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CAPÍTULO 3 – Conectando redes autônomas e comunitárias com infraestruturas

3.1. Redes Autônomas e Comunitárias

As redes autônomas e comunitárias podem ser definidas de muitas formas. Um primeiro caminho seria pensar as palavras individualmente, como fazem as coletivas Vedetas, Periféricas e Kéfir no site Redes Autônomas Feministas, onde apontam: “a rede (de infraestrutura digital) é uma malha de pontos que se conectam para possibilitar uma comunicação e troca de arquivos em uma determinada área”, sendo autônoma “aquela que não depende de serviços proprietários e do mercado para ser implementada e se sustentar”. Comunitárias, seguindo essa linha, seriam aquelas implementas, geridas e sustentadas por comunidades em territórios e contextos especCficos49.

Vale notar que essa definição de redes destaca, entre parênteses, que ela está sendo pensada em relação a infraestruturas digitais. Esse é um acréscimo importante, já que esses grupos, como veremos mais adiante, reivindicam a memória como um princCpio importante. Isso significa resgatar, inclusive, a memória de múltiplas redes feministas que já existiam muito antes da expansão das tecnologias digitais em nCvel planetário. Esse resgate acaba sendo uma proposta de ampliar a compreensão de redes enquanto um conjunto de relações que vão além do ato de

49 No decorrer da pesquisa foi possCvel saber de redes estabelecidas em territórios diversos, desde áreas rurais, quilombos e comunidades tradicionais a grandes centros urbanos. Sobre essas redes ver sites de referência sobre experiências de redes comunitárias na página 100.

compartilhar e distribuir acesso a um tipo particular de tecnologia como, por exemplo, aquelas que surgem quando as comunidades reivindicam o uso do espectro eletromagnético50 para construção de

redes de telefonia, rádio e mesh51.

Outro aspecto importante desta definição é o gerenciamento coletivo e compartilhado:

A rede autônoma é construCda e administrada colaborativamente pelos membros de uma comunidade. É preciso que todas as pessoas envolvidas cuidem também para mantê-la em funcionamento. Este cuidado vai desde a parte técnica à gestão. Pode-se propor a criação de núcleos de atenção itinerantes, no qual membros se dividem para cuidar durante um tempo determinado de uma área, depois outra e outra. A ideia é que com isso todas as pessoas que tenham interesse em participar da gestão tenham tido contato com todas áreas, assim descentralizando o conhecimento em um só grupo52.

Uma outra definição com alguns elementos semelhantes foi trabalhada conjuntamente no âmbito do DC3 (Dynamic Coalition on Community Connectivity) – uma coalização de instituições e pessoas que se consideram partes interessadas neste campo, formada no Fórum de Governança da Internet ou IGF (Internet Governance Forum, na sigla em inglês). Na sua declaração mais recente, que pela primeira vez destacou a igualdade de gênero como um princCpio importante, o DC3 apresenta redes comunitárias como “um subconjunto de redes de contribuição colaborativa, estruturadas para serem abertas, livres e neutras53”.

Essas redes, prossegue a declaração54, “contam com a participação ativa das comunidades

locais no projeto, desenvolvimento, implantação e gerenciamento da infraestrutura compartilhada como um recurso comum, pertencente à comunidade e operado de forma democrática”, podendo ser reconhecidas pelas seguintes caracterCsticas:

a) Propriedade coletiva: a infraestrutura de rede é gerenciada como um recurso comum pela comunidade onde é implantada;

b) Gestão social: a infraestrutura de rede é tecnicamente operada pela comunidade;

c) Design aberto: os detalhes de implementação e gerenciamento da rede são públicos e acessCveis a todos;

d) Participação aberta: qualquer pessoa pode estender a rede, desde que respeite os princCpios e o design da rede;

50 Ao pesquisar espectros feministas, Bruna Zanolli (2017) define “o espectro eletromagnético é o intervalo completo de todas as possCveis frequências da radiação eletromagnética no ar, desde as ondas de baixa frequência, nossas queridas ondas de rádio, passando pelo espectro visCvel, a luz; até as de maior frequência como as radioativas ondas gama” (ZANOLLI, 2017, p.49).

51 A mesh é uma rede “conectada em forma de malha com pontos que se ligam através de outros pontos”, que, ao adotar protocolos e topologias mais distribuCdas, podem quebrar a lógica concentradora de outros tipos de redes, segundo o site redes autônomas feministas. DisponCvel em: <http://redeautonomafeminista.org/conceitos.html>. Acesso em: 15 fev. 2019.

