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SUMÁRIO SUMÁRIO

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO E PROBLEMÁTICA

Imersos em um cenário mundial de intensas transformações e incertezas, o momento é de mudança nas taxas de crescimento econômico (FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI), 2015a; NAÇÕES UNIDAS (ONU), 2015). Para países desenvolvidos, a perspectiva é de aumento gradual para 2015 e 2016. No que se refere às economias emergentes e países em desenvolvimento, há uma forte desaceleração, caso por exemplo da China, que, com uma política insustentável de crédito e investimento excessivo, gerou grandes vulnerabilidades fiscais, financeiras, imobiliárias e em setores empresariais (FMI, 2015b, 2015c). Todavia, o país vem movendo-se para um caminho mais sustentável, o que requer uma inversão dessa tendência, envolvendo, assim, um crescimento mais lento, porém mais seguro e equilibrado, afirma o FMI (2015b, 2015c).

Em particular, após uma década de expressivo crescimento, a América Latina (AL) vem enfrentando diversos desafios, dentre os quais podem ser citados os desequilíbrios estruturais e tensões geopolíticas. Segundo o relatório Finance & Development do FMI (2015d), enquanto os países desenvolvidos sofriam com a grave recessão provocada pelas crises de 2008 e 2009, os países emergentes eram tidos como promissores. Isso traz, atualmente uma sensação de promessa precipitada, já que o quadro positivo da América Latina mudou drasticamente e reflete variações das condições internacionais, tais como queda no preço das commodities e moderação do crescimento internacional (FMI, 2015c).

Não obstante, há diferenças significativas regionais na AL, sendo a forte desaceleração essencialmente um fenômeno da América do Sul (AS), que atualmente é menos capaz do que era em 2008 e 2009. Prevê- se que isso se aprofunde, já que suas duas maiores economias, Argentina e Brasil, também se apresentam em meio a recessão moderada (FMI, 2015d).

O Brasil vem sofrendo reflexos diretos da demanda chinesa, um dos principais determinantes do preço de commodities, já que, com um significativo potencial em recursos naturais, é um de seus maiores fornecedores (CARTA CAPITAL, 2016). Coincidentemente, quando o Brasil apresentava crescimento acelerado, o comércio e os preços das commodities estavam em expansão, além de existir um amplo acesso externo a financiamento e oportunidades de migração.

A explicação básica que o relatório Finance & Development do FMI (2015d) fornece para este baixo desempenho econômico a longo prazo é a falta de atenção adequada à modernização de tecnologia no setor de produção, a forte desindustrialização e o fato de que a região tem se especializado em produtos, nomeadamente commodities, com baixo valor agregado. Desta forma, as oportunidades para diversificação e melhoria da qualidade do produto são limitadas. E o resultado líquido de depender de oportunidades de exportação tradicional é o amplo fosso tecnológico que se forma, não só em relação às economias asiáticas dinâmicas, mas também relativamente às economias desenvolvidas que são intensivas em recursos naturais, como Austrália, Canadá e Finlândia.

Para solucionar esta questão e retomar o crescimento, o FMI (2015d) e a ONU (2015) afirmam que é preciso empreender reformas destinadas a diversificar as economias, para atualizar tecnologicamente a sua estrutura de produção, tornando-as menos dependentes do comportamento das commodities, e reforçar a coordenação e a cooperação política em nível internacional, já que são igualmente importantes para distender tensões geopolíticas.

No entanto, a diversificação de uma economia, bem como o desenvolvimento de novas tecnologias não dependem exclusivamente de fatores macroeconômicos. É preciso também considerar a perspectiva microeconômica, o que, em paralelo, significa promover condições para o verdadeiro desenvolvimento, o de origem endógena, que, por sua própria iniciativa, é causa última de instabilidade, pois, segundo Schumpeter (1989), o processo de desenvolvimento é a ruptura do equilíbrio. Desta forma, é preciso haver interação dinâmica entre a estratégia (firma) e a estrutura (o mercado) para geração e difusão de novas tecnologias (POSSAS, 1988).

Nesta linha, as teorias do desenvolvimento territorial (DT) ganham destaque (AMARAL FILHO, 2001), pois é preciso compreender o papel dos múltiplos agentes, instituições e sociedade no processo de transformação, fortalecimento e qualificação das estruturas internas de uma região ou de uma localidade (desenvolvimento endógeno).

Para isso, cria-se um movimento sinérgico entre os atores, formando estruturas de governança que podem ser consideradas alavancas de competitividade e de desenvolvimento, englobando uma série de mecanismos sociais e políticos para absorver externalidades que assegurem o bem-estar da comunidade e maximizem as economias locais (FUINI, 2010).

