uma mesma norma designada por E1737 mas que, no ano seguinte à sua publicação (em 1998), passou a ser renomeada por E1820 mantendo essa designação até os dias atuais.

a tais critérios visam garantir condições que conduzam a uma elevada restrição plástica, responsável por assegurar uma pequena e limitada plasticidade à frente da ponta da trinca sob um estado de elevada triaxialidade de tensão (i.e., assegurar condições SSY, do inglês Small Scale Yielding), para uma quantidade otimizada de material. Essas condições devem ser estritamente atendidas para garantir que o valor de tenacidade à fratura medido experimentalmente seja intrinsicamente uma propriedade do material e, dessa forma, independente da geometria e da dimensão da trinca; isto é, do corpo de prova. Portanto, uma vez cumprido esse conjunto de requisitos, pode-se afirmar que o princípio da similitude, o qual é também denominado de similaridade e cujo conceito é abordado no Capítulo 2, é adequadamente satisfeito. Inserido no contexto do presente trabalho, pode-se presumir que, em condições SSY, a tenacidade à fratura frágil (tal como a integral 𝐽 no ponto de instabilidade, 𝐽𝑐, ou o seu respectivo fator de intensidade de tensão elasto-plástico, 𝐾𝐽𝑐) representa uma propriedade inerente do material de forma que o seu valor é suficientemente eficaz para caracterizar a fratura frágil governada pelo micromecanismo de clivagem, o qual é essencialmente controlado por tensão.

As atuais normas utilizadas na determinação experimental das propriedades de tenacidade à fratura em escala laboratorial (e.g., ASTM E399, E1221, E1820, E1921, etc.) baseiam-se no princípio da similitude para correlacionar os valores tenacidade à fratura, medidos a partir de pequenos corpos de prova padronizados, ao comportamento à fratura de componentes estruturais de grandes dimensões (i.e., por meio da mecânica da fratura correlativa - MFC). Embora esses corpos de prova possam apresentar diferentes geometrias de trinca padronizadas [e.g., C(T), DC(T), PCVN, SE(B) ou SENB, SE(T) ou SENT, etc.] e, portanto, serem submetidos a diferentes modos de carregamento (e.g., tração ou flexão), as normas especificam, além dos limites paramétricos mencionados anteriormente, limites de validade para as propriedades de tenacidade [e.g., 𝛿𝑚𝑎𝑥, 𝛿𝑙𝑖𝑚𝑖𝑡, 𝐽𝑚𝑎𝑥, 𝐾𝐽𝑐 (𝑙𝑖𝑚𝑖𝑡), ∆𝑎(𝑚𝑎𝑥), etc.] a fim de assegurar medidas experimentais independentes de fatores geométricos e de carregamento.

Ainda que as normas estabeleçam limites paramétricos para assegurar valores de tenacidade à fratura independentes do tipo de corpo de prova, estudos experimentais e numéricos têm revelado a influência, ainda que pequena em certos casos, do tipo de geometria do corpo de prova [20,24–26] e de variações dimensionais na geometria, tal como a razão 𝑎/𝑊 [27–32], sobre os valores de tenacidade à fratura. Embora esses valores devessem ser independentes das geometrias dos corpos de prova padronizados, algumas geometrias [e.g.,

M(T), PCVN, SE(T)] desenvolvem níveis relativamente elevados de plasticidade durante a solicitação mecânica e consequente perda de restrição (i.e., relaxamento das tensões) durante o processo de fratura, podendo acarretar na violação da condição de similitude assegurada pela validade do regime SSY. Por esse e outros motivos é que as normas estabelecem, além dos limites paramétricos, limites de validade específicos de acordo com a propriedade de tenacidade à fratura de interesse (e.g., 𝐾𝐼𝑐, 𝐾𝐽𝑐, 𝐽𝐼𝑐, 𝐽-∆𝑎 etc.) e, portanto, com o modo de fratura predominante (i.e., fratura frágil ou fratura dúctil). Esse limite de validade é comumente expresso em termos de um limite de deformação (𝑀) cujo valor adimensional depende essencialmente do modo de fratura que se pretende analisar. No contexto da fratura frágil por clivagem (e.g., 𝐽𝑐 ou 𝐾𝐽𝑐), a norma ASTM E1921-19 [33] define um valor de 𝑀 igual a 30 visando assegurar a manutenção das condições SSY. Esse valor é utilizado tanto para a geometria C(T) quanto para a geometria SE(B), inclusive para corpos de prova PCVN2.