52 DisponCvel em: <http://redeautonomafeminista.org/consideracoes.html>. Acesso em: 12 out. 2018. 53 O termo neutra faz referência ao princCpio de neutralidade da rede (ver nota 28).

54 DisponCvel em: <https://www.comconnectivity.org/article/dc3-working-definitions-and-principles/>. Acesso em: 05 dez. 2018.

e) Promoção do peering55 e trânsito: as redes comunitárias devem, sempre que possCvel, estar abertas a acordos de tráfego gratuitos;

f) Considerar preocupações de segurança e privacidade durante o projeto e operação da rede;

g) Promoção do desenvolvimento e circulação de conteúdos locais nas lCnguas locais, estimulando assim as interações da comunidade e o desenvolvimento da comunidade.

Esse conjunto de princCpios em comum funcionam como um amálgama para um campo que abarca realidades diversas, desde redes em áreas remotas às instaladas em cidades densamente povoadas, que existem em paCses que possuem contextos polCticos e históricos distintos e são atravessadas por contradições e por diversos interesses que nem sempre se conectam de forma horizontal, que são gerenciadas por grupos sociais que são impactados de diferentes maneiras por tecnologias digitais e que possuem um rico universo de tecnologias próprias e saberes localizados nem sempre visCveis nos debates sobre redes comunitárias, quando esse é discutido na perspectiva das diretrizes comuns. Para trazer mais materialidade a esse campo, nos eventos que pude acompanhar, além de princCpios como esses, foi comum que a apresentação de redes autônomas e comunitárias já existentes em outros paCses fosse acionada para exemplificar. Foi assim que soube de iniciativas como a espanhola Guifi.net56, a alemã Freifunk57, a mexicana Rhizomatica58 e a

argentina Altermundi59. Ao resgatar o histórico de redes existentes, aspectos como a gestão

compartilhada e independente de empresas ou governo e a descentralização são ressaltados como importantes e, muitas vezes, destacados para politizar uma definição mais ‘técnica’ dessas redes, que poderiam ser entendidas como uma forma de conexão de diversos nós via espectro eletromagnético por tecnologias de telecomunicação, rádio ou wi-fi.

As experimentações com esse tipo de rede ressaltariam, porém, que técnica e polCtica são indissociáveis, assim como parte da literatura mobilizada neste trabalho. Nesse sentido, além dos princCpios de gestão coletiva e autonomia em relação a atores centralizados como os grandes oligopólios de telecomunicação, o formato da rede, ou a sua topologia, em malha (mesh)60 também

informa sobre a expectativa de descentralização que atravessa esse campo:

55 Peering faz referência a capacidade de redes diferentes se conectarem e trocarem tráfego entre si. 56 DisponCvel em: <https://guifi.net/pt-pt/node/54051>. Acesso em: 15 de out. 2018.

57 DisponCvel em: <https://freifunk.net/en/>. Acesso em: 15 de out. 2018. 58 DisponCvel em: <https://www.rhizomatica.org. Acesso em: 15 de out. 2018. 59 DisponCvel em: <https://www.altermundi.net>. Acesso em: 15 de out. 2018.

60 Topologia de rede é a organização da interligação dos nós da rede, e pode ser dividida em: 1) fCsica, quando se refere, por exemplo, à conexão de cabos, e se concretiza em um layout fCsico ou desenho dessas conexões, e 2) lógica, quando se refere ao fluxo de dados ou ao modo como os dados são transmitidos na rede. Diferente de outras topologias possCveis, em que um ponto central leva conexão a outros pontos, por exemplo, nesse caso os pontos se conectam entre si de forma distribuCda. Para que a rede opere nessa topologia, porém, é preciso mudar o protocolo dos roteadores que ligam os seus nós – o que passa por trocar a versão comercial do firmware, ou seja, do conjunto de instruções operacionais programadas diretamente no hardware de equipamentos eletrônicos, que opera por padrão nos aparelhos por alternativas livres, desenvolvida pela comunidade em código aberto.

Consideramos importante a estrutura malha das redes, pois a maior parte das tecnologias que usamos partem de uma lógica concentradora (...) Nesse tipo de rede, é possCvel limitar acessos, impedir pessoas de participar, bloquear sites ou serviços, monitorar os acessos dos demais (...) uma série de controles que usam dessa concentração para manipular o uso da rede. A rede mesh quebra com essa ideia. Não há um nó central na rede. Todos os dispositivos têm a mesma importância, as mesmas configurações e estão constantemente "conversando", trocando informações para garantir a qualidade da rede61.

