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CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS DOS PAPÉIS NA PSICOLOGIA SOCIAL E SUAS ARTICULAÇÕES COM A PEDAGOGIA SOCIAL

Sociocultural Sociopolítico

3.2 CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS DOS PAPÉIS NA PSICOLOGIA SOCIAL E SUAS ARTICULAÇÕES COM A PEDAGOGIA SOCIAL

Uma questão central que nos instiga é: - Por que mudamos nosso jeito de ser em diferentes contextos? Outra indagação fundamental suscitada por Lane (2006, p.75) é: “Como

pode o indivíduo ser ao mesmo tempo, causa e consequência da sociedade?”.

O ser social é construído a partir das relações públicas e relacionamentos íntimos que ele estabelece com os outros desde a sua gestação. Até a criança que está no útero interage com o social, reage à voz dos pais, aos ruídos do ambiente e aos estados emocionais maternos. A cultura influência de modo incisivo na formação do ser social: na expressão, manifestação, temperamento, verbalização, forma de agir e reagir.

A participação em movimentos sociais, políticos, econômicos, esportivos, artísticos, culturais, espiritualistas e religiosos também são exemplos de como os seres humanos buscam se agrupar e criar um coletivo representativo de suas ideias e ideais.

Ninguém vive sozinho ou isolado, pelo contrário, os seres humanos são gregários, vivem em grupos e dependem uns dos outros, seja na alimentação, no acesso a água, no transporte, na escolarização, no trabalho, na afetividade, na sexualidade, no prestígio, no status e no reconhecimento de si, do outro e do nós.

Existem diversas formas de estabelecer as relações sociais no cotidiano existencial humano. Quando interagimos conosco de forma consciente e intencional realizamos um monólogo. Já quando nos relacionamos com mais de uma pessoa formamos um grupo social, como a família e amigos. Os diversos grupos de uma cidade formam o coletivo do município. Estes por sua vez formam uma identidade social, estadual e geram um coletivo nacional, que constituem uma região do hemisfério no planeta Terra, localizado no Universo. E, assim, sucessivamente.

Uma pessoa pode compor em seu cotidiano muitos grupos (família, escola, amigos e trabalho) e alguns coletivos (nacionalidade, time de futebol, grupo religioso, partido político e comunidade na internet), além de estabelecer um padrão de relacionamento consigo mesmo e com os outros.

A área que estuda a constituição do ser social é a Psicologia Social, considerada um subcampo da Psicologia. Esta engloba uma multiplicidade de teorias que convivem com suas várias tendências.

A Psicologia Social tenta contemplar as várias vertentes na tentativa de contribuir para a construção de um conhecimento científico capaz de explicar a realidade social dos novos tempos.

Destaca Lane (2006, p. 8) que “o enfoque da Psicologia Social é estudar o

comportamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente”, como este desenvolve

sua consciência social e reproduz estas condições no meio histórico onde convive e constrói seus relacionamentos.

A Psicologia Social consolidou-se como um campo de desempenho do Psicólogo junto a grupos e comunidades, trata-se de uma área de atuação com objetivos e finalidades ligadas ao estudo e práticas grupais, diferenciando-se da atuação individual em suas formas, métodos e teorias.

Na sequência, serão destacadas as principais teorias ao longo da história que contribuíram para o desenvolvimento, a integração e a interação dos papéis sociais na construção do ser social, grupal e coletivo, a partir dos seguintes pensadores: Wilhelm Wundt41

(2010), Emile Durkheim42

(2007), Gabriel Tarde43

(2007), Gustav Le Bon44

(2000), Erving Goffman45 (2011), Peter Ludwing Berger (2002) e Thomas Luckmann46 (2002).

41 ARAUJO, Saulo. O Projeto de Uma Psicologia Científica de Wilhelm Wundt. Juiz de Fora: UFJF, 2010.

42

DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. Petrópolis- RJ: Vozes, 2007.

43 TARDE, Gabriel. Monadologia e Sociologia e Outros Ensaios. Barcelona: Cosac Naify, 2007.

44 LE BON, Gustav. Psicologia das Multidões. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

45

GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis- RJ: Vozes, 2011.

Quadro 3. Visão Sintética dos Autores da Psicologia Social

Período Autor Teoria Visão

1832 – 1920 Wilhelm Wundt Psicologia dos Povos

A mente é um produto da cultura, sendo estudada a partir das expressões dos povos. 1858 – 1917 Emile Durkeim Representações Sociais e coletivas

Existe um imaginário compartilhado que formam as representações sociais e coletivas.

1843 – 1904

Gabriel Tarde

Imitação A vida social é composta pela imitação dos comportamentos. 1814 – 1931 Gustav Le Bom Psicologia das Massas e da Multidão

As massas e multidões se constituem em um ser psíquico coletivo que favorece o contágio social. 1922 – 1982 Erving Goffman Representação do Eu Cotidiano

Defende que o ser humano atua na sociedade por meio da interação simbólica dos papéis sociais

1929 – 1927 – Peter Berger e Thomas Luckmann Tipificações das representações sociais

Acreditam no processo de socialização como meio de construção simbólica e do imaginário social

(Fonte: Criação de autoria de Juliana Santos Graciani, 2014).

