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2.6. A questão IBGE e o UNIVAC 1105

2.6.1. O convênio IBGE-GEACE-MEC e o CPD de Governo que não funcionou

2.6.1.4. Contraponto: um CPD eficiente – o caso da PUCRIO

Um contraponto à implantação do CPD do IBGE foi a do CPD da PUCRIO, que transcorreu sem maiores problemas. Enquanto que no caso do IBGE havia problemas desde a fase de aprovação do projeto assim como na instalação e nas primeiras operações, o caso do CPD da PUCRIO transcorreu sem maiores dificuldades. Como ponto comum, nos dois casos a ingerência do GEACE foi baixa.

228 UNICODE era a linguagem do compilador do UNIVAC 1105, necessário para programar o computador. 229 Idem, ibidem.

162 Uma série de fatores contribuíram para que o empreendimento fosse bem-sucedido, sendo que o principal deles foi o próprio empenho da Burroughs no projeto. Quando o diretor da Escola Politécnica de Engenharia da PUCRIO Carlos Alberto del Castillo, em meados de 1958, iniciou tratativas com as empresas interessadas em fornecer um cérebro eletrônico à PUCRIO (STAA, 2012), os representantes da Burroughs do Brasil pareceram fazer uma boa leitura do campo: frente à ascensão da IBM e às atividades da Rand, adotaram a estratégia de focar na universidade a implantação de seu produto. Se bem sucedida, seria uma ótima propaganda que lhe abriria novos clientes no meio universitário e comercial.

A própria história da Burroughs contribuiu para a estratégia. Tradicional fabricante de equipamentos de escritório nos EUA, especialmente máquinas de contabilidade e calculadoras – no Brasil, havia nacionalizado a fabricação da popular Ten-Key –, a empresa experimentou dificuldades tecnológicas ao buscar de desenvolver seu próprio computador, no início da década de 1950. A decisão foi então adquirir uma pequena fabricante, a Electro Data, e seu sistema Datatron, em 1956, transformando-a em uma divisão de computadores eletrônicos da Burroughs (FLAMM, 1987, p.116; CAMPBELL-KELLY, 2014, p.100). Com o tempo, os representantes da Burroughs, incluindo a filial brasileira, partiram para os EUA a fim de conhecerem os novos equipamentos que deveriam ser oferecidos pela empresa aos seus clientes no mundo.231

Embora a Burroughs tenha encontrado um produto tecnológico no nível dos concorrentes, IBM e Rand já atuavam há algum tempo no mercado, o que exigiria novas estratégias para achar espaço para sua série Datatron. No caso brasileiro, a saída foi apoiar o projeto da PUCRIO. Enquanto IBM e Rand acenaram negativamente às intenções do professor Del Castillo232, a Burroughs não perdeu a oportunidade de vender a máquina à universidade e ceder seus técnicos, liderados por Georg Herz233, para executarem o projeto e a instalação do CPD da PUCRIO.234

231 Nesta época Henry Eischler assumiria a direção da filial brasileira e permaneceria como seu presidente até o

final dos anos 1980, já como líder da Unisys do Brasil.

232 Entrevista de Georg Herz ao Núcleo de Memória de Pós-Graduação e da Pesquisa na PUCRIO em 25.10.2007. 233 Idem

163 Ao contrário do gigantismo do UNIVAC 1105 no IBGE, os técnicos da Burroughs entenderam ser mais adequado ofertar o B205, um computador de médio porte, com custos de instalação e manutenção menores. A escolha também se deu pela particularidade do aparelho atender bem ao meio científico, algo que a PUCRIO desejava, conforme alguns casos norte-americanos (Caltech, Stanford e Instituto de Pesquisas de Armas Aeronáuticas) (STAA, 2012, p.2), demonstrando a confiabilidade do sistema. A escolha da máquina exigiu quebrar resistências na PUCRIO, como o professor Rubens Almeida Porto, da Faculdade de Filosofia – vice-presidente do IBGE, valeu-seàdeàsuaà expertise à oàp ojetoàdoà o putado àdoàIBGEàpa aà influenciar no processo decisório, desqualificando o sistema da Burroughs (que havia sido reprovado pelo IBGE). No entanto, triunfou a persistência do professor Del Castillo na opção pelo B205 da Burroughs.

Se o B205 oferecido à PUCRIO em 1959 tinha um custo relativamente menor (196.163 dólares) em relação ao proposto pela Burroughs ao GTAC em 1958 (600.000 dólares), ainda se tratava de uma soma apreciável para a universidade. A solução foi formar um consórcio, a “o iedadeàdeàEstudosàeàPes uisasàT i as à “OEPT .àál àdaàPUC‘IO,àaàCo iss oàdeàE e giaà Nuclear, o Ministério da Guerra, o CNPq e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) integraram o SOEPT, através de um Conselho de Administração para definir suas atividades. Com a exceção da PUCRIO, que entraria com o espaço e pessoal, as demais dividiriam os recursos financeiros em troca de tempos de usos do sistema.

