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2. Preferências Metodológicas

2.1. Delimitação da Estratégia de Investigação

2.1.2. Contributos para a compreensão do estudo de caso da Autoridade

Ao adotar uma perspetiva analítica alicerçada nos princípios e nos fundamentos da análise organizacional de Friedberg (1994, 1995), tendo presente as perguntas e os objetivos de estudo, configurei uma estratégia de pesquisa correspondente a uma abordagem qualitativa do estudo de caso. Porquê?

O estudo de caso é uma abordagem metodológica amplamente utilizada na investigação sociológica e outras ciências sociais, não obstante alguns autores colocarem algumas reservas e preocupação na discussão dos seus prós e contras (Flyvbjerg, 2004; Grünbaum, 2007; Stake, 1995). No presente estudo, parto do pressuposto de que o estudo de caso é cientificamente aceite, e a sua adoção não necessita de justificação (Silva, 2002). Mais do que estar a provar e argumentar a sua cientificidade ou não, a presente reflexão enquadra-se numa tentativa de clarificação da sua essência e operacionalização aplicado ao objeto de estudo da pesquisa realizada.

Embora seja recorrente a aplicação do estudo de caso às investigações em sociologia, a sua frequente adoção na pesquisa e a sua posição nos diferentes discursos e orientações metodológicos, coloca em evidência que falar de

“caso” não se confunde com a noção de análise de caso (Ragin e Becker, 1992 cf. Silva, 2002).

O termo caso encontra diferentes conceções de acordo com o tipo de perspetiva de investigação11. Na verdade, segundo Ragin e Becker (1992) os casos podem ser definidos como unidades empíricas e ou como constructos teóricos. Segundo os autores, a especificidade da conceção do caso reside na realidade empírica. Por outro lado, para os autores, admitir que um caso é um constructo teórico, significa que o mesmo pode resultar da explicação, da interpretação e da compreensão, dita em profundidade, de uma determinada situação social, inscrita dentro de dadas referências ou perspetivas teóricas que lhe conferem sentido. Assim sendo, parafraseando Ragin e Becker (1992), o reconhecimento dos “casos” não resulta de uma forma especulativa e intencional do autor que o adota, mas decorre da reflexão teórica que permite definir a natureza do caso e as suas relações de interdependência interna e externa na estrutura social. Neste sentido, um caso pode igualmente resultar de uma “convenção”, ou seja, do “acordo” que um autor privilegia e ou estabelece no âmbito de um dado paradigma teórico-metodológico (cf. Silva, 2002).

Na perspetiva de Ragin e Becker (1992), o único caminho para entender e aceitar quer a existência real do caso, quer a conceptualização do seu estudo e a generalização do perfil empírico, passa pela admissão do estatuto teórico dos conceitos. Por outras palavras, é pela definição do “constructo metodológico” (Ragin & Becker, 1992, p.3 cf. Silva, 2002), não como uma causa ou uma mera correlação de situações e factos, que se determina a qualidade do próprio caso e do seu estudo. Segundo os autores que seguimos, para delimitar um caso é necessário adotar três critérios nucleares: o critério geográfico, o temporal e a quantidade de elementos (cf. Silva, 2002).

Face ao exposto, o que é então um estudo de caso? Será o estudo de caso, uma estratégia de abordagem ou um método? Terá sido pertinente adotar na

11 Não há dúvidas que o estudo de caso tem a vantagem de se adequar tanto aos paradigmas quantitativos como aos qualitativos, e diferentes estudos que o adotam têm demonstrando uma flexibilidade que não é evidente na maioria das outras alternativas metodológicas. A noção de caso é diversa. Por exemplo, as investigações quantitativas debruçam-se sobre vários casos, enquanto as investigações qualitativas, por sua vez, se debruçam sobre apenas um caso, ou um pequeno conjunto de casos (cf. Silva, 2002).

investigação realizada, uma abordagem assente num estudo de caso? De acordo com Hamel (1992) e Ragin e Becker (1992), será mais correto definir um estudo de caso como uma estratégia de abordagem que utiliza, por sua vez, vários métodos. Tratando-se de uma estratégia de abordagem, é de considerar que é a forma como as questões são colocadas que faz com que o caso exista objetivamente e que seja investigável. Assim sendo, reforça-se aqui a ideia de que é através da forma como se pretende abordar o objeto de estudo que se poderá afirmar que este é ou não um estudo de caso (cf. Silva, 2002).

