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2. Preferências Metodológicas

2.1. Delimitação da Estratégia de Investigação

2.1.1. Perspetiva estratégica como preferência analítica do diagnóstico

Diagnosticar significa literalmente “ver através de” e estabelecer um conhecimento que possa ultrapassar o senso comum que permita criar uma nova luz sobre a realidade social (Gonnet, 1994). Julgo ter dado a conhecer de forma implícita na introdução que o foco principal do trabalho realizado não consiste em saber os aspetos formais do grau de desenvolvimento das práticas de gestão da qualidade no quotidiano das diferentes direções de finanças do Alentejo (Beja, Évora, Portalegre), mas sim o desejo de interrogar e conhecer como é que os técnicos tributários com funções de liderança, apreendem, avaliam e a explicam a realidade das dinâmicas de ação organizada no quotidiano do trabalho relacionado com os projetos de qualidade, em geral e como apreciam e classificam, de acordo com as suas experiências e vivências, os projetos concretos, tais como o de GPS (gestão de processos e serviços).

As diferentes perspetivas apresentadas na Parte 1 revelam o campo plural dos modelos teóricos para a análise organizacional. Apesar deste facto, tomei como ponto de partida a preferência analítica a orientação estratégica da corrente francófona crozieriana e friedberguiana, entre outros. Ao privilegiar

uma abordagem pela via da ação organizada, não se tratou de uma opção do acaso. A escolha dos horizontes do diagnóstico sociológico por esta via resultou da reflexão efetuada, tomando como pano de fundo a ideia de que os atores constroem o contexto, no qual as ações estratégicas operam e que as organizações constituem arenas estratégicas, onde interagem e manifestam as redes de negociação e de poder, delimitadas por formas de regulação específicas de controlo da administração tributária e fiscal. Por outras palavras, as premissas que sustentam a análise das dinâmicas de ação organizada no quotidiano do trabalho relacionado com os projetos de qualidade, encontram a sua ressonância nos três aspetos fulcrais da análise estratégica (Friedberg, 1994, 1995; Crozier e Friedberg, 1977): a) Um ator capaz de cálculo e de escolha; b) o poder como meio e ou forma de troca; c) o contexto de ação como sistema de ação concreto.

Fazer referência ao ator no diagnóstico organizacional, não significa a aceitação a priori da sua racionalidade e capacidade de cálculo, admitindo-o como um indivíduo utilitarista, tradutora de plena lucidez ou consciência. A noção de racionalidade utilizada no estudo realizado é a de racionalidade limitada, dito no sentido simoniano. Privilegiei, assim, a perspetiva de que os técnicos tributários são atores estratégicos e simultaneamente um ator humano, empírico, calculista, mas moldado de sentimentos e emoções. Por outras palavras, admito que um ator dispõe de si próprio e dos outros, participando na elaboração dos seus interesses, comportamentos, atitudes e desejos, razão pelo qual se pode entender que qualquer técnico tributário é um indivíduo que não absorve passivamente o conteúdo que o rodeia, e que, por se tratar de um ser ativo, se adapta simultaneamente às regras de jogo do seu contexto de ação e as modifica através da ação (Friedberg, 1994, 1995; Silva, 2004b; Silva e Domingos, 2015).

A segunda premissa da análise estratégica é o poder enquanto meio ou forma de troca. De acordo com Silva (2004b) e Silva e Domingos (2015), na perspetiva de Crozier e Friedberg (1977) e Friedberg (1994, 1995), o poder está sempre presente em todos os contextos de ação de qualquer ator, quer

em ambiente de conflito, quer no campo da cooperação. Ter em conta o fenómeno do poder, não significa uma preferência pela dimensão política e de dominação, antes porém, traduz a vontade e o desejo de conhecer as capacidades de ação no seio dos sistemas de ação organizada, e compreender as suas problemáticas da dependência e da interdependência, a nível dos comportamento e competências que condicionam o funcionamento formal e informal da organização. Segundo os autores que seguimos, o poder está ligado à noção de competência e à capacidade de mobilização dos recursos. Interessei assim pela capacidade dos atores para construir a relação com outrem, para se situar em relações de negociação e de discussão, para assumir situações de dependência e da interdependência pessoal e coletiva, e para explorar as oportunidades oferecidas pelo contexto (Crozier e Friedberg, 1977; Friedberg, 1995; Silva, 2004b; Silva e Domingos, 2015).

Tendo em consideração as duas premissas descritas acima, a forma como o ator estrutura as suas relações, designa-se de sistema de ação concreto. Esta é a terceira premissa da análise estratégica. Para os autores que seguimos, a maneira como os atores organizam o seu sistema de relações para resolver os problemas concretos colocados pelo funcionamento da organização, fazem-no em função dos seus objetivos que são sempre um compromisso entre os seus próprios fins e os da organização. De acordo com Silva e Domingos (2015), subentende-se assim que, na tese crozieriana e fridberguiana, o ator não existe fora do sistema, mas o sistema também impõe constrangimentos aos atores. Reconhecer a importância da interação ator-sistema, é admitir que o comportamento dos indivíduos não é completamente determinado pelos objetivos e estruturas das organizações. Assim sendo, na perspetiva de Crozier e Friedberg (1977) e Friedberg (1995), o sistema é fundamental para a inteligibilidade da realidade organizacional.