A constituição de redes na topologia de malha passa pelo uso de softwares livres e pela instalação de protocolos desenvolvidos no campo ativista e não comercial em roteadores comerciais ou mesmo pelo impulso de desenvolvimento de hardwares livres62. Nesta pesquisa, pude também

notar que, muitas vezes, a instalação de uma rede autônomas e comunitária começa a partir de alianças entre diferentes grupos63: a comunidade, em si, ou o grupo polCtico ou territorial local, e

ativistas do campo das tecnologias livres que realizam experimentações em busca de outras formas de conexão. Muitas vezes, o financiamento para a constituição dessas redes acontece via editais de financiadores externos, institucionalizados, envolvendo também organizações da sociedade civil, inclusive de outros paCses, e, por vezes, outros atores institucionais, como universidades e iniciativas públicas e privadas.

Na CryptoRave de 2017, este foi um aspecto que me chamou atenção. Quatro das atividades selecionadas para compor a programação traziam menções sobre redes autônomas e comunitárias na sua descrição, sendo só a primeira com uma perspectiva feminista. Na tabela a seguir reproduzo trechos das chamadas para essas atividades na agenda pública da CryptoRave:

Nome da

atividade Apresentação Link para descriçãocompleta

Oficina:

(Cyber)espaços seguros: Redes Autônomas Feministas

Nesta oficina explicaremos conceitos básicos de redes usando linguagem e metodologia focada no público feminino. Queremos estimular a reflexão sobre tecnologias feministas e como criar

territórios digitais que representem

(Cyber)espaços seguros para mulheres e pessoas trans https:// cpa.cryptorave.org/pt- BR/CR2017/public/ events/125 CooLab MESH: Criando uma rede em 5 minutos com o chef e libremesh

A CooLab tem feitos instalações de redes

comunitárias usando o firmware Libremesh, que se destaca pela estabilidade e facilidade de instalação. Nesse lightning talk, vamos

https://

cpa.cryptorave.org/pt- BR/CR2017/public/ events/77

61 DisponCvel em: <http://redesautonomasfeministas.org/conceitos.html>. Acesso em: 30 de nov. 2018. 62 DisponCvel em: <https://librerouter.org/>. Acesso em: 30 de nov. 2018.

63 Vale destacar que ao falar em alianças entre diferentes grupos não queremos implicar que essas parcerias aconteçam sempre de forma homogênea e/ou horizontal, sendo atravessadas por contradições e negociações que podem variar tanto quanto são diversas as redes autônomas e comunitárias. O objetivo deste trabalho, porém, não foi olhar explorar essas contradições nas experiências conhecidas, nem tentar delinear assimetrias generalizáveis, mas trazer essa visão de sobrevoo sobre o campo das redes autônomas e comunitárias para relacioná-lo com o campo das infraestruturas feministas.

demonstrar como cozinhar um firmware especCfico para sua rede e instalá-lo em roteadores tp-link

CooLab – Rede segura é a que a gente monta!

CooLab é uma cooperativa criada com a missão de financiar, capacitar e conectar os milhões de brasileiros que ainda não tem acesso às

telecomunicações. A cooperativa foi criada a partir de um grupo de pessoas que trabalham em diversos projetos de redes comunitárias. Nossa ideia é propor um modelo autossustentável de criação de redes: os investimentos feitos para infraestrutura são retornados pela comunidade através da exploração da própria rede. Desta maneira, os recursos podem ser aproveitados no próximo projeto, nos permitindo estar

constantemente criando novas redes

https://

cpa.cryptorave.org/pt- BR/CR2017/public/ events/75

Oficina: Nossa rede, nossas regras – montando redes comunitárias

Esta atividade da Cryptorave tem como principal objetivo a apresentação da experiência vivida na Casa dos Meninos na sua construção da Rede de Intranet Base Comum. Também abordaremos o trabalho publicado pela ARTIGO 19 em parceria com o Instituto Bem Estar Brasil e a Associação Nacional para A Inclusão Digital (ANID) no qual se desenvolveu uma metodologia de auxClio para comunidades em construir suas próprias redes.

https://

cpa.cryptorave.org/pt- BR/CR2017/public/ events/96

Esta edição marcou uma oportunidade de contato com grupos não feministas que trabalham com redes autônomas e comunitárias no Brasil, como a Coolab, uma organização de pessoas envolvidas com projetos de telecomunicação comunitária que tem como objetivo “fomentar as infraestruturas autônomas, através da capacitação técnica e ativação comunitária e, sempre que possCvel, financiar esses projetos”, segundo informa em seu site64. O grupo vem estabelecendo

parcerias com comunidades para a instalação de redes mesh65 nos territórios e também promovendo

eventos e oficinas sobre o tema66.