De relevar que, para Yin (1994), um estudo de caso trata-se de “um estudo empírico que investiga um fenómeno contemporâneo dentro do seu contexto real; quando as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são claras; e em que são utilizadas múltiplas fontes de dados» (1994, p. 13). Na perspetiva deste autor, esta perspetiva metodológica e ou estratégia metodológica, pode ser aplicada para (1) explicar relações causais nas intervenções da vida real que são muito complexas para serem abordadas pelos survey ou pelas estratégias experimentais; (2) descrever o contexto da vida real no qual a intervenção ocorreu; (3) fazer uma avaliação, ainda que de forma descritiva, da intervenção realizada; (4) explorar aquelas situações onde as intervenções avaliadas não possuem resultados claros e específicos (Yin, 1994).

Ainda segundo Yin (1994), existem dois tipos de estudos de caso, contendo cada um dois níveis analíticos: (1) estudo de caso simples, com um (Tipo 1) e ou vários níveis de análise (Tipo 2); (2) estudo de caso múltiplo com um (Tipo 3) e ou vários níveis de análise (Tipo 4).

No âmbito da presente investigação, a estratégia de pesquisa adotada segue a perspetiva de um estudo de caso “múltiplo” com um nível de análise, uma das propostas por Yin (1994), na medida em que o foco da investigação situa-se nas dinâmicas organizacionais dos processos de qualidade nas diferentes direções de finanças da Região Alentejo (Beja, Évora, Portalegre).

Para além das razões expostas, a opção pelo recurso à metodologia do estudo de caso assenta igualmente em justificações de outra natureza. Uma outra

razão, situada ao nível da estratégia de pesquisa, está estreitamente ligada com a tipologia das questões colocadas para a investigação: O que? Como? Porquê? E quem? Segundo Yin (1994), será através da localização destas quatro questões que se poderá estruturar um estudo de caso. Neste sentido, poderá ser um estudo descritivo (quem? como?), um estudo exploratório (o quê? ou qual?) ou explicativo (porquê?). Assim sendo, de acordo com o design de investigação proposto por Yin (1994), incidi no modelo de “o quê e ou qual”. No entendimento deste autor, a formulação destas questões é fundamental para a determinação e justificação da opção pelo estudo de caso, sendo esta a metodologia preferida sobretudo quando o “o quê” é colocado, que, em termos estritos. Por outras palavras, significa que o investigador tem pouco controlo sobre os processos, e que a investigação se centra sobre um fenómeno contemporâneo contextualizado na vida real (Yin, 1994 cf. Silva, 2002).

Na realidade, de acordo com a minha experiência vivenciada na AT e descrita anteriormente, formulei as seguintes perguntas de investigação que respondem claramente à tipologia de design de estudo de caso exploratório e descritivo: a) De que se fala quando nos referimos à qualidade na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na Região do Alentejo? b) Quais são as formas predominantes e de preferência de ser e de agir que os quadros superiores da AT da Região Alentejo privilegiam nas dinâmicas organizacionais da ação estratégica e organizada, relacionadas com a implementação e desenvolvimento de modelos de qualidade nas áreas tributárias e fiscais? Face ao exposto, não nos pareceu ser possível, no contexto da presente investigação, optar por uma outra estratégia metodológica. A adoção do modelo de estudo de caso “múltiplo” com um nível de análise e de natureza exploratória, justifica-se essencialmente pela natureza dos objetivos de estudo, pela especificidade do próprio caso e pelo tipo de informação que pretendi recolher e analisar, circunscrita num espaço socio-organizacional da AT na região Alentejo, com atores detentores de experiências, perspetivas e olhares sobre o mundo organizacional eventualmente díspares.

Apesar da minha opção e parafraseando Silva (2002) e Silva e Domingos (2015), estou consciente das diversas críticas que possam ser imputadas a este procedimento metodológico, e que passam pela falta de rigor, pela influência do investigador (falsas evidências, visões deturpadas), pela ausência de consistência para generalizações e pela sua extensão e difícil conclusão. No entanto, subscrevendo ainda os argumentos de Silva (2002) e Silva e Domingos (2015), e no que respeita à generalização dos resultados, não é esse o objetivo da pesquisa realizada, mas sim a produção de conhecimentos sobre objetos singulares de ordem local, como são as dinâmicas da ação organizada e regulada dos processos de qualidade e dos projetos de simplificação e de desmaterialização na AT da Região Alentejo.

2.2. Procedimentos para a Recolha, Tratamento e Análise da