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1. Desafios e Dilemas Organizacionais e a Administração Pública e Tributária

1.2. Qualidade e Ação Organizacional

1.2.3. Revisita à ideia de ator e sistema

Olhar as organizações como um sistema não é novidade. Silverman (1971) foi um dos autores pioneiros na teorização sobre a ideia de ação nas organizações. A sua conceção da realidade social como socialmente construída, socialmente conservada e socialmente modificada leva-o a encarar, ao nível organizacional, os fins da organização, ao mesmo tempo que os enquadra na problemática da ação. Partindo do conceito de fins organizacionais, o autor questiona o facto dos membros de uma organização serem capazes de perceberem os fins dessa organização para poderem orientar as suas ações nesse mesmo sentido.

De relevar que Silverman (1971) não nega a existência da organização enquanto sistema, mas adianta que, se por um lado, se pode considerar o

comportamento dos atores enquanto reflexo da estrutura organizacional, por outro lado, essa organização pode ser vista como o resultado da interação de pessoas motivadas que procuram resolver os seus próprios problemas. Nesta perspetiva, o meio envolvente da organização poderá ser considerado como uma fonte de significado graças à qual os indivíduos definem as suas ações e dão um sentido às ações dos outros atores. O autor reconhece que o quadro de referência acionista pressupõe em si mesmo a existência de um sistema que é fruto da ação humana e é por ela condicionado. Contudo, acrescenta ainda o autor que este quadro de referência não explica de uma forma satisfatória a realidade do sistema que é a organização, ao mesmo tempo que o modelo sistémico não consegue, também ele, dar uma explicação satisfatória à ação.

Na perspetiva de Crozier e Friedberg (1977), o sistema organizacional não é algo dado a priori, mas sim um produto resultante da liberdade dos atores, ou seja, resulta de um constructo social. Subjaz nessa tese, a conceção racional da ação, através da qual as estratégias dos atores comportam intrinsecamente a sua própria racionalidade. Esta visão estratégica de Crozier e Friedberg (1977) privilegia a noção de poder enquanto dimensão essencial do processo de interação entre os atores sociais. Para os autores, estas trocas entre os membros pertencentes à organização não eliminam a realidade própria da organização, admitindo que veiculam no seu seio diferentes jogos e interesses entre os atores. Acrescentam ainda os autores que o caráter cooperativo numa organização só se mantém através das diferentes conceções das suas relações entre os atores da organização. Em última instância, existe um caráter indeterminado do jogo dos atores enquanto fenómeno central do funcionamento organizacional.

Assim sendo, a tese de Crozier e Friedberg (1977) permite fazer relevar uma grande diversidade de fenómenos contrastantes que são vividos no interior das organizações, assim como coloca em evidência a importância das regras que caracterizam o jogo dos atores como um constructo social que institucionaliza e condiciona, por sua vez, os jogos dos atores sociais. Subjaz ainda no seu

modelo o conceito de incerteza enquanto elemento central da explicação do jogo dos atores sociais, noção que permite compreender porque é que existe a ação e a liberdade de ação, assim como o comportamento dos atores organizacionais perante as diferentes situações de ação. Para os autores, a organização não é uma entidade monolítica, dirigida a partir do topo, ou submissa a um conjunto de regras dominantes. Segundo os autores, a razão lógica das estratégias racionais que os atores protagonizam nas organizações, são dinamizadas em função dos objetivos que os atores perseguem e dos meios de ação que privilegiam, dentro do seu contexto organizacional. Argumenta ainda Crozier e Friedberg (1977) que o facto das organizações se manterem significa que os objetivos dos atores sociais podem ser repartidos, postos em comum e partilhados, ou, pelo menos, que esses atores tenham interesse em manter a organização, uma vez que esta constitui o meio privilegiado onde são organizadas e estruturadas as suas relações.