Quando se deseja medir a tenacidade à fratura no ponto de instabilidade por clivagem, as principais normas utilizadas para avaliar tal propriedade (e.g., ASTM E399 e E1921) preconizam o uso de corpos de prova de elevada restrição [e.g., C(T) e SE(B)] e com trincas passantes ao longo da espessura e com razão de aspecto, 𝑎 𝑊⁄ , da ordem de 0,5. Deve-se ressaltar, todavia, que os defeitos contidos em estruturas de grande porte dificilmente apresentam tais aspectos, sendo frequentemente apresentados sob a forma de trincas rasas e superficiais (𝑎 𝑊⁄ ≪ 0,5) [27–30,34]. Esse é um dos motivos pelos quais nos procedimentos de avaliação de criticidade de defeitos, comumente denominados de avaliação de adequação ao uso (Fitness For Service – FFS3), há inúmeras geometrias e dimensões de trincas (e.g., trincas elípticas e rasas) que diferem das trincas retas e profundas tais como as contidas nos corpos de prova padronizados.

O uso inadequado de medidas de tenacidade à fratura obtidas a partir de corpos de prova padronizados, seja pelo desconhecimento (e.g., pouca experiência do usuário), seja por questões operacionais (e.g., máquina de baixa capacidade de carregamento, limitação de material, estruturas de pequenas espessuras de parede, microestruturas específicas de juntas soldadas, etc.), nas análises ECA (do inglês Engineering Critical Assessment) de estruturas trincadas que tendem a apresentar condições de baixa restrição plástica à frente da trinca (i.e.,

2 A geometria PCVN pode ser definida como um caso especial da geometria SE(B) em que a seção transversal é

definida por uma razão de aspecto 𝑊 = 𝐵 em vez de uma razão 𝑊 = 2𝐵.

3 O termo avaliação de adequação ao serviço (Fitness-for-Service/FFS) também pode ser denotado de avaliação

de adequação ao propósito (Fitness-for-Purpose/FFP) ou simplesmente de avaliação de defeito (defect.

baixa capacidade de desenvolver um estado de elevada triaxialidade de tensão), tais como as tubulações de paredes finas utilizadas na condução de óleo e gás, pode introduzir excessos de conservadorismo. Nessas situações, as quais costumam ser corriqueiras nas práticas de análise FAD (Failure Assessment Diagram), as diferenças associadas aos níveis do estado de triaxialidade apresentam duas implicações contrastantes sobre as avaliações de integridade estrutural. Se por um lado a estrutura pode ser severamente penalizada, uma vez que os valores de tenacidade à fratura oriundos de corpos de prova de elevada restrição plástica tendem a ser subestimados quando comparados às reais condições de tenacidade à fratura de tais estruturas (análise conservadora), por outro se pode afirmar que esses valores atuam a favor da segurança operacional devido ao conservadorismo embutido em tais análises. Inúmeros autores [27–30,34] destacam que os valores de tenacidade à fratura obtidos a partir de corpos de prova de flexão SE(B) com trinca profunda (0,4 < 𝑎 𝑊⁄ < 0,8) caracterizam condições microestruturais e de restrição plástica raramente vivenciadas pela estrutura em serviço. Situações totalmente opostas (i.e., avaliação da criticidade de defeitos em aplicações que envolvem condições de elevada restrição a partir de medidas de tenacidade obtidas por meio de corpos de prova de baixa restrição) também são factíveis. Particularmente na indústria nuclear, as trincas mais comumente encontradas em vasos de pressão são longas e rasas. Joyce e Link [34] exemplificam tal situação ao mencionarem a avaliação do comportamento de trincas típicas (i.e., profundidade e comprimento podem ser da ordem de 50 e 300 mm, respectivamente) em vasos de pressão de reator, os quais possuem espessuras de parede superiores a 200 mm, por meio de curvas 𝐽-∆𝑎 (também designadas de curvas de resistência 𝐽-𝑅) obtidas em corpos de prova com espessuras padronizadas (i.e., 25 mm ou menor). A fim de elucidar melhor esses efeitos, no Capítulo 2 são abordados os principais fatores que potencialmente contribuem para as diferenças de restrição e, consequentemente, nos valores de tenacidade à fratura.

