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Princípio da presunção de inocência no Brasil

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 91-94)

CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA

4 O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ENQUANTO CLÁUSULA PÉTREA

4.2 Princípio da presunção de inocência no Brasil

No direito brasileiro debate-se a extensão do princípio da presunção de inocência, entendido como um princípio que impede a outorga de consequências jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do trânsito em julgado da sentença criminal.

Discute-se, por exemplo, se o debatido princípio causaria uma eventual proibição contra a prisão preventiva ou cautelar ou se contrariaria tal postulado a valoração dos antecedentes criminais antes do trânsito em julgado.

Desde logo, assentou o Supremo Tribunal Federal que o princípio da presunção de inocência impede que se lance o nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.23

No caso da prisão cautelar, o tribunal tem enfatizado que a sua decretação não decorre de qualquer propósito de antecipação de pena ou de execução penal, estando jungido a pressupostos associados, fundamentalmente, à exitosa persecução criminal.

Do mesmo modo, aceitam-se como legítimas as medidas cautelares concernentes ao processo, de caráter investigatório, como a interceptação telefônica, por exemplo.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no artigo 5º, LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, consagrando, assim, explicitamente, no direito positivo constitucional, o princípio da não culpabilidade.

A discussão sobre este princípio antecede, entre nós, o advento da Carta de 1988. No Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal indagou-se sobre o significado do princípio da não culpabilidade a partir da disposição contida no artigo 153, §36, da Constituição de 1967/1969.

Em julgados de 17 de novembro de 1976, o Supremo Tribunal Federal reformou uma decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, na qual se afirmava a inconstitucionalidade de norma que estabelecia a inelegibilidade dos cidadãos que estivessem respondendo a algum processo-crime24. A lei federal estabelecia que cidadãos denunciados pela prática de crime não eram elegíveis.25

O Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a inconstitucionalidade dessa disposição, por ser incompatível com o princípio da presunção de inocência. Esse princípio, postulado universal do direito, referido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, teria sido incorporado à ordem constitucional brasileira, por meio da cláusula constante na Constituição de 1967, artigo 153, §36. No entanto, o Supremo Tribunal Federal não aderiu a esse entendimento e, por maioria de votos, reformou a decisão, sem negar, no entanto, que o princípio da presunção de inocência poderia encontrar aplicação