Ao privilegiar a análise organizacional das dinâmicas da qualidade e dos seus projetos de simplificação e desmaterialização na AT, segundo os pressupostos da análise estratégica, não significa que anulei a importância doutras perspetivas analíticas. A verdade, é que tomei igualmente em atenção a

noção de ator, enquanto produtor de regras num contexto de regulação conjunta do sistema de ação. Tal como argumenta Reynaud (1997) e Friedberg (1995), a ideia de regra está associada ao ator, considerando este dotado de recursos do poder legitimado pela sua competência, para o domínio das relações com o meio, para a gestão das comunicações, e a construção do conhecimento das regras de funcionamento. A verdade, é que as regras e as normas que regulam as relações entre atores, não são apenas um meio de negociação. Tal como notam, Silva e Domingos (2015), são fundamentais para assegurar a eficácia das estruturas de produção, representando mecanismos de articulação no interior das organizações, ou seja, formas de regulação (quer de controlo quer a autónoma), que, segundo Reynaud (1997), configuram-se, também, como fontes concorrentes no sistema de ação. Aliás, para o autor, “de um modo geral, a regulação numa organização tem duas formas concorrentes e é, em cada momento, o resultado de um compromisso” (Reynaud, 1988, p.5). Este compromisso, no seu entendimento, faz-se entre a autonomia e o controlo, daí resultando o que designa por “regulação real”. Acrescenta o autor que nesta relação de interação entre os atores, o fator que assume maior importância na análise organizacional é o conhecimento das regras do jogo (Silva, 2004b; Silva e Domingos, 2015).

Assim sendo, falar da análise estratégica no âmbito do estudo realizado, implicou ter em atenção a diversidade de ações e comportamentos individuais e coletivos. Subscrevi assim a tese de que cada ator, enquanto indivíduo que faz parte de um determinado sistema organizacional, vai construindo um espaço, uma zona de incerteza e regras próprias (Lautman, 1994). Para os autores que seguimos, as perspetivas da análise estratégica são transversais à “omnipresença de processos de negociação explícitos ou implícitos e a aprendizagem coletiva” (Lautman, 1994, p. 182). Ou seja, uma organização é essencialmente um produto misto de processos formais e informais, comportando uma regulação mista na ação e jogo dos atores, onde as regras são sempre ambivalentes, na medida em que os atores ora tentam negociá-las e contorná-las, ora procuram proteger-se a partir delas (cf. Silva, 2004b; Silva

Em suma, assumir uma aproximação à perspetiva da análise estratégica e organizada como preferência analítica do diagnóstico sociológico, significa sobretudo um investimento no conhecimento sobre o meio (Gonnet, 1994; Silva, 2004b; Silva e Domingos, 2015) assumindo uma postura de natureza mais indutiva, privilegiando a abordagem qualitativa como valor pragmático de análise, tendo em consideração no trabalho no terreno a procura e a reconstrução específica “a partir do interior” das lógicas e das propriedades particulares das ordens locais da AT.

Assinalo ainda como nota final neste ponto que o desenvolvimento do estudo realizado, tratou-se de um desafio, tendo procurado esclarecer as minhas dúvidas sobre a ação organizada e regulada das dinâmicas da qualidade e dos seus projetos de simplificação e desmaterialização na AT na região do Alentejo, a partir do terreno, colocando como principais perguntas de investigação, já referidas anteriormente na introdução, o seguinte:

1.   De que se fala quando nos referimos à qualidade na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na Região do Alentejo?

2.   Quais são as formas predominantes e de preferência de ser e de agir que os técnicos tributários da AT da Região Alentejo privilegiam nas dinâmicas organizacionais da ação estratégica e organizada, relacionadas com a implementação e desenvolvimento de modelos de simplificação e desmaterialização dos procedimentos no âmbito da gestão da qualidade nas áreas tributárias e fiscais?

Tal como referi na nota introdutória, formulei como objetivos gerais de estudo o seguinte:

1.   Aprofundar o conhecimento sobre a matriz simbólico-valorativa da ação estratégica e organizada da base metodológica do trabalho dos quadros superiores da AT da Região Alentejo;

2.   Conhecer o processo de gestão pública da qualidade, as lógicas de simplificação e desmaterialização dos procedimentos na AT da Região Alentejo e as suas implicações na ação estratégica e organizada do quotidiano das atividades tributárias e fiscais.

Considerei ainda como objetivos específicos do estudo o seguinte:

1.   Identificar as configurações da ação estratégica e organizada que subjazem na AT da Região Alentejo e no desenvolvimento de projetos de simplificação e desmaterialização dos procedimentos no âmbito da qualidade nas direções de finanças de Beja, Évora e Portalegre;

2.   Caraterizar as formas predominantes e de preferência de ser e de agir que os quadros superiores com funções de liderança na AT da Região Alentejo privilegiam nas dinâmicas da ação estratégica e organizada, relacionadas com o projeto de qualidade GPS – gestão de processos e serviços nas áreas tributárias e fiscais.

2.1.2. Contributos para a compreensão do estudo de caso da Autoridade