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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2 PRINCÍPIOS DA MECÂNICA DA FRATURA BIPARAMÉTRICA

2.2.1 Fenômeno da perda de restrição plástica à frente da ponta da trinca

O estudo dos efeitos da geometria do corpo de prova [e.g., C(T), SE(B), CCT, PCVN, etc.), dos aspectos dimensionais (e.g., 𝑎/𝑊, 𝑊/𝐵, 𝐵, 𝑏, etc.) e do modo de carregamento (flexão vs. tração) sobre o comportamento à fratura de aços estruturais ferríticos na região de transição dúctil-frágil (RTDF) tem recebido considerável atenção ao longo dos últimos anos [25,26,137,31,44,52,57,58,97,127,128] devido ao reconhecido efeito de tais fatores sobre os valores de tenacidade à fratura.

Análises numéricas pelo MEF [71,87,103,106,114,125,127,137,140] têm revelado que no estágio inicial de carregamento de um sólido de dimensões finitas, os campos elasto- plásticos de tensão e deformação são caracterizados, respectivamente, por um elevado nível de triaxialidade e por uma plasticidade restrita na ponta da trinca, características típicas das soluções analíticas dos campos HRR [16,77,78,93–96]. No entanto, durante o processo de carregamento quase estático, monotônico e crescente, as condições SSY, inicialmente predominantes na ponta da trinca, variam gradualmente para condições de escoamento em larga escala (LSY) à medida que aumenta a interação da zona plástica na ponta da trinca (plasticidade local) com o escoamento desenvolvido próximo às superfícies livres de tensões normais e às regiões de carregamento (plasticidade global). A consequência direta dessa interação é uma rápida expansão da plasticidade generalizada nas regiões suficientemente remotas das vizinhanças da trinca, fazendo com que ocorra um acentuado relaxamento do estado (elevado) de triaxialidade com consequente redução na magnitude do campo de tensões em relação à condição inicial SSY. Esse fenômeno é comumente denominado de perda de restrição à deformação plástica na ponta da trinca (denominado na literatura internacional como loss of crack-tip constraint ou simplesmente constraint loss) justamente pelo fato do campo de tensões na região à frente da trinca, a qual engloba as zonas de processo de fratura, perder a capacidade em assegurar as elevadas tensões previstas pelas soluções elástica-linear e elasto-plástica em regime SSY. Portanto, fica evidente que a perda de restrição afeta diretamente as tensões locais responsáveis por controlar o processo de fratura frágil por clivagem na RTDF. Desse modo, para compensar essa perda de restrição e iniciar o processo de clivagem, níveis mais elevados de força motriz (𝐽) são necessários para promover tensões suficientemente elevadas a fim de garantir uma fratura governada por tensão, o que resulta, portanto, em um valor aparente de tenacidade à fratura maior e totalmente dependente da geometria da trinca e de seus aspectos dimensionais. A níveis equivalentes de deformação (em termos de 𝐽 ou de 𝐶𝑇𝑂𝐷) entre uma geometria de elevada

[e.g., C(T) com 𝑎/𝑊 = 0,6] e baixa restrição [e.g., SE(B) com 𝑎/𝑊 = 0,2] não é possível assegurar campos similares de tensão e deformação à frente da trinca, uma vez que as tensões presentes na geometria de menor restrição relaxam a magnitudes consideravelmente inferiores às estabelecidas pela geometria de maior restrição.

Inúmeros estudos revelam que o efeito direto da perda de univocidade entre as tensões locais e a integral 𝐽, associado ao efeito da espessura efetiva9 (𝐵

𝑒𝑓𝑓) devido às variações

metalúrgicas (e.g., carbonetos de contorno de grão, inclusões não metálicas, etc.) e aos defeitos microestruturais distribuídos aleatoriamente ao longo da frente de trinca, está implicitamente relacionado às propriedades de encruamento do material, ao modo de carregamento (flexão vs. tração), à geometria e às dimensões dos corpos de prova utilizados nos ensaios para medir a tenacidade à fratura por clivagem na RTDF [25,42,46,57,58,97,127,137].

O processo de fratura frágil por clivagem em aços ferríticos ensaiados na faixa inferior e média da RTDF é frequentemente precedido por uma extensa deformação plástica [25,30,31,42–44,57,127]. Evidências experimentais da ocorrência de perda de restrição são comumente relacionadas a uma acentuada não linearidade nas curvas carga-deslocamento (i.e., um deslocamento significativo acompanhado por um aumento pouco perceptível na carga) ocasionada pelo desenvolvimento de rótulas plásticas precedente à fratura, mesmo quando o ensaio se dá na faixa inferior da RTDF [31,57].

O fenômeno da perda de restrição é mais comumente observado em geometrias submetidas predominantemente a esforços axiais de tração e em geometrias submetidas à flexão contendo trinca rasa [25,31,125,127,137]. A perda de restrição também pode ser observada, ainda que de forma menos severa, em corpos de prova SE(B) com trinca profunda concebidos a partir de materiais de baixo encruamento (i.e., com expoente de encruamento de R&O elevado, 𝑛 ≥ 20) [57]. Além disso, os efeitos de perda de restrição têm se mostrado mais pronunciados sobre o comportamento à fratura de aços estruturais de baixa e média resistência (e suas juntas soldadas) avaliados na RTDF onde a fratura instável ocorre pelo micromecanismo de clivagem. Essa constatação foi comprovada por estudos experimentais [30,31] que demonstraram uma maior sensibilidade dos valores de 𝐽𝑐 em relação aos efeitos de restrição do que a observada pelos valores de 𝐽𝐼𝑐 e 𝐽-∆𝑎.

