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CAPÍTULO II MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA PEDAGOGIA SOCIAL 2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO SURGIMENTO DA PEDAGOGIA SOCIAL

SER SOCIAL Dimensão

2.2.3 Visão da Concepção de Educação na Pedagogia Social

A Pedagogia Social também é norteada pela explicitação da concepção de Educação a qual está inserida, onde se concretiza a partir da visão de ser humano, de sociedade a ser formada e da maneira de interpretar a atuação social no mundo. A visão de homem revela os princípios que norteiam a existência, a visão de sociedade elucida as relações sociais de manutenção e da sua emancipação e a visão de mundo aponta as perspectivas e a abrangência do campo de atuação do ser humano e da sociedade.

Malheiros (2012) afirma que na formação do Educador Social é relevante adquirir um sólido embasamento teórico científico para atuar de forma consciente e significativa, visando construir valores, princípios e atitudes na prática educativa que integrem e abranjam o campo pessoal, social, familiar, a escola, a cidade, a sociedade e a comunidade.

Libâneo (1994) organiza as várias concepções de educação a partir de duas categorias: as correntes não críticas, que priorizam em seus métodos didáticos a reprodução e a perpetuação dos vários modelos vigentes e as progressistas, críticas à estruturação social, defendem a prática educativa como meio de aprendizagem do educando produzir conhecimento capaz de transformar a realidade que está inserido.

Diante destas reflexões de Malheiros (2012) sobre os modelos de concepção pedagógica Progressistas, podemos identificar duas grandes correntes que permeiam a construção das teorias e das praticas na Pedagogia Social. O Quadro 2 foi organizado a fim de elucidar as concepções Pedagógicas que entrelaçam as correntes progressistas e críticas da Educação: A Corrente da Pedagogia Libertadora e a Crítico Social.

Quadro 2. Modelos de Concepção de Educação que Permeiam a Pedagogia Social

Tendência Papel da Escola

Conteúdos Métodos Relação Educando e Educador Pressupostos Manisfestação Prática Progressis- ta Libertadora Formar o ser humano crítico de seu papel na sociedade Temas geradores extraídos da realidade do aluno Grupos de discussão, troca de experiência e debates Horizontal Aprender é problematizar a realidade Aplicado em educação de adultos e Projetos Sociais Progressis- ta Crítico- Social Buscar a transformação social apoiando-se nos conteúdos Cultura universal aliada a crítica Experiência do aluno é relacionada aos conteúdos universais Mediador entre a experiência e o conteúdo Aprender é desenvolver habilidade para processar informações e transformá- las Está no discurso e em diversas propostas pedagógicas inovadoras

(Fonte: MALHEIROS, Bruno Taranto. Didática Geral. Rio de Janeiro: LTC, 2012, p.34).

A Pedagogia Libertadora (1967, p.13) esta fundamentada na experiência e na teoria proposta por Paulo Freire, onde seu foco principal é valorizar a construção coletiva do saber, de forma participativa, ativa e colaborativa diante da realidade da vida e do conhecimento, visando produzir sua superação, enfrentamento, mudanças e transformações. Esta se fundamenta no círculo de cultura, onde todos envolvidos são aprendentes, tendo como: “[...]

matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica do educando”.

Freire (1967) é fundador de um método de Educação, compreendido como uma prática da liberdade, perpassado pelas seguintes etapas:

1. Etapa de investigação: busca ativa por meio do círculo de cultura, relatos de experiências, reflexões conjuntas entre a realidade dos participantes, palavras e temas mais significativos de suas vidas, valorizando seus saberes já adquiridos, diversidades e territórios de atuação.

2. Etapa de tematização: momento de reflexão crítica dos vários ângulos de uma situação, criação e tomada de consciência do mundo, através da análise dos significados sociais dos temas e das experiências vividas.

3. Etapa de problematização: espaço em que os participantes ampliam os conhecimentos por meio da investigação científica e da cultura popular advinda de pesquisas frente aos novos saberes. Posteriormente a socializam e promovem novas descobertas, exercitando possibilidades e alternativas coletivas.