Imagem 24 – B205 em operação na PUCRIO – Alunos liderados pelo Prof. Pe. Roser S. J. (dir, superior). Fonte: STAA, 2012. p.7

164 O GEACE acompanhou as iniciativas do CPD da PUCRIO desde julho de 1959. Fábio Reis, representante do SUMOC no grupo executivo, por orientação do Conselho Nacional de Economia, trouxe ao GEACE o pedido da PUCRIO de obtenção de prioridade cambial para importar o computador B205.235 O GEACE não havia ainda definido as normas para pautar a análise do projeto (elas se encontravam em discussão e seriam formalizadas apenas em outubro de 1959, pelo Decreto n.º 46.987), mas passou a orientar a PUCRIO sobre os critérios a serem seguidos. Logo a seguir o projeto foi aprovado, em 28.08.1959.236

Em abril de 1960, às vésperas da chegada do computador e seus periféricos, a Escola Politécnica entregou um relatório ao GEACE observando os progressos da instalação do CPD. Pelo seu conteúdo, concluiu-se que o CPD da PUCRIO assemelhava-se ao modelo de Centro Piloto proposto pelo GTAC e GEACE, com uso compartilhado para diversos fins e formação de mão-de-o aàpa aà o osàCPDs.àOàp ojetoàdoàCPDàdaàPUC‘IOàfo a aàaà fo aç oàdeàpessoalà espe ializado àta toàaàpa ti àdeàseusàalu osà ua toàpo à uad osàdasàe p esasàpa ti ipa tesà do consórcio, ainda que o computador pudesse também ser utilizado para outros fins. Estimava-se, por exemplo, que o Ministério da Guerra usasse o computador para cálculos balísticos, enquanto a CSN, para controle de processos de seus fornos.

A relação dos membros do GEACE e os integrantes do CPD da PUCRIO era um tanto informal, por exemplo, Theodoro Oniga visitava o CPD e ministrava aulas. Porém, o que coube institucionalmente ao grupo executivo foi instigar uma maior aproximação entre os CPD mais ie tífi os à ueàsu gia à à po a,àouàseja,àPUC‘IO,àIBGEàe USP.237 Por sua vez, a Burroughs garantiu a formação de especialistas indicados pela PUCRIO (e demais usuários) na matriz norte-americana, para atuarem na manutenção da máquina, como o caso de Haroldo Corrêa de Mattos. O próprio Georg Herz, o principal técnico da Burroughs, acabaria se vinculando à universidade. Esse suporte, que transmitiu conhecimento aos professores, alunos e a outros operadores do sistema B205, pareceu ter transcorrido sem sobressaltos. Os próprios objetivos educacionais pareceram efetivos, fomentando-se a formação de uma geração de programadores e analistas, como Carlos Lucena e Arnold Van Staa, que deram origem

235 5.ª Sessão do GEACE, 24.07.1959.

236 10.ª Sessão do GEACE, 28.08.1959. Resolução n.º 3/1959.

237 Ofício do Secretário-Executivo do GEACE ao Diretor da USP Prof. Francisco Maffei em 09.01.1961. Arquivo

165 posteriormente ao próprio Instituto de Informática da universidade, um dos pioneiros dos anos 1960.

No caso do IBGE, as dificuldades do CPD, acompanhadas de baixos salários, fez com que, com o tempo, os mais destacados técnicos migrassem para outras oportunidades no mercado, contribuindo para sua decadência.238 Recursos financeiros, complexidade do sistema e expertises também influenciavam na questão dos reparos – o B205, embora computador de primeira geração, ou seja, a válvulas, era mais simples e tinha um custo menor para substituição de peças do que o UNIVAC 1105, possibilitando o improviso com componentes nacionais. Em tempos em que diariamente havia panes, a habilidade dos técnicos do CPD da PUCRIO em reparar emergencialmente o sistema, improvisando válvulas e condensadores, conferia um melhor grau de eficiência, fruto do apoio da Burroughs e da transmissão de expertise para os operadores da máquina.

Sobre o andamento do processo no GEACE, a solicitação de isenção da taxa alfandegária, que não pareceu ter sido contemplada na decisão dos técnicos do grupo e tampouco discutida pelos seus membros; o caso foi encaminhado pela presidência da República ao Congresso, o único com poderes para conceder a isenção. A partir daí, tornou- se projeto de lei, que tramitou pelas Comissões de Constituição e Justiça e Economia e de Finanças, em 1961, e acabou engavetado por três anos. Somente em 24.08.1964, foi promulgada a Lei n.º 4.385, de 24.08.1964, que isentava a PUCRIO da taxa de alfândega. Neste momento, o B205 já era uma máquina ultrapassada, o computador do IBGE encontrava-se mais tempo desligado do que ativo, a IBM expandia-se no mercado nacional e o GEACE havia desaparecido.