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CAPÍTULO 2 – Internet, redes digitais, infraestrutura e disputas de poder

2.5. Contribuições de uma perspectiva não binária e universal

Aqui abro um parêntese para retomar brevemente o conjunto de crCticas que o feminismo interseccional e negro (COLLINS, 2017; CRENSHAW, 2002; PISCITELLI, 2009; RIBEIRO, 2018) aplicaram no seu próprio campo de conhecimento, já que uma das propostas desta pesquisa é aproximar esse referencial teórico do debate sobre redes autônomas e comunitárias.

No campo dos estudos feministas e de gênero, as disputas teóricas, continuidades e descontinuidades acadêmicas construCram um conjunto de crCticas férteis no final do século 20, mostrando que algumas expressões dos feminismos trouxeram inovações e transgressões, mas também reproduziram parte das estruturas de pensamento que buscavam subverter. Estas vertentes feministas contestadoras reivindicaram a heterogeneidade e o protagonismo que lhes pertencia ao se insurgirem contra sistemas de dominação particulares, mais interseccionais e múltiplos que a categoria ‘mulher’, no singular, abarcava.

Nesse sentido, em relação ã produção de conhecimento, a pesquisadora indiana Ambika Tandon (2018) resume:

A pesquisa feminista por toda essa variedade de contextos levanta preocupações ontológicas e epistemológicas sobre métodos de pesquisa tradicionais e suposições subjacentes sobre o que pode ser conhecido, quem pode conhecer e a natureza do próprio conhecimento. Argumenta que a produção de conhecimento historicamente levou à criação de hierarquias epistêmicas, onde certos atores são designados como "conhecedores" e outros como "conhecidos". Tais hierarquias causam violência epistêmica sobre os sujeitos marginalizados ao negar sua agência para produzir conhecimento e deslegitimando formas de conhecimento que não são normativas. (TANDON, 2018, p. 4)

Um dos esquemas contestados nesse contexto foi o sistema sexo-gênero, que, de acordo com Piscitelli (2009), se difundiu fortemente entre os movimentos feministas a partir da formulação da antropóloga estadunidense Gayle Rubin. No ensaio O tráfico de mulheres: Notas sobre a

enquanto o conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma o sexo biológico em produtos da atividade humana. Anos mais tarde, a própria autora realizaria uma revisão43 desse

modelo ao fazer uma análise crCtica do feminismo para pensar quando ele, em vez de combater, alimenta lógicas conservadoras e de controle. Rubin (1984) ressalta, então, que o sexo é polCtico e que o controle da sexualidade recrudesce em tempos de avanços conservadores, analisando como isso aconteceu na Inglaterra no século XIX ou nos Estados Unidos a partir dos anos 1950. A partir desse contexto, a autora alerta para o risco das lutas e movimentos progressistas reproduzirem as próprias lógicas e estruturas de controle que querem transformar.

Isso não significaria dizer no caso das redes comunitárias que elas estariam, reforçando, por exemplo, a lógica de concentração de poder que acontece na internet em termos de aplicativos e provedores. Mas, por outro lado, poderia nos ajudar a identificar dinâmicas que perpetuam as desigualdades de poder nas relações que se estabelecem entre diferentes atores que promovem parcerias para a instalação de uma rede comunitária, dentro de uma mesma comunidade ou mesmo questionar o que o termo “comunidade” homogeneCza, apagando diferenças que a perspectiva interseccional frisa acontecerem de modo combinado.

Rubin (1984) critica ainda as vertentes que propunham o feminismo como a última palavra no campo teórico, que teriam a pretensão de substituir o marxismo enquanto uma teoria universal que daria conta de explicar todas iniquidades do mundo, considerando que elas decorressem principalmente da dominação baseada no gênero. Faz, assim, um apelo ao pluralismo:

É um erro substituir o feminismo pelo marxismo como a última palavra na teoria social. O feminismo não é mais capaz do que o marxismo de ser a abordagem final e completa de todas as desigualdades sociais. Essas ferramentas crCticas foram construCdas para lidar com atividades sociais muito especCficas. Outras áreas da vida social, suas formas de poder e seus caracterCsticos modos de opressão precisam de seus próprios instrumentos conceituais (RUBIN, 1984, p.50)44.

Se a autocrCtica realizada por Rubin já é contundente para o campo do feminismo ao alertar sobre os riscos dos movimentos sociais reproduzirem práticas dominantes nas suas ações e ceder à tentação da universalidade no campo teórico e polCtico, vale lembrar que a autora ainda fala de um lugar hegemônico de construção de conhecimento, ao produzir suas pesquisas em universidades norte-americanas. Os feminismos interseccional, negro, do ‘terceiro mundo’, pós e descoloniais, entre outros, foram fundamentais para revelar o limite das teorias feministas que apresentavam o

43 Rubin (1984,p.49) afirma: “em contraste à minha perspectiva em O Tráfico de Mulheres, estou agora argumentando que é essencial separar analiticamente o gênero da sexualidade para refletir com mais precisão a separação social existente”.

44 A versão em português do texto de Gayle Rubin está disponCvel em <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1229/rubin_pensando_o_sexo.pdf?seq>. Acesso em: 26 dez. 2018.

lugar de fala de suas autoras como ‘neutro’ ou ‘universal’, contribuindo, assim, para invisibilizar a diversidade das mulheres, de seus saberes e práticas, e ainda ressaltar que as múltiplas desigualdades se combinam a partir de diferenças como as de gênero, raça, classe, nacionalidade, idade.

Emerge, daC, uma contribuição importante: ao abandonar a suposta universalidade do ser mulher é possCvel fugir da tentação da segmentação e da hierarquização de lutas para pensar uma perspectiva de alianças em busca de transformações sociais. Não seria mais necessário discutir de forma genérica, descolada de contextos especCficos, e disputar qual categoria seria mais importante na origem de todas as desigualdades (classe, gênero, raça), mas reconhecer que, se elas se combinam, as lutas também terão que acontecer de modo combinado. Para isso, porém, é preciso desconstruir em nossas práticas e saberes, os legados de estruturas colonialistas, o que inclui as noções de universalidade, neutralidade e objetividade que operam a invisibilidade e o silenciamento.

Na obra de Donna Haraway (2009) esse é um aspecto que também é trabalhado: o ciborgue emerge como relação entre não puros, que extrapolam identidades fechadas. Ao propor conexões nas impurezas, a autora busca fugir de uma postura de negação ou hierarquização das teorias sociais com as quais ela dialoga, como feminismo e o marxismo, mas tenta apontar as necessárias complementariedades, adotando uma lente de coalizão e afinidade como forma de superar os limites das identidades fixas.

O ciborgue aparece como a figura sCntese de sua proposta por um pacto pelo reconhecimento não apenas de contradições que não se resolvem, como também de que não seria o papel da produção de conhecimento resolvê-las. A autora nos convida, assim, a levar o pensamento para fora de categorias binárias e a desprender os conceitos de noções fixas, reconhecendo que os conceitos, assim como as identidades, se baseiam em ficções e artificialidades que são mutáveis.

Na concepção de Haraway do ciborgue ela defende um colapso radical de oposições binárias entre o humano, o animal e a máquina. Isso significa conceber gênero, sexualidade e tecnologia como abertos à reformulação por meio da performance em encontros futuros, e não como uma soma de comportamentos passados. Isso implica, ao rejeitar o tratamento de gênero e outras categorias sociais como estáveis, acontextuais e formas preexistentes de identidade, uma mudança e reformulação dos tipos de perguntas que os pesquisadores podem fazer (TANDON, 2018 p.10).

Nessa esteira, Haraway (2009) evidencia a necessária contestação de binaridades, como a oposição natureza/cultura, para romper com a dimensão epistemológica de dominação de mulheres e outros sujeitos que permaneciam à margem no discurso colonialista ocidental. Faz, assim, um

chamado pelo reconhecimento da heterogeneidade e pela recusa de totalidades forjadas que silenciem diferenças.

Haraway (1995) propõe também romper com a pretensão teórica de totalidade para pensar a potência da perspectiva parcial e dos saberes localizados para articular as totalidades possCveis de serem forjadas e rearranjadas permanentemente – ao não serem fixas – em ações de resistência e de produção de conhecimento crCtico. A autora, assim, não recorre a um relativismo, buscando fugir de posições que engessam o compromisso de buscar melhores formas de compreender o mundo e viver nele. Mas aponta que a alternativa ao relativismo não é a totalização ou a visão única, mas sim os saberes parciais, apoiados na possibilidade de redes de conexão (HARAWAY, 1995).

A chave da homogeneização, apagamento das contradições, silenciamento, naturalização e universalização de uma condição hegemônica têm sido foco de uma parcela de pesquisas e reflexões neste campo, como pudemos ver em parte nos estudos de gênero e feministas brevemente resgatados aqui. Vale lembrar que, ao expor contradições e fazer um chamado pela diversidade, os feminismos não buscam construir um discurso de deslegitimação ou desqualificação, mas lançam um convite para um olhar mais acurado sobre os sistemas de dominação particulares e o modo como são permeados por intersecções que geram, ao mesmo tempo, vulnerabilidades e resistências, violências e afetos, dominações, negociações, contestações e transcendências. Também realizam um chamado por um compromisso com transformações necessárias.

Nesse sentido, a professora de direito norte-americana Kimberlé Williams Crenshaw (2002), ao se debruçar sobre uma teoria crCtica de raça, conceitua a interseccionalidade ao apontar como a materialização de sistemas de diferença prejudicava o acesso de mulheres negras a direitos civis e humanos, impondo limites e riscos estruturais. A autora advoga que a experiência de mulheres negras não pode ser capturada nem só pela perspectiva de raça, nem só pela de gênero sem que se incorra em um apagamento. Ou seja, desde uma perspectiva interseccional é preciso a combinação para abordar as múltiplas exclusões ou privilégios estruturais que atravessam sujeitos e grupos que não podem ser reduzidos a apenas uma lente. O reconhecimento das diferenças é associado ainda a um movimento em busca de transformações, conforme aponta Patricia Hill Collins (2017, p.12), que ressalta que Crenshaw “está claramente defendendo a interseccionalidade como uma construção de justiça social, e não como uma teoria da verdade desvinculada das preocupações de justiça social”.

Muitas vezes, porém, esse chamado é desqualificado por grupos que, ao naturalizar sua própria condição hegemônica em alguns aspectos, recolocam as dinâmicas de universalização e silenciamento de novas formas, mesmo em espaços do campo ativista. Durante a pesquisa, em alguns espaços de discussão sobre tecnologias digitais, as crCticas trazidas por vozes feministas,

trans e antirracistas foram vistas com impaciência por homens cis brancos, por exemplo. Alguns reagiam simplesmente ignorando essa dimensão ou reconhecendo que ela é importante, mas não seria prioritária diante de outras urgências. Outros tinham uma postura mais reativa, acusando essas vozes que rompem o silêncio de serem ‘desagregadoras’ e de instaurarem conflitos que levam a desunião – sem questionar, por exemplo, qual é o preço dessa aparência de união forjada sobre apagamentos.

Em um artigo, Nadège, integrante da Kéfir, uma “cooperativa na América Latina que semeia e alimenta ecossistemas digitais livres, autônomos e feministas”, iniciativa que pude conhecer durante a Primavera Hacker, aponta essa barreira como algo que permeia muitas vezes o campo tecnológico:

Em uma infinidade de comunidades tecnológicas, falar sobre gênero, quanto mais falar sobre o assunto dos feminismos, causa olhos vazios. Adicionar a dimensão de classe e do colonialismo desencadeia curto-circuitos. Outros projetos de companheiros tratam de grupos oprimidos como um todo homogêneo, sem sublinhar relações de poder especCficas. Gênero e feminismo raramente aparecem nos manifestos da tecnologia radical45.

Essa é uma dinâmica que não é nova, nem exclusiva dos movimentos envolvidos com as tecnologias digitais. Resgatando as contribuições da artista e pensadora portuguesa Grada Kilomba, Djamila Ribeiro (2017) pontua:

Kilomba toca num tema essencial quando discutimos lugares de fala: é necessário escutar por parte de quem sempre foi autorizado a falar. A autora coloca essa dificuldade da pessoa branca em ouvir, por conta do incômodo que as vozes silenciadas trazem, do confronto que é gerado quando se rompe com a voz única. Necessariamente, as narrativas daquelas que foram forçadas ao lugar do Outro, serão narrativas que visam trazer conflitos necessários para a mudança. O não ouvir é a tendência a permanecer num lugar cômodo e confortável daquele que se intitula poder falar sobre os Outros, enquanto esses Outros permanecem silenciados (RIBEIRO, 2017, p.80).

Outros estudos já se debruçaram também sobre a perpetuação de normas hegemônicas em espaços de tecnologias livres e autônomas, como a crença na meritocracia, que contribui com a manutenção e invisibilidade da própria desigualdade de gênero e de diferenças de raça, classe, nacionalidade (ARAÚJO, 2018; NATANSOHN, 2013). Em pesquisa recente voltada para

hackerspaces no Brasil, por exemplo, a pesquisadora brasileira Mônica Paz (2015) confronta os

princCpios da cultura hacker e do software livre com as questões feministas, concluindo:

45 DisponCvel em: <https://fermentos.kefir.red/ddow > / . Acesso em: 10 dez. 2018. Original em espanhol: “Sin embargo, en un sin fin de comunidades techies, hablar sobre género, ni hablar de sacar el tema de feminismos, provoca ojos en blanco. Sumar la dimensión de clase y colonialismo dispara cortocircuitos. Otros proyectos de compañeros abordan grupos oprimidos como un todo homogéneo, sin subrayar relaciones de poder especCficos. Género y feminismo rara vez aparece en los manifiestos de los radical tech”.

Embora a comunidade software livre seja baseada na ética hacker, ela também reproduz segregações e divisórias de gênero, gerando processos de exclusão social, que afetam, principalmente, as mulheres participantes. (PAZ, 2015, p.256)

Em relação ao campo das redes sem fio, mais especificamente, a pesquisadora Laura Forlano (2017) aponta que as questões que aparecem em comunidades hackers podem ser carregadas para experiências com redes sociotécnicas:

Desde o começo dos anos 2000, as redes sem fio comunitárias em todo o mundo estão cientes de que, ao construir redes técnicas, elas também estão envolvidas na experimentação de formas sociais, polCticas e econômicas. A natureza sociotécnica dessas infraestruturas é evidente em uma declaração de 2007 de Juergen Neumann, um dos fundadores da Freifunk46, afirmando que a organização era "uma iniciativa social, mas também uma infraestrutura fCsica". Ainda assim, ao mesmo tempo, as redes comunitárias sem fio estão incorporadas em algumas das mesmas comunidades hackers que foram criticadas por sua relação problemática com gênero, raça, classe, sexualidade, pessoas com deficiência etc. (FORLANO,2017, p.2)47.

Vale resgatar que, nesse contexto, existem iniciativas que se desenvolveram com o objetivo especCfico de atuar sobre essas questões e de fomentar o envolvimento de grupos sociais afastados de iniciativas ativistas ou autônomas com tecnologias. Silvana Bahia, coordenadora do PretaLab – um projeto que busca estimular a inclusão de meninas e mulheres negras e indCgenas no universo das novas tecnologias, aponta o papel decisivo das tecnologias digitais na renovação das assimetrias de poder:

As tecnologias estão carregadas com as visões polCticas, econômicas e culturais de quem as cria – e esse poder hoje está centrado nas mãos de homens, brancos, heterossexuais, classe média/ricos. Isso já potencializa uma grande desigualdade, em um mundo cada vez mais digital (…) Quase tudo relacionado a esse campo é caro, em inglês e são raras as polCticas (públicas ou privadas) destinadas ao nosso ingresso e permanência nesses espaços. A falta de referência é outro fator determinante: se ser uma mulher nas tecnologias já é um desafio, imagina para nós, negras. A ausência de referências positivas sobre mulheres negras e indCgenas é uma questão social que perpassa não apenas o mundo das tecnologias, mas os mais variados campos profissionais e de poder48.

Pensar o campo das redes autônomas e comunitárias no encontro com essas perspectivas nos ajuda a refletir sobre os problemas de representatividade e as brechas de acesso, e ir além: nos

46 A Freifunk é uma rede que opera na Alemanha. Em seu site, se apresenta como uma “inciativa não comercial para redes sem fio livres”. Mais informações: https://freifunk.net/en/what-is-it-about/. Acesso em: 20 setembro 2018. 47 DisponCvel em: <http://spheres-journal.org/infrastructuring-as-critical-feminist-technoscientific-practice/>. Acesso em: 28 nov. 2018. Original em inglê: Since the early 2000’s, community wireless networks around the world have been aware that in building technical networks, they are also engaged in experimenting with alternative social, political and economic forms. The sociotechnical nature of these media infrastructures is evident in a 2007 statement by Juergen Neumann, one of the founders of Freifunk, saying that the organization was “social initiative but also as a physical infrastructure.”7 Yet, at the same time, community wireless networks are embedded in some of the same hacking communities that have been criticized for their problematic relationship with gender, race, class, sexuality, ability etc. 48 DisponCvel em: <https://www.pretalab.com/>. Acesso em: 20 set. 2018.

leva a indagar também o risco de ‘comunidade’ se tornar um rótulo que homogeniza grupos e que não apenas ofusque o reconhecimento de conhecimentos e tecnologias locais e múltiplas, mas também reforce dinâmicas de silenciamento mesmo dentro de uma experiência coletiva, livre e autônoma.

A perspectiva feminista interseccional e as crCticas de grupos feministas que são parte desse campo nos ajudam a lembrar que a operação de uma rede comunitária implica relações entre diferentes pessoas e grupos sociais que carregarão diferentes perspectivas, interesses, necessidades, e que, diante da existência de desigualdades, não serão impactados da mesma forma por sistemas sociotécnicos. Aqui consideramos que essas crCticas são fundamentais para que haja uma busca ativa por romper com desigualdades históricas e culturais, e que poderiam ainda ser valiosas para construir redes, por exemplo, mais acolhedoras para diferentes grupos e, portanto, mais resistentes a partir de múltiplas alianças.

Em um dos eventos que participei, uma mulher falava sobre infraestruturas feministas no México. Um homem argentino levantou a mão e disse: “isso tudo parece muito interessante como um exercCcio que vocês estão fazendo lá, mas eu estou mais interessado em saber como vamos derrubar o Google e o Facebook”. Complexo de Deus, hierarquização de lutas, uma noção que o ciberativismo seria a nova teoria social privilegiada para lidar com todas as iniquidades de uma só vez – todas essas coisas passaram pela minha cabeça na hora e se tornaram anotações.

A pergunta, que pode ser importante quando representa uma reflexão sobre formas de organização da vida econômica e social, se torna desleal nesse contexto na medida em que é mobilizada para interditar o debate e pensar micro e macro em oposição. Retomando a ideia de alternativas infernais de Stengers e Pignarre (2011), a oposição de experiências múltiplas e localizadas ao imperativo de derrubar o sistema como um todo pode se tornar um atalho confortável para a não escuta e a resignação.

No decorrer da pesquisa, essa pergunta apareceria muitas vezes de diferentes formas, o que me faria refletir: muita gente acha importante ter mais mulheres, mais pessoas negras, trans, mais diversidade de classe nos espaços e redes, mas não aprofunda a reflexão sobre porque isso realmente é importante. Também não desestabiliza sua condição de neutro – o debate de gênero ainda é pouco construCdo pela perspectiva da masculinidade, assim como o de raça é quase inexistente da perspectiva da branquitude. É fácil concluir que a internet está colonizada e colonizando. Mas é difCcil aceitar que nós, em alguma medida, também.

CAPÍTULO 3 – Conectando redes autônomas e comunitárias com