As discussões nesta edição da CryptoRave mostraram ainda que, além de coletivos ou grupos ativistas, há um envolvimento de organizações da sociedade civil de forma institucional nesta agenda, como a ARTIGO 1967, uma organização internacional fundada na década de 1980 em

64 DisponCvel em: <http://www.coolab.org/quem-somos>. Acesso em: 3 agosto 2018.

65 Rede mesh ou rede em malha é uma alternativa de conexão que possui um protocolo de roteamento para fazer a conexão numa topologia de malha, em que pontos se ligam através de outros pontos. (talvez seja melhor colocar essa definação antes, na primeira vez que você fala sobre a rede mesh)

66 Parte das atividades promovidas pela Coolab estão sistematizadas na sua wiki, que pode ser acessada pelo endereço:

http://wiki.coolab.org/index.php?title=Página_principal. Acesso em: 3 agosto 2018. 67 Mais informações: <https://artigo19.org>. Acesso em: 02 dezembro 2018.

Londres e que atua em diferentes paCses nas agendas da liberdade de expressão e direito à informação, e a ANID68, uma associação sem fins lucrativos brasileira que atua na área de

capacitação dos recursos humanos dos provedores de Internet.

Esse cruzamento entre financiadores internacionais, organizações da sociedade civil, coletivos ativistas do campo tecnopolCtico e comunidades territorializadas, que podem ser muito diversas, que estava presente nesta edição da CryptoRave acontece também em outras iniciativas que tomaria conhecimento na pesquisa documental. Na declaração sobre redes comunitárias, a coalizão do DC3 aponta essas redes “podem ser operacionalizadas, total ou parcialmente, através de indivCduos e partes interessadas locais, ONGs, entidades do setor privado e / ou administrações públicas”.

Isso significa que uma parte do impulso para a construção de redes autônomas e comunitárias acontece também sob dinâmicas próprias do encontro entre diferentes grupos com diferentes interesses, considerando que as organizações mais institucionalizadas, muitas vezes, têm maior acesso a editais de financiamento e projetos desenvolvidos diretamente com financiadores estrangeiros ou com o poder público do que as comunidades nos territórios.

O desejo de experimentação tecnológica e de construção de tecnologias livres por grupos e organizações envolvidos nos debates tecnopolCticos age, nesse sentido, como um impulso para este encontro. Boa parte do impulso para a constituição dessas redes é ainda pensada na perspectiva de levar o acesso à internet para regiões que não eram cobertas por serviços privados ou públicos e/ou baratear o seu custo pelo compartilhamento do pacote de internet na última milha69 (VICENTIN,

2016).

Entre as experiências que pude conhecer, como a Fuxico e a Rede Base Comum, para além de uma alternativa de acesso à internet, as redes autônomas e comunitárias também são compreendidas como a possibilidade de constituição de um ambiente de rede local (intranet70) para

trocas entre membros da comunidade. Ou seja, a conexão compartilhada à internet é uma alternativa importante, mas não pressuposto para essas redes, que carregam também o potencial de constituir conexões que escapam ao ambiente da internet a partir das demandas locais e de conhecimentos situados. Como veremos, a constituição de redes e serviços locais têm apresentado uma dinâmica

68 Mais informações: <http://www.anid.org.br/>. Acesso em: 15 ago. 2018.

69 De acordo com Diego Vicentin (2016), “última milha é o termo genérico (porque não corresponde à distância assinalada) usado na engenharia de rede para designar o meio fCsico que liga o núcleo da rede ao usuário final. Trata-se da parte mais dispendiosa na instalação de rede, justamente porque exige a ramificação da rede, seja por cabo (DSL) ou por interface aérea”.

70 Intranet é uma rede interna, ou seja, cujo funcionamento está circunscrita aos limites internos de uma empresa ou comunidade, por exemplo. Apesar de utilizar protocolos de comunicação semelhante, não está conectada à internet.

interessante no encontro com infraestruturas feministas, em que a proposta de descolonizar nosso imaginário, práticas e tecnologias ganha centralidade.