Os autores selecionados para ilustração das teorias que compõem a história da Psicologia Social não se esgotam nesta breve lista, mas foram mencionados por contribuírem nas reflexões e articulações com a fundamentação da Pedagogia Social.

A seguir, serão destacados os principais pressupostos de cada teoria que compõem o arcabouço teórico da Psicologia Social.

Wundt (1832-1920) em suas primeiras pesquisas buscava compreender os atributos comuns da formação do caráter nacional ou o pensamento coletivo do povo alemão. Para tal, utilizou o método experimental da introspecção (auto-observação rigorosa) para compreender os processos básicos da mente (imaginação, sensação e sentimentos). Posteriormente, estudou

outros processos mentais complexos (memória e pensamento) e constatou que a utilização de seus instrumentos de investigação de pesquisa não eram adequados para esse fim, criando então o método histórico-comparativo (Schultz, 2011).

Em seus estudos Wundt (2010) parte do pressuposto que a mente é um fenômeno histórico, um produto da cultura e da linguagem de um determinado povo, não podendo ser explicada nos aspectos individuais, mas, sim, em termos coletivos. Por essa razão, criou a Psicologia dos Povos (Freitas, 1996), que se detém no estudo da língua, da arte, dos mitos e costumes para explicar as produções mentais coletivas originadas das ações de conjuntos de indivíduos (coletivo e grupal) para se chegar à mente individual humana.

Durkheim (1858-1917) também compartilha da visão de Wundt (1832-1920) e desenvolveu o estudo das representações coletivas (mitos, religiões, preconceitos), que se constituem em um fenômeno no nível da sociedade, sendo distinto das expressões individuais. Defende Durkheim (2007) que os sentimentos privados só se tornam sociais quando extrapolam os indivíduos e se associam, formando um imaginário compartilhado (Schultz, 2011), e que se perpetuam no tempo transformando-se em uma representação de toda a sociedade. Por exemplo, as representações infantis serem associadas à ingenuidade, os idosos estarem relacionados à sabedoria ou a imagem da mulher estar associada à maternidade e aos serviços domésticos. Portanto, existe um predomínio coletivo de representações sociais (Schultz, 2011), que vão sendo compartilhadas e socializadas ao longo do tempo formando uma visão da sociedade e da nação brasileira. (Araújo, 2010).

Tarde (1843- 1904) defende que a vida social tem como mecanismo básico a imitação (Schultz, 2011) e que os seres humanos vão se tornando civilizados ou mais transgressores a partir do convívio com as pessoas por meio da imitação dos seus comportamentos, atitudes, pensamentos e sentimentos. Neste processo, a produção individual surge como forma de uma inovação ou descoberta e propaga-se na vida social por meio de novas imitações. Portanto, a imitação também permite uma socialização da inovação individual.

Em suas pesquisas Tarde (2007) constatou que esse fenômeno ocorre no campo pessoal, grupal e coletivo, onde as pessoas de status inferior costumam imitar as de maior status, e que o mesmo ocorre em relação à cultura nacional, fortemente copiada nos vários

estados da nação brasileira, assim como esta repete em muitos aspectos as várias culturas estrangeiras.

Le Bon (1814-1931) criou a Psicologia das Massas ou das Multidões (Le Bon, 2000), defendendo que estas se constituem em seres psíquicos, de características diferentes dos indivíduos, que as compõem e que atuam e influenciam a conduta das pessoas. Quando as pessoas se juntam, perdem suas propriedades superiores e sua autonomia passa a ser regida por uma alma e uma mente coletiva, com propositura independente de seus membros, além de mais primitiva e inconsciente. As pessoas perdem a capacidade de raciocínio e se tornam altamente sugestionáveis, o que as leva a cometer atos de barbárie que não praticariam se estivessem sozinhas, isso ocorre por meio do contágio social.

A partir, das diversas teorias apresentadas de forma sintética, podemos constatar alguns aspectos comuns: os seres humanos se desenvolvem por meio de interações com o mundo interno e externo e vão construindo suas representações sociais e pessoais sobre a vida, os relacionamentos, as pessoas, os lugares e as circunstâncias.

Portanto, nossa construção social do mundo, da sociedade, das Instituições e de nós mesmos, é desenvolvida por meio das interações entre o que percebemos da realidade e aquilo que os outros “dizem sobre elas”.

É desta maneira que vamos criando um imaginário subjetivo, uma representação objetiva da realidade e uma tipificação classificatória de tudo que existe. A opinião das outras pessoas, sobretudo aquelas com grande envolvimento afetivo, influenciam de forma significativa nas formações das crenças, dos preconceitos, dos mitos e da forma de vivenciar o cotidiano existencial.

Goffman (2011, p. 9) destaca que “[...] o papel que um indivíduo desempenha é talhado de acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes”, formando uma

interação social, onde estão presentes dois aspectos: as representações sociais do que as pessoas devem desempenhar e um imaginário subjetivo compartilhado entre ambos que sustentam estas relações.