Situações mais complexas, como as que envolvem condições de plasticidade em larga escala (LSY, do inglês Large Scale Yielding), modo misto de abertura da trinca e diferentes temperaturas, exigem abordagens metodológicas mais robustas que não se limitam somente a condições isotérmicas, escoamento em pequena escala e modo I de deformação da trinca. As medidas da tenacidade à fratura dos aços estruturais ferríticos, particularmente na RTDF, apresentam um caráter estocástico [24,35–40] uma vez que a clivagem é um fenômeno altamente localizado e que exibe uma forte sensibilidade às características nano e microestruturais do material. Nesse caso, mesmo que mantidas todas as variáveis e condições de ensaio inalteradas (i.e., geometria e tamanho do corpo de prova, temperatura de ensaio,

modo de carregamento, etc.), a heterogeneidade, ou distribuição aleatória das características locais (e.g., natureza, orientação e dimensão das partículas de segunda fase e de inclusões que atuam como sítios precursores da nucleação das microtrincas de Griffith), do material promove uma elevada dispersão nos valores de tenacidade à fratura por clivagem, os quais são compreendidos em uma extensa faixa. Portanto, torna-se difícil estabelecer precisamente um valor característico da tenacidade à fratura que possa ser utilizado nos procedimentos de avaliação de criticidade de defeitos presentes em componentes estruturais. Devido à essa complexidade, torna-se inevitável o uso de abordagem metodológica mais robusta a qual deve ser fundamentada em aspectos micromecânicos associados a fenômenos estocásticos.

Deve-se ressaltar que o uso de medidas acuradas de tenacidade à fratura é de suma importância nos códigos de projeto e construção de componentes estruturais (e.g., código ASME referente às Seções I, III, IV, VIII e XII), bem como nos procedimentos de avaliação de criticidade de defeitos e nos programas de monitoramento, a fim de assegurar níveis aceitáveis de segurança não somente em condições normais, mas também em condições emergenciais de operação.

Com base nessa contextualização, o objetivo central das rotinas experimentais, as quais são complementadas e sustentadas por análises numéricas, consiste no desenvolvimento de procedimentos de avaliação de tenacidade capazes de mitigar os efeitos de geometria e de carregamento e, assim, fornecer valores de tenacidade à fratura que sejam inerentes exclusivamente das propriedades do material (e.g., capacidade de encruamento, tipo microestrutura, tamanho de grão, etc.). Dessa forma, é possível obter valores experimentais de tenacidade à fratura mais precisos e, ao mesmo tempo, mais representativos do real valor de tenacidade à fratura da estrutura de engenharia. Além disso, contribui-se decisivamente para a acurácia e, ao mesmo tempo, redução do excesso de conservadorismo dos principais procedimentos de adequação ao uso, tais como as rotinas da API 579, BS 7910 (antiga PD 6493), R6 e SINTAP/NE/007 (Structural Integrity Assessment Procedures for European Industry). O excesso de conservadorismo, embora necessário em determinadas situações, às vezes, penaliza severamente as estruturas durante as tomadas de decisão sobre processos de reparo, paradas de manutenção e programas de extensão da vida projetada de operação desses equipamentos. Portanto, o uso de dados mais confiáveis de tenacidade à fratura permite uma análise de integridade estrutural mais racional, o que impacta diretamente em uma maior segurança operacional e, dependendo da situação, em uma significativa redução nos custos associados a determinadas tomadas de decisão.