9 A espessura efetiva representa uma fração da espessura nominal, 𝐵, cuja extensão é definida pela distribuição

espacial das tensões de abertura 𝜎22 que apresentam um valor mínimo previamente definido nas análises numéricas (e.g., 𝜎22≥ 2𝜎𝑦𝑠).

Por exemplo, resultados numéricos e experimentais revelam que corpos de prova SE(B) com trinca rasa (𝑎 𝑊⁄ < 0,2) exibem, frequentemente, um fator de elevação de 3 a 5 vezes na tenacidade à fratura por clivagem em relação aos valores medidos para configurações de corpos de prova com trinca profunda de mesma espessura [27–32,43]. Em contrapartida, valores de tenacidade à fratura obtidos a partir de corpos de prova SE(B) com trinca profunda têm se mostrado invariantes para comprimentos de trinca na faixa de (0,4 < 𝑎 𝑊⁄ < 0,8) [30].

Embora as geometrias de trinca rasa promovam valores de tenacidade aparentemente superiores, uma das justificativas para o seu uso é fundamentada na melhor correspondência com as reais condições predominantes em componentes estruturais que contêm, por exemplo, trincas superficiais rasas solicitadas essencialmente por tração. No entanto, essas geometrias não são desejáveis em aplicações que focam primariamente na prevenção da fratura frágil por clivagem. Essa restrição deve-se em parte à imensa responsabilidade estrutural de certos equipamentos, tais como os VPRs de centrais nucleares e os dutos para a condução de CO2, e

principalmente pelo fato de que a fratura por clivagem é essencialmente controlada por tensão, o que requer geometrias que desenvolvam um estado de elevada triaxialidade.

Em relação aos efeitos geométricos, avaliações experimentais realizadas por Joyce e Tregoning [52] revelam que mesmo as geometrias de corpo de prova padronizadas mais comumente utilizadas, tais como a geometria C(T) e a SE(B), fornecem valores distintos de tenacidade à fratura na RTDF para um mesmo material. Embora sejam estabelecidos limites paramétricos em tais geometrias visando garantir valores de tenacidade independentes de fatores geométricos e dimensionais, análises 3D por MEF sugerem que, de fato, tais fatores conduzem frequentemente a diferentes níveis de triaxialidade [26,127] e, consequentemente, a diferentes níveis de forças motrizes para promover a fratura. Já no que diz respeito aos fatores dimensionais, análises por elementos finitos revelam que a tensão principal máxima, atuante no ligamento remanescente de uma trinca cujo plano é frequentemente orientado na direção 𝑥 (i.e., a tensão efetiva para a abertura da trinca, 𝜎𝑦𝑦 ou 𝜎𝜃𝜃), se eleva à medida que a razão 𝑎 𝑊⁄ ou a espessura aumenta devido ao aumento na restrição no plano (in-plane constraint) e fora do plano da trinca (out-of-plane constraint) [32,44].

O fenômeno da dissociação da relação unívoca, estabelecida nos estágios iniciais de carregamento, entre os campos elasto-plástico à frente da trinca e a integral 𝐽 tem conduzido inúmeros esforços [25,44,46,127,141] para uma melhor compreensão dos efeitos dimensionais, de geometria, carregamento e de encruamento sobre a interação das zonas

plástica local e global. Dessa forma, foram propostos inúmeros limites de deformação [25,58,97,126,129] aos corpos de prova visando assegurar condições de restrição suficientemente elevadas para que a fratura pudesse ser adequadamente descrita pelo campo HRR conforme abordagem descrita nas próximas seções.

Atualmente, os estudos acerca dos efeitos de restrição sobre os valores de 𝐽𝑐 seguem

duas linhas de investigação distintas, porém complementares. Uma dessas frentes está relacionada às metodologias biparamétricas que surgem como uma alternativa à MFM para descrever os campos estacionários em condições LSY, enquanto a outra está relacionada às metodologias micromecânicas baseadas em aspectos probabilísticos. Essas, ao contrário das primeiras que seguem uma abordagem determinística, empregam critérios locais de fratura (modelo micromecânico de fratura frágil) associados ao MEF para quantificar as condições globais de falha estrutural em termos de um parâmetro probabilístico local de fratura - tais procedimentos são também denominados local approaches [43,46,142]. Apesar de ser considerada uma abordagem robusta, a metodologia local não é incorporada no escopo deste trabalho, motivo pelo qual é feita uma breve descrição apenas das metodologias biparamétricas, conforme abordagem da Seção 2.2.3. No entanto, para uma melhor compreensão dos fundamentos dessas metodologias, antes é necessário abordar o conceito das soluções de referência comumente utilizadas nas formulações biparamétricas.