As representações sociais e a criação do imaginário subjetivo formam a estruturação de pensar, organizar e interagir socialmente, bem como suas nuances contraditórias, como o preconceito e a discriminação.

Aponta Goffmann (2012, p. 692) sobre a interação entre o eu e o social “O outro, aos

meus olhos, está, portanto, sempre nas margens daquilo que vejo e escuto, ele está do meu lado, ao meu lado ou trás de mim, ele está naquele lugar que meu olhar esmaga e esvazia de todo interior”.

Assim, pode se constatar que o olhar de quem vê e observa a realidade interfere no que é observável. Campos (1996) destaca em relação a esta abordagem que as representações sociais modelam as ações do individuo e do grupo no interior de sua formação e simultaneamente são influenciáveis por estes em seus processos de desenvolvimento.

A realidade compartilhada torna-se uma representação social que o sujeito constrói, socializa, comunica, perpetua e que também permite a entrada de novos elementos que possam compor sua transformação. É nesta dialética que Campos (1996, p. 172) afirma permitir “avançar a compreensão da ação individual e grupal como resultante do movimento

entre as categorias já cristalizadas e a renovação que nasce das práticas cotidianas”.

Segundo Berger e Luckmann (2012) a sociedade é uma produção humana social, permeada por um processo dialético da exteriorização e interiorização da realidade, que ocorre a partir da aprendizagem da socialização primária e secundária.

A socialização primária, partir de Berger e Luckmann (2012) é aquela que ocorre na infância permitindo a criação do eu e sua visão de mundo a realidade a partir da integração com determinada realidade. A criança vai adquirindo o conhecimento do papel dos outros e, nesse processo, entende o seu próprio papel, desenvolvendo sua personalidade e caráter por essas ações e suas consequências. Esta socialização primária envolve sentimentos e seu foco de aprendizagem é o da linguagem. Seus principais resultados são a consolidação dos papéis sociais a partir da construção das tipificações compostas por condutas socialmente objetivadas e reconhecidas.

Destaca Berger e Luckmann (2012, p. 169) “todo indivíduo nasceu em uma estrutura

social objetiva, dentro da qual encontra outros significativos que se encarregam de sua socialização. Estes são lhe impostos”.

A socialização secundária é marcada por um processo subsequente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivando de sua integração na sociedade. É o processo de interiorização dos “submundos”, dos setores e instituições, criando uma visão pessoal sobre estes. Os “submundos” são realidades parciais, permitindo uma reelaboração, uma reconstrução das diversas interiorizações da sua realidade.

Berger e Luckmann (2012, p.178), afirmam sobre a formação secundária que “a

extensão e caráter destes são, portanto, determinados pela complexidade da divisão do trabalho e a concomitante distribuição social do conhecimento”.

A socialização primária contribui para a formação da identidade social, essencialmente reprodutora das relações societárias. É o processo de incorporação da realidade, tal como ela se apresenta, ou seja, intenta as relações de produção e reprodução existentes.

Acrescentamos ainda que a socialização secundária produz a formação das identidades e da visão pessoal diante das representações sociais. Nela ocorre a invenção de novos jogos, regras, modelos relacionais a serem vivenciados na sociedade. Portanto, a partir de um processo de diferenciação da realidade social, pode ocorrer, na socialização secundária, uma implementação de novas formas de socialização primária.

O ser psíquico social, grupal e coletivo é constituído por um processo de construção das representações sociais e através do imaginário subjetivo. A forma de construir conhecimentos da realidade vem sendo perpassada pela socialização primária permitindo a criação e uma visão sobre a realidade secundária, que favorece uma particularização dessa percepção. Estas representações sociais que formam as tipificações podem contribuir para o fortalecimento dos preconceitos, das crenças e das vivências de histórias mitológicas.

Já a reflexão crítica sobre o conhecimento promove a percepção e a aproximação da verdade e do respeito às diferenças no convívio humano pessoal e social.

Lane (2006, p.50) afirma que é a partir de uma escola crítica “onde as relações sociais

possam ser questionadas e reformuladas, que propiciará a formação de indivíduos conscientes de suas determinações sociais”, incentivando uma prática de participação pedagógica transformativa.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948, art.1) estabelece que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e

consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

Neste sentido, o uso das representações sociais pode favorecer a construção da cultura de paz e um convívio fraterno e colaborativo, desde que se desenvolvam práticas educacionais que favoreçam estes aspectos.

Assim, defendemos que a atuação do indivíduo na sociedade ocorre por meio de um processo de múltipla determinação, onde influenciamos e somos influenciados pelas experiências na família, na escola, no trabalho, na sociedade, na vivência cidadã, entrelaçada a cultura, as contradições e conflitos emergentes.

Compartilhamos, portanto, de uma posição interacionista na formação do ser social que abarca a metodologia e a didática na Pedagogia Social.

Figura 10. Palavras Mágicas

Fonte: FENABB e FBB. Desenho de Educando Disposto na Agenda de 2013 do Programa Integração AABB Comunidade. Elaboração da autora, 2014.

3.3 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E SUAS INTERFACES COM A