A realidade da organização enquanto sistema foi igualmente objeto dos trabalhos teóricos de Thompson (1967), tendo procurado o autor construir uma tentativa de síntese das grandes correntes que, na sua perspetiva, caracterizam o campo das ciências organizacionais: os sistemas fechados e os sistemas abertos. O autor interessou-se sobretudo no estudo das organizações enquanto tais e não tanto pelo que se passa no seu interior. Sem negar o contributo de cada indivíduo no seio da organização, a sua atenção centrou-se nas forças impessoais que originam ou potenciam a transformação das organizações. Argumenta ainda o autor que perspetivar as organizações como sistemas que devem produzir resultados, significa ter em conta que exista uma racionalidade modele o seu funcionamento, embora tenha que ter em consideração a presença de uma incerteza, que provém do contexto e da técnica, e que impõe alguns limites a essa racionalidade. Thompson (1967) afirma que são estes fatores (racionalidade, técnica e contexto), e a forma como se combinam, estruturam a própria organização.

Para o autor, existe uma distinção entre os sistemas fechados e os sistemas abertos no que respeita às organizações. O sistema fechado realça,

sobretudo, a racionalidade e a eficiência, procurando eliminar todos os fatores de incerteza restringindo-se ao que pode ser planificado e dominado em função de uma lógica de otimização dos fatores que contribuem para a obtenção de resultados. Quanto ao sistema aberto, Thompson (1967) afirma que este acentua a existência de uma multiplicidade de fatores que afetam a organização e a impossibilidade manifesta de predizer o seu impacto e ainda menos de os dominar.

A influência do meio envolvente nas organizações enquanto sistemas sociais foi objeto de Pfeffer e Salancik (1978) procuraram demonstrar o modo como os contextos da organização afetam e condicionam o seu funcionamento, e a forma como ela reage a esses condicionalismos externos. Para os autores, é importante compreender o contexto no qual a organização evolui, isto é, o seu meio envolvente, que designam como “ecologia da organização”. Argumentam os autores que organização não pode ser tida como adquirida, uma vez que ela faz tudo o que é preciso em ordem à sua sobrevivência. Essa sobrevivência depende da sua eficácia, sendo que esta se encontra, por sua vez, diretamente relacionada com a forma como a organização considera as necessidades dos grupos de interesse de que ela depende em termos de recursos. Para os autores, um dos fatores críticos para a organização consiste na aquisição e manutenção de recursos, recursos esses que dependem de outras organizações ou grupos aos quais ela se encontra ligada. Consideram ainda os autores que as organizações são associações de interesse, constituídas por participantes que aceitam fazer parte das mesmas com a finalidade de verem satisfeitos os seus objetivos.

Ainda de acordo com Pfeffer e Salancik (1978), as fronteiras organizacionais permanecem fluidas, imprecisas e móveis, estando diretamente relacionadas com outras entidades que giram em torno do núcleo duro da organização. Para os autores, a organização deve ser entendida como um sistema aberto de relações com outros grupos mais ou menos organizados, onde as suas fronteiras se esbatem. Estes autores demonstram que o meio envolvente da organização não é necessariamente o meio objetivo, mas sim o meio

percebido pelos atores sociais, e é este meio envolvente que domina, com efeito, a estratégia organizacional.

Reed (1992) argumenta que a racionalidade organizacional no interior das sociedades modernas tem aparecido desde sempre como uma extensão do poder do ser humano sobre o seu meio envolvente. Para o autor, os diferentes quadros conceptuais existentes a este nível, perspetivam a organização como um sistema social determinado pelo seu meio envolvente; ou consideram a organização como um constructo negociado entre atores; ou analisam a organização como um sistema de poder e de dominação; ou referem a organização como um constructo simbólico e a organização enquanto prática social. Para Reed (1992) existe uma grande fragmentação ao nível das teorias organizacionais, originada pelo grande alargamento dos temas estudados a este nível. Em suma, segundo o autor, a organização deve ser entendida como lugar de integração de fenómenos sociais e como um dos principais vetores estratégicos do desenvolvimento da modernidade, tendo em consideração a capacidade reflexiva dos seres humanos na reprodução e mudança dos sistemas sociais.

Assim sendo, na análise organizacional não é possível ter apenas em conta as estratégias dos atores ou aquilo que é determinado pelos sistemas sociais. Parafraseando Reed (1992) e outros, uma organização não depende única e exclusivamente do exterior, mas é a sua capacidade de estruturação a nível interno que contribuirá para a forma como consegue sobreviver.