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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.3 AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DA INTEGRAL J

2.3.2 Método do corpo de prova único

Motivados pelos fortes indícios de que o valor crítico da integral 𝐽 avaliada pelo método multiespécime proposto por B&L [19,20] poderia ser utilizado como um critério de fratura, Bucci e colaboradores [91] propuseram uma metodologia analítica baseada na relação 𝐽 versus ∆ utilizando-se apenas um único corpo de prova. Para esse propósito, Bucci et al. [91] utilizaram análises elásticas mais refinadas, ao contabilizarem os efeitos da zona plástica da ponta da trinca na flexibilidade da curva 𝑃-∆, e soluções de carga limite [152,155] em corpos de prova de diferentes geometrias a fim de estabelecer um procedimento mais simples e amplo em relação ao método multiespécime [19,20], porém efetivo na avaliação experimental do valor crítico de 𝐽. Tais corpos de prova, os quais hoje são convencionalmente conhecidos como SE(B), C(T) e M(T) conforme indicado na Fig. 2.24, apresentavam diferenças significativas nas expressões de carga limite [152], o que permitia a avaliação experimental de 𝐽 a partir de diversas geometrias de corpos de prova.

Figura 2.24 - Representação dos corpos de prova de geometria (a) C(T); (b) SE(B) e (c) M(T)

Fonte: Anderson [1]

(a) (b)

v

(c) v

Deve-se ressaltar que as expressões de carga limite até então disponíveis eram obtidas a partir de análises plásticas por meio do campo de linhas de escorregamento (SLF, do inglês Slip Line Field) em modelos de comportamento rígido-perfeitamente plástico [152,155]. Atualmente, há um vasto compêndio de soluções de carga limite para diversas geometrias de corpos de prova, as quais podem ser consultadas em maiores detalhes no relatório EPRI-NP- 1931 [158] e no artigo de revisão das soluções de carga limite feito por Miller [159].

Na metodologia proposta, Bucci et al. [91] desenvolveram, por meio de procedimentos analíticos (ver Apêndice 2 do trabalho de Bucci et al. [91]), as relações de carga (𝑃) e deslocamento (∆) para cada configuração de corpo de prova mencionada anteriormente. As análises propostas por Bucci et al. [91], baseadas na abordagem energética de 𝐽 [16,77,78], envolvem os casos extremos do comportamento da curva carga-deslocamento, os quais exibem desde um comportamento puramente elástico a um comportamento rígido- perfeitamente plástico, conforme indicado na Figura 2.25 (a).

Figura 2.25 – Comparação entre o comportamento real e o comportamento idealizado da cuva (a) carga versus deslocamento; (b) 𝐽 versus deslocamento

Fonte: Adaptado de Bucci et al. [91]

Conforme visto anteriormente na Seção 2.1.2.2, 𝐽 é idêntico ao parâmetro 𝒢 [16] para um comportamento puramente elástico. Dessa forma, na condição em que o carregamento é controlado por força, a taxa de dissipação de energia elástica não linear pode ser expressa por

𝐽 = 𝒢 = 1 𝐵(

𝜕𝒰

𝜕𝑎)𝑃 (2.75)

No caso elástico linear, a energia potencial (𝒰) equivale à energia de deformação elástica (𝑈𝑒) a qual é dada pela área sob a curva 𝑃-∆, de forma que 𝑈𝑒 = 𝑃∆ 2⁄ . Já a flexibilidade elástica, 𝐶, é dada pela relação inversa da rigidez, ou seja, 𝐶 = ∆ 𝑃⁄ . Fazendo as devidas substituições na Eq. (2.75) tem-se que

𝐽 = 𝒢 =𝑃2 2

𝜕𝐶

𝜕𝑎 (2.76)

Pela análise da Eq. (2.76) observa-se que 𝐽, para um dado tamanho de trinca, é proporcional a ∆2, pois 𝑃 = ∆ 𝐶⁄ . Assim sendo, para um comportamento puramente elástico,

𝐽 varia em função de ∆ segundo a forma de uma parábola, conforme indicada pela linha de tracejado longo apresentada na Figura 2.25(b). Já no caso da relação 𝑃-∆ referente a um comportamento rígido-perfeitamente plástico, observa-se que o deslocamento ∆ é ilimitado na condição em que 𝑃 = 𝑃𝐿 e nulo quando 𝑃 < 𝑃𝐿, conforme demonstrado na Figura 2.25(b).

Nesse caso, a energia potencial é dada simplesmente por 𝑃𝐿∆. Já a taxa de dissipação de energia elástica não linear, [vide novamente a Eq. (2.24)], definida em termos de deslocamento constante, a integral 𝐽 para um material rígido-perfeitamente plástico, expressa em termos da diferença de área estabelecida pelas curvas 𝑃-∆ após o crescimento incremental de trinca, 𝑑𝑎, é dada por

𝐽 = 𝒢 = −∆ 𝐵

𝜕𝑃𝐿

𝜕𝑎 (2.77)

em que a derivada parcial 𝜕𝑃𝐿⁄ é avaliada para um comprimento de trinca de interesse. 𝜕𝑎 Pela análise da Eq. (2.77), observa-se que 𝐽 é simplesmente uma função linear de ∆ e, portanto, a relação 𝐽- ∆ para um tamanho de trinca constante é definida por uma reta que intercepta a origem (0,0), conforme indicada pela linha de tracejado curto apresentada na Figura 2.25 (b).

Conforme descrito por Bucci et al. [91], o comportamento real dos materiais utilizados nos ensaios fica delimitado por meio desses dois comportamentos extremos. Para as condições que envolvam baixos níveis de carregamento e uma limitada plasticidade na ponta da trinca, o comportamento 𝑃-∆ pode ser aproximado por uma análise elástica-linear a qual fornece a flexibilidade que, por sua vez, é uma função do tamanho da trinca, da geometria do corpo de prova e das constantes elásticas do material tais como, por exemplo, o módulo de

Young (𝐸) e o coeficiente de Poisson (𝜈). Nesse caso, é possível observar que a relação 𝐽-∆ prevista [vide Fig. 2.23(d)] é bem descrita pela relação 𝐽-∆ elástica definida na condição SSY, conforme Figura 2.25(b). No entanto, conforme a magnitude do carregamento aumenta, observa-se o surgimento de não linearidades na relação 𝑃-∆ de forma que a relação 𝐽-∆ prevista começa a se distanciar da relação 𝐽-∆ elástica até um valor cuja diferença (offset) entre a relação 𝐽-∆ prevista e a relação 𝐽-∆ plasticamente rígida permanece constante, conforme indicado na Figura 2.25 (b).

Com base nessas considerações, a metodologia do corpo de prova único proposta por Bucci et al. [91] mostrou-se eficaz ao prever analiticamente os valores críticos de 𝐽 em condições de deformação plana (𝐽𝑐) obtidos por B&L [19,20], o que validava a sua abordagem

baseada em um único corpo de prova. Pouco tempo depois, Rice et al. [92] também demonstraram que a partir de um único corpo de prova era possível estimar 𝐽 a partir da curva experimental 𝑃-𝐿𝐿𝐷. Nesse procedimento, Rice et al. [92] propuseram expressões para diversas geometrias [e.g., SE(B), M(T), DENT, etc.) que permitiam estimar propriedade de tenacidade de modo mais simples e direto, o que facilitava ainda mais a medição experimental de valores críticos de 𝐽. No caso da geometria SE(B), a título de exemplo, Rice et al. [92] propuseram uma expressão de 𝐽 baseada no momento fletor ℳ aplicado remotamente no ligamento remanescente da trinca (𝑏 = 𝑊 − 𝑎), conforme Figura 2.26.

Figura 2.26 – Geometria SE(B) submetida a um carregamento definido por flexão pura

Fonte: Adaptado de Rice et al. [92]

Nesse caso, foi proposta uma modificação da Eq. (2.26) (vide Seção 2.1.2.2) pela simples substituição de 𝑃 por ℳ, passando a ser expressa por

𝐽 = ∫ (−𝜕Ω𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝜕𝑏 )ℳ ℳ 0 𝑑ℳ (2.78) ℳ

de forma que o deslocamento angular Ω total (Ω𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙) pode ser definido por

Ω𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 = Ω𝑛𝑐+ Ω𝑐 (2.79)

em que Ω𝑛𝑐 representa o deslocamento angular Ω associado uma geometria isenta de trinca

submetida à flexão (tal como uma viga elástica) e Ω𝑐 a contribuição do deslocamento angular

associado à presença da trinca. Resultados obtidos por análise dimensional, ao se fixar as propriedades mecânicas (𝐸, 𝜎𝑦𝑠, 𝑛), revelam a componente Ω𝑐 é dada em função de

Ω𝑐 = 𝑓 (

𝑏2) (2.80)

onde as trincas são profundas o suficiente de forma que a plasticidade fica confinada no ligamento remanescente. A partir da Equação (2.80), Rice et al. [92] demonstram que

(𝜕Ω𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝜕𝑏 )ℳ = ( 𝜕Ω𝑛𝑐 𝜕𝑏 )ℳ + ( 𝜕Ω𝑐 𝜕𝑏)ℳ (2.81𝑎) (𝜕Ω𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝜕𝑏 )ℳ = { 𝜕 𝜕𝑏[𝑓 ( ℳ 𝑏2)]} ℳ = − 2ℳ 𝑏3 𝑓′( ℳ 𝑏2) = − 2ℳ 𝑏 ( 𝜕Ω𝑐 𝜕ℳ)𝑏 (2.81𝑏)

Substituindo a Eq. (2.81b) na Eq. (2.78) e fazendo a integração tem-se que

𝐽 = ∫ (−𝜕Ω𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝜕𝑏 )ℳ ℳ 0 𝑑ℳ = ∫ 2ℳ 𝑏 ( 𝜕Ω𝑐 𝜕ℳ)𝑏 ℳ 0 𝑑ℳ =2 𝑏∫ ℳ Ω𝑐 0 𝑑Ω𝑐 (2.82)

de forma que a integral 𝐽 passa a ser baseada simplesmente na área sob a curva ℳ versus Ω𝑐 a

qual é definida pela integral do momento ℳ em relação ao deslocamento angular Ω𝑐. Essa

integral representa nada mais do que o trabalho das forças externas realizado sobre o corpo de prova durante o carregamento. No caso em que o ligamento remanescente é submetido predominantemente a esforços flexionais, embora o carregamento global seja dado pela força 𝑃 [vide Fig. 2.23(b)], a Eq. 2.82 pode ser reescrita como

𝐽 =2 𝑏∫ 𝑃

∆𝑐

0

𝑑∆𝑐 (2.83)

Portanto, o procedimento desenvolvido por Rice et al. [92] para se determinar valores experimentais de 𝐽 em geometrias com trinca profunda e cujo ligamento remanescente fosse solicitado majoritariamente por esforços flexionais (i.e., SE(B) e C(T) com 𝑎/𝑊 = 0,6) pode ser expresso de modo geral por

𝐽 =2𝑈

𝑐

𝐵𝑏 (2.84)

em que 𝑈𝑐 é a energia absorvida devido à presença da trinca, 𝐵 a espessura e 𝑏 o ligamento

remanescente da trinca. Ao definirem um critério, o qual foi baseado na curva de resistência (𝐽-∆𝑎), para a medição experimental do valor de 𝐽 associado ao início do crescimento estável de trinca (𝐽𝐼𝑐), B&L [68] propuseram uma formulação mais geral para a Eq. (2.84)

𝐽 =2𝑈

𝐵𝑏 (2.85)

em que 𝑈 pode ser interpretada como a quantidade total de energia de deformação armazenada no corpo de prova cujo ligamento é submetido predominantemente à flexão, tal como a geometria SE(B) e C(T). Essa energia é numericamente igual a área total, 𝐴𝑡, sob a

curva 𝑃-𝐿𝐿𝐷. Nesse caso, a energia definida por 𝑈 está associada a uma quantidade de energia absorvida na ausência da trinca, 𝑈𝑛𝑐, e a uma quantidade adicional, 𝑈𝑐, quando a trinca está presente no corpo de prova. No entanto, a energia 𝑈𝑛𝑐 é muito pequena em relação

à energia 𝑈𝑐 quando analisada em geometrias SE(B) e C(T) com 𝑎/𝑊 > 0,6, de forma que 𝑈𝑛𝑐 torna-se praticamente desprezível. Sendo assim, a Eq. (2.84) pode ser simplificadamente

expressa pela Eq. (2.85) sem produzir valores superestimados de 𝐽. A forma geral expressa pela Eq. (2.85) representou uma importante etapa na história do desenvolvimento de um método de ensaio para a avaliação experimental da integral 𝐽. Já a constante igual a 2, que aparece nas Eqs. (2.83) - (2.85) e relaciona 𝐽 ao trabalho das forças externas dissipado em grande parte na forma de energia de deformação, é oriunda de fatores geométricos e exerce uma importante implicação sobre os valores de 𝐽 medidos experimentalmente, conforme abordagem da próxima seção.