A seguir, Freire (1970, p.10) ampliou sua teoria propondo uma Pedagogia do Oprimido, onde deu enfoque as relações dialéticas do poder, destacando as nuances da relação entre opressores e oprimidos. Defendeu que o educando é sujeito de seu processo de conscientização e libertação por meio do diálogo com os saberes: “[...] a palavra instaura o

mundo do homem. O homem hominiza-se expressando, dizendo o seu mundo. Ai começam a história e a cultura”.

Freire (1992, p. 32) na sequência de suas obras escreve a Pedagogia da Esperança, onde destaca que faz parte da prática educativa desocultar as mentiras dominantes e acreditar na possibilidade de superação das mesmas. Ter esperança é ser progressista, uma aventura desveladora, uma experiência de conscientização e de posicionamento político. Ressalta Freire (1992, p. 32) que:

“Alcançar a compreensão mais crítica da situação de opressão não liberta ainda os oprimidos. Ao desvendá-la, dão um passo para superá-la desde que se engajem na luta política pela transformação das condições concretas em que se dá a opressão”. (FREIRE, 1992, p. 32). A Pedagogia da Autonomia sistematizada por Freire (1996, p. 25 e 47) destaca diversos saberes necessários a prática educativa. “Ensinar não é transferir conhecimento,

mas criar possibilidades para sua produção ou sua construção. [...] Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

O ato de educar para Freire (1996, p.138) é um momento político de saber, onde ambos se educam em comunhão. Assim, “ensinar exige querer bem aos educandos. [...] na

verdade, preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade e afetividade”, já que a ética do respeito, da decência e estética da amorosidade com boniteza, caminham conjuntamente para este autor.

Ainda afirma Freire (1996, p. 35) que: “[...] educar é substantivamente formar”, é ter coerência pedagógica, é dar o exemplo de inacabamento dos saberes e aceitar o risco de construir algo novo.

Por fim, Freire (2000, p. 9) desenvolve a Pedagogia da Indignação, onde afirma que “[...] as verdadeiras ações éticas e genuinamente humanas nascem de dois sentimentos

contraditórios e só deles: o amor e a raiva”. Estes são compreendidos como “[...] fatores dinamizadores e necessários para transformar os projetos de inéditos viáveis em concretudes históricas”. (FREIRE, 2000, p. 9).

A concepção de Educação de Freire (1967, 1970, 1992, 1996 e 2000) se integra como

uma visão progressista, crítica e libertadora e pode ser considerada como um dos autores importantes da fundamentação teórica e prática da Pedagogia Social.

A Pedagogia Libertadora, do Oprimido, da Esperança, da Autonomia e da Indignação tem por eixo comum desenvolver, formar e incentivar o ser humano crítico do seu papel pessoal, social e protagonista das mudanças que almeja em sua existência.

A seguir, destacaremos a concepção de Educação progressista de Educação denominada Pedagogia Crítico-Social, que também corrobora com a Pedagogia Social se destacando por outra visão na forma de compreendê-la.

São representantes da abordagem da Pedagogia Crítico-Social no Brasil: Demerval Saviani, José Carlos Libâneo, Carlos Roberto Jamil Cury21 e Guiomar Namo de Mello22. Internacionalmente se destacam os seguintes autores que compartilham desta perspectiva

21 CURY, C. R. J. A Propósito de Educação e Desenvolvimento Social no Brasil. Educação e Sociedade. São Paulo: Cortez: CEDES, n.9, mai. 1981.

22 MELLO, Guiomar, Namo de. Cidadania e Competitividade: Desafios Educacionais do Terceiro Milênio. São Paulo: Editora Cortez, 1994.

educacional: Georges Snyders23, Bodgan Suchodolski24, Mario Alighiero Manacorda25 e Wolfdietrich Schnied Kowarzik26.

Segundo Aranha (1996, p.216) a Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos, também pode ser denominada de Pedagogia Histórico-Crítica, já que ambas partem da compreensão da realidade por meio da análise histórica e social “[...] a fim de tornar possível o papel

mediador da Educação no processo de transformação social”.

A Pedagogia Crítico-Social é preconizada por Libâneo (2001, p. 74) que parte do pressuposto de que mesmo nas contradições do sistema capitalista é possível fazer uma análise crítica pedagógica tendo por objetivo sua transformação.

Saviani (2011) é o fundador da Pedagogia Histórico-Crítica que se contrapõe a Pedagogia Tradicional, centralizada na figura do professor como transmissor do conhecimento e num aluno receptivo e passivo em sua forma de aprender.

Ressalta Saviani (2011, p. 37) para que a aprendizagem ocorra por meio da libertação é necessário que “[...] o conhecimento seja apropriado, dominado e internalizado, passando

em consequência a operar no interior de nossa própria estrutura orgânica”. Portanto, exige- se do ser humano uma tomada de consciência deste processo deliberativo, sistemático e intencional, que é o aprender.

Gasparin e Petenucci (2008, p.4) afirmam que a Pedagogia Histórico-Crítica tem esta denominação de duas categorias, a história e a criticidade, porque partem da análise do pressuposto de que “[...] a Educação interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para

transformá-la”.

23 SNYDERS, Georges. Escola, Classe e Luta de Classes. São Paulo: Centauro, 1970.

24 SUCHODOLSKI, Bodgan. A Pedagogia e As Grandes Correntes Filosóficas. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. 25 MANACORDA, Mario Alighiero. Marx y La Pedagogia Moderna. São Paulo: Editora Cortez: Autores Associados, 1991.

Aponta Saviani (2011, p.13) que por meio das relações pedagógicas historicamente determinadas frente aos fenômenos naturais e culturais “[...] compreendendo a educação

como o ato de produzir direta e intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens”.

Também concorda Libâneo (1985) que a Pedagogia Crítico-Social esta imbricada numa visão de Educação vinculada à realidade e ao contexto dos educandos, promovendo a emancipação humana, a liberdade de expressão intelectual e política e uma análise dos vários aspectos econômicos, sociais, históricos e culturais em que as pessoas vivem.

Ambas as Pedagogias Crítico-Social e a Histórico-Crítica defendem e valorizam o papel da escola, como agente de formação cultural, produtor do conhecimento científico, transformando-os em saberes escolares por meio de princípios e orientações das práticas pedagógicas.

O ensino da ciência e do saber escolar não são neutros, estão imersos e integrados nos diversos setores que compõem a sociedade. Neste sentido, se justifica a ênfase dada nestas Pedagogias na necessidade de se ensinar os educandos a desenvolver uma visão crítica dos conteúdos escolares, contextualizando-os numa análise concreta das relações históricas, econômicas, sociais, culturais que envolvem a prática escolar.

Segundo Libâneo (1985, p.3) a Pedagogia Crítico-Social tem por objetivo colaborar de forma efetiva para a formação dos sujeitos pensantes e críticos, a partir de uma abordagem ampla da realidade e de sua problematização, sendo “a culminação desse ensino a aquisição

pelos alunos de conceitos que orientam e fortalecem criticamente suas ações no mundo em que vivem”.

Libâneo (1985, p.3) acrescenta que a tendência atual da Pedagogia Crítico-Social esta baseada na visão histórico-cultural, fundamentada na teoria de Lev Semiónovich Vygotsky (1989) e outras adjacentes a estas.

Para Vygotsky (1989) o ser humano, sujeito do conhecimento não tem acesso direto aos objetos, mas estes ocorrem por meio de uma mediação, diante dos sistemas simbólicos compartilhados, com origem no social.

Marinho (2006, p.10) afirma que “o papel da cultura é fundamental nesse processo,

porque é pela troca cultural que acontece a mediação dos significados e sentidos e a compreensão que vamos construindo sobre a realidade e sobre nós mesmos”.

La Talle (1992, p.26) salienta que a mediação refere-se a um processo de criação de uma representação mental dos objetos, situações e eventos da realidade no universo do mundo interior. Este processo permite a substituição do objeto concreto para uma representação mental. A linguagem é um bom exemplo de sistema simbólico compartilhado entre todos os grupos humanos, constituindo as interações sociais.

Desta maneira, a abordagem histórico-cultural de Vygotsky (1989) defende que o desenvolvimento humano, ocorre por meio da internalização das interações sociais. Estas se manifestam através de dois aspectos simultâneos: uma dimensão interpsicológica no nível social, na medida em que partilhamos significados entre as pessoas com as quais nos relacionamos e outra dimensão intrapsicológica, onde ressignificamos os aspectos expressados e compartilhados no social e transformamos em processos particulares podendo constituir-se em novos sentidos.

Segundo Vygotsky (1989) a abordagem histórico-cultural do desenvolvimento humano, não se funda na concepção inatista, caracterizada por um foco central no sujeito, em sua capacidade interna de lidar consigo e com o meio ambiente e nem na concepção ambientalista, que se baseia num enfoque da influência ambiental para a construção do mundo interior. Esta concepção pauta-se na visão interacionista, centrada nas relações entre o ser humano e o meio externo onde vive e atua.

Saviani (2012, p.11) declara que a Pedagogia Histórico-Crítica busca em sua fundamentação articular os aspectos práticos e teóricos desta interação social, onde “[...]

parte das observações empíricas ao concreto da mediação ao abstrato”, constituindo uma visão do ser humano como síntese das relações sociais, ou seja, seus interesses estão baseados nas condições em que se encontra.

Em relação às características principais da Pedagogia Histórico-Crítica, descreve Saviani (2012, p. 8):

“[...] seus métodos estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão da iniciativa do professor;

favorecerão o diálogo com os alunos, professores e com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão- assimilação dos conteúdos cognitivos.” (SAVIANI, 2012, p.8).

Assim, Saviani (2012) defende que a Pedagogia Histórico-Crítica valoriza o sujeito ativo, a estimulação do pensamento autônomo, a criticidade, a criatividade, a capacidade de pensar, refletir sobre o que aprendeu e a contextualização do conhecimento da história e da cultura.

O processo pelo qual os educandos desenvolvem a historicização e a crítica ocorrem por meio da mediação, a partir da prática social, que é o suporte, o pressuposto e a finalidade da ação educativa.

Saviani (2012, p.8) organizou o método da Pedagogia Histórico- Crítica, a partir de cinco passos de mediação:

1. Prática Social Inicial: Se expressa pela prática social dos conteúdos, buscando identificar o conhecimento prévio do professor e dos educandos;

2. Problematização: Nesta etapa implica a tomada de consciência dos problemas enfrentados pela prática social por meio de explicações;

3. Instrumentalização: Foco nas aprendizagens teóricas e práticas dos conteúdos detectados na ação social;

4. Catarse: É a expressão de uma nova forma de ressignificar a teoria e a prática social e a incorporação desta na própria vida dos alunos;

5. Prática Social Final: Busca-se um novo nível de desenvolvimento do educando, promovendo uma nova proposta de ação a partir do que foi aprendido.

Neste sentido, observa-se que Pedagogia Histórico-Crítica apresenta uma dimensão reflexiva social e cultural sobre os conteúdos, por meio do qual o sujeito ativo no seu

conhecimento, vai ampliando sua visão, aprofundando-a com a finalidade de poder transformá-la.

Destaca Libâneo (2001, p. 83) sobre o processo de aprender a aprender, que é a “[...]

condição que o aluno assume conscientemente a construção do conhecimento, desenvolvendo a capacidade de colocar-se ante a realidade para pensá-la e atuar nela”.

O ensino atua como mediação de uma intervenção pedagógica e na relação ativa do sujeito com os objetos do conhecimento e nesta dialética entre a prática incentivada pelo professor e a automotivação do aluno em aprender, ocorre à interação dos saberes de representações mentais unidas a uma realidade concreta.

Libâneo (1985) explicita que esta interação permite na prática educativa a mediação com a cultura, sua assimilação, internalização, apropriação, produção, e reconstrução de sentidos e significados socioculturais e interculturais.

Ainda acrescenta Libâneo (1985, p.4) que a escola exerce a função de promover e ampliar o desenvolvimento mental e a personalidade do educando pela mediação cultural. Esta consiste “[...] em ações pedagógicas destinadas ao domínio dos conteúdos e ao

desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas”, tornando a dimensão sociocultural constitutiva da condição humana de forma ampliada.

A aprendizagem educativa ocorre pela mediação e influência no convívio dos vários contextos sociais, políticos, econômicos, culturais, artísticos, institucionais, diversificando a intensidade da participação, o grau de autonomia e criticidade na compreensão destas práticas pedagógicas.

A prática educativa torna-se uma prática sociocultural, onde tais condições podem contribuir para a emancipação humana e transformação social, conforme preconizam as correntes progressistas das Pedagogias Histórico-Crítica e Crítico-Social.