Assim, o desenvolvimento territorial engloba o desenvolvimento local (DL) a partir da formação de identidades e diferenciação das regiões e comunidades, passando a ser visto como uma maneira para enfrentar a competitividade mundial. A localização oferece diversas oportunidades para o desenvolvimento das organizações, sobretudo das Micro e Pequenas Empresas (MPE), pois não se trata apenas de um recorte administrativo, mas sim de uma “arquitetura” social e territorial que combina e congrega diversos atores, sociais públicos ou privados e que tem por premissa o movimento endógeno. Em outras palavras, leva em conta fatores socioculturais, geográficos, enfim, características que podem potencializar o local (ALBUQUERQUE, 1998; SCÓTOLO; PANOSSO NETO, 2015).

A partir disso, é particularidade preponderante no desenvolvimento territorial o protagonismo dos atores locais na tomada de decisões econômicas, na formulação de estratégias e na sua implementação (RESENDE, 2006; IPADES, 2010). Em consonância, Cassiolato e Lastres (2003) sinalizam que as relações sinérgicas fortalecem as chances de sobrevivências e crescimento das empresas, particularmente de pequeno porte, já que promovem aprendizagem, geração de conhecimento e dinâmica inovativa. Ademais, a competitividade do local está atrelada a diversos fatores na perspectiva da empresa, mas não se trata somente de uma visão microdinâmica, porém de uma percepção de competitividade como um fator sistêmico. Em outras palavras, como resultado de condições internas combinadas com condições externas que favoreçam o crescimento da produtividade e da inovação empresarial (SEBRAE, 2008/2009).

À vista disso, o alvo das novas políticas são os espaços que surgem para potencializar o desenvolvimento tecnológico e industrial e que forneçam aporte às MPE, tais como sistemas de inovação, aglomerações, clusters, arranjos produtivos locais (APL), etc. Dentre eles, destaca-se aqui o fenômeno de concentrações geográficas de empresas, tratadas nesta tese como clusters, apesar da extensa gama de definições e nomenclaturas existentes.

Considerados uma faceta para vantagem competitiva, os clusters são formas de redes que se desenvolvem dentro de uma localidade

geográfica, abarcando conexões superpostas e fluidas entre indivíduos, empresas e instituições (PORTER, 1999). Permitem acesso aos insumos, pessoal especializado e informações estratégicas que, muitas vezes, reduzem as incertezas e custos, melhorando as oportunidades das empresas. Além disso, as habilidades e as tecnologias provenientes de diferentes áreas se fundem, impulsionando as atividades da aglomeração.

Todavia, a absorção das vantagens das economias é potencializada na medida em que as ações são desenvolvidas em conjunto, de forma intencional e envolvem produtores, fornecedores e instituições próprias de abrangência sobre todo ou parte do cluster (SCHMITZ, 1997; GUERRERO, 2004).

Nestes termos, pode-se perceber que a adoção de estratégias de cooperação tais como a de clusters conduz as indústrias e os setores a formular novas tecnologias cruciais para conquista de vantagem competitiva e desenvolvimento territorial sustentável, que são favorecidas pelo ambiente propício formado pelo mecanismo.

Pelo exposto, o setor de tecnologia assume significativa relevância no processo de desenvolvimento, o qual, ao contrário do que se imagina, não só gera benefícios econômicos, mas também bem-estar social, pois o aumento de competitividade promove melhores oportunidades de negócio e mais possibilidades de emprego, bem como vagas mais qualificadas. Oferece, ainda, melhoria da qualidade de vida, por exemplo, pela aplicação de novas tecnologias à saúde e à educação (PEREIRA; SILVA, 2011).

Ademais, percebe-se na indústria de tecnologia, oportunidades para impulsionar outros setores, já que se trata de um setor transversal, isto é, transpõe as fronteiras setoriais, difunde-se a outras cadeias e, muitas vezes, agrega valor a produtos, processos e serviços de outras indústrias (BOLAÑO; DE MELO, 2000; ABDI, 2009; SCHRÖDER, 2013).

Nesse sentido, pode-se considerar que o setor de tecnologia e o setor de turismo podem travar esta relação simbiótica, pois se encontram em constante movimento. Găzdac (2009) afirma que os setores são compatíveis e, por isso, compreendem bem as necessidades um do outro, complementando-se. A disponibilidade de novas tecnologias levou ao desenvolvimento de novas competências, novos materiais, novos serviços, novos negócios, novas formas de organização e a uma reconfiguração do trabalho, impulsionando o setor de turismo. Segundo Buhalis (2003), o turismo tem na tecnologia uma parceira ideal, por não oferecer ameaças às áreas humanas, das quais é dependente, e por permitir

comunicação instantânea/interativa com seus usuários em todo o mundo (AMARAL E SILVA; TEIXEIRA, 2014).