Quando associado aos debates sobre a concentração de poder na internet, o debate sobre as redes autônomas e comunitárias passa a ser feito de modo expandido e, muitas vezes, para além da conexão na internet, aciona também um ideal de maior segurança e autonomia comunicacional. Assim, a partir de múltiplas chaves, as motivações que vem impulsionando experiências com redes autônomas e comunitárias podem variar consideravelmente e se conectar a diferentes agendas polCticas, como resgata Vicentin (2016):

As motivações para a implementação de uma rede comunitária sem fios podem variar muitCssimo, numa amplitude que vai desde o simples desejo por uma conexão à internet que tenha qualidade satisfatória e preço acessCvel, até motivações tecnopolCticas mais refinadas, de grupos que pretendem exercer algum grau de autonomia sobre os meios através dos quais se comunicam, ou seja, querem exercer autonomia sobre seu próprio sistema de informação. DaC que as redes comunitárias se vinculam e se associam a outros movimentos que também atravessam e informam a dimensão tecnopolCtica da realidade (VICENTIN, 2016, p.229).

Muitas destas iniciativas, prossegue Vicentin, aparecem ligadas ao hacking, aos movimentos de software livre e de mCdia alternativa (Indymedia), de rádios livres, de comunidades tradicionais e indCgenas, quilombola, e de proteção do anonimato e da privacidade na rede. Apesar de aparecerem pouco na literatura acadêmica, neste contexto, estão inseridos também movimentos feministas e coletivos de mulheres, antirracistas e pessoas trans e não binárias, que também têm historicamente constituCdo suas próprias redes – experiência que avança para o campo das redes digitais, onde coletivas também expressam o desejo de autonomia em relação a empresas ou ao setor público, como aponta o site Redes Autônomas Feministas:

Atualmente nos conectamos pela internet, que é uma rede controlada, hegemônica, vigiada e capitalista. Uma Rede Autônoma Feminista é uma rede livre da vigilância, do controle, do comércio, da centralização, do patriarcado e do machismo, ou seja, é uma rede essencial para a resistência feminista. A rede autônoma feminista pode se conectar a internet, se houver a necessidade, mas isso será uma opção e não um padrão já estabelecido.

Outro aspecto relevante dos princCpios e das experiências de redes comunitárias conhecidas na literatura71 é o potencial para que, com o próprio o processo de instalação e uso destas redes, a

71 O livro escrito por Schuler (1996) sobre a Seattle Community Network – a rede comunitária de Seatle – é uma das primeiras publicações sobre o tema. De acordo com Vicentin (2016). redes comunitárias como a de Seattle “surgiram na América do Norte nos anos 1990 como resultado da ação conjunta de ativistas ligados à tecnologia e lCderes comunitários, que trabalharam para desenvolver serviços computacionais orientados pela e para a comunidade”. É possCvel encontrar o registro de redes comunitárias sem fios em diversas publicações a partir dos anos 2000 (SANDVIG, 2004; MEINRATH 2005; POWELL, 2006; DEFILIPPI. E TRÉGUER, 2014), conforme sistematiza Vicentin (2016).

comunidade estabeleça interações sociais em torno das tecnologias e infraestruturas – rompendo a sua invisibilidade e também a invisibilidade das decisões que foram tomadas em torno delas (BOWKER; STAR, 1999), como resgata Vicentin (2017):

A infraestrutura é comumente definida de modo relacional na medida em que se coloca como base para uma série de práticas que supõem seu funcionamento. Assim, uma infraestrutura é algo que se toma como dado. Algo invisCvel, que passa despercebido a não ser quando uma falha lhe dá visibilidade ao interromper o fluxo das práticas para as quais serve de base (Vicentin, 2017, p.2).

O Minicurso de Infraestruturas de Redes Feministas do projeto Vedetas nesta pesquisa foi representativo em relação a tornar presente aspectos invisibilizados a partir das interações do grupo de mulheres que participava com infraestruturas. Essas interações estimulam questionamentos e discussões conjuntas sobre assuntos que costumam ser invisCveis, como a própria infraestrutura da internet; a materialidade dos servidores que fica apagada sob o termo ‘nuvem’; a concentração de poder na internet em duas camadas – a de aplicações e a de conexão; segurança e privacidade nesta rede; segurança também perante às violências discriminatórias que perpassam as redes digitais;