O uso de novas tecnologias tem agregado valor ao turismo, serviços e produtos correlatos e auxiliado no desenvolvimento de redes e clusters, fomentando, assim, o processo inovativo no setor, sobretudo em uma perspectiva regional/local (KORRES, 2008). Não se trata somente do uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC), no processo de apoio, como uma ferramenta de suporte aos equipamentos para o turismo, mas sim de um processo de simbiose que, de forma progressiva, tem sido reconhecido como força motriz para mudanças dentro da indústria do turismo, criando novas oportunidades e desempenhando um relevante papel na modernização deste setor (ERAQI, 2006; SEVRANI; ELMAZI, 2008).

Ambas as indústrias, turismo e tecnologia não estão apenas crescendo acima da média. Elas também estão entre as mais importantes indústrias neste século, sendo estreitamente inter-relacionadas e entrelaçadas (SEVRANI; ELMAZI, 2008). Corroborando com o exposto, revela-se que o setor de tecnologia representa atualmente US$ 3,4 trilhões, cerca de 5% do PIB global (BRASSCON, 2012).

Já o setor de turismo representa 9% do PIB mundial (direto, indireto e induzido), um em cada 11 empregos e 1,5 bilhões de dólares em exportação, sendo 6% das exportações mundiais (UNWTO, 2015a). Em relação ao Brasil, o World Travel & Tourism Council (WTTC, 2015) destaca que, em 2014, a contribuição direta do setor de turismo e viagens foi equivalente a 3,5% do PIB, no que tange a contribuição total, e, contando efeitos indiretos, chega a 9,6% do PIB.

Além da significativa representatividade individual destes setores, estudos exploratórios já evidenciam iniciativas empíricas de cooperação entre clusters de tecnologia e de turismo. Dentre os casos de maior destaque, pode-se citar: Barcelona, na Espanha, com programas como Barcelona SmartCity, Barcelona@22, Agrupaciones Empresariales Innovadoras (AEI); São Francisco e São José nos Estados Unidos (USA), com os programas TechSavvy e Convention Visitors Bureaus; Paris, na França, com programas como Paris-wifi, Paris Data, Alojamento em Paris; Londres, na Inglaterra, com European Mobile, VisitEurope, TourMis, etc.

Diante disso, a cooperação entre os clusters de tecnologia e de turismo, abreviada aqui como relação TechTour, demonstra indícios de ocorrência na perspectiva prática. No entanto, análises de caráter científico em uma perspectiva teórica ainda são inexistentes (MARTINS; FIATES; PINTO, 2016).

À vista disso, construiu-se a problemática fundamentando-se na seguinte questão: Como analisar a contribuição conjunta dos clusters de tecnologia e de turismo para a inovação e o desenvolvimento territorial?

Para responder a problemática, delinearam-se os objetivos da pesquisa.

1.2 OBJETIVOS

A presente tese busca atingir o seguinte objetivo central: desenvolver um framework teórico empírico que possibilite analisar a contribuição conjunta dos clusters de tecnologia e de turismo para a inovação e o desenvolvimento territorial.

Para consecução da pesquisa, objetivos específicos foram também estabelecidos:

a) descrever o contexto histórico, cultural, geográfico e econômico da localidade em que os clusters de tecnologia e de turismo estão inseridos;

b) analisar os clusters de tecnologia e turismo por meio da identificação dos principais agentes, da governança territorial manifestada a partir das ações coletivas, da trajetória de desenvolvimento, dos níveis de maturidade alcançados e da importância de cada um em seu contexto;

c) analisar a influência das ações de um cluster sobre o desenvolvimento do outro e os impactos que ambos geram para a inovação e o DT da localidade selecionada;

d) a partir dos objetivos anteriores, identificar pontos de convergência/divergência entre os clusters de tecnologia e de turismo;

e) incorporar ao framework teórico as variáveis e categorias de análise que emergiram da análise empírica do estudo de caso realizado.

Apresentados os objetivos, é oportuno esclarecer que, embora se reconheça a representatividade individual dos setores aqui estudados, entende-se que ações formadas em grupo (ou seja, de maneira conjunta) e coordenadas visando a agregação de valor tornam-se superiores às ações desenvolvidas de maneira isolada (BARNARD, 1971; CASTELLS, 1999).

Com base nisso, consideram-se como contribuições conjuntas, resultados gerados em prol da inovação e do DT através da cooperação entre os clusters de Tecnologia e de Turismo. E, para realizar esta análise, utiliza-se como suporte a construção de um framework. Conforme Trienekens et al., (2008), um framework tem o intuito de fornecer uma estrutura real ou conceitual para ser um suporte ou guia para análise e desenvolvimento de algum objeto, contexto ou para a compreensão de um fenômeno (TOMHAVE, 2005). Segundo Shehabudeen et al. (1999), um framework pode ser conceitual, no que tange à abstração e entendimento de uma situação, ou prático, quando está relacionado às ações concretas em um determinado ambiente ou contexto.

Doravante, explanam-se os critérios que buscam justificar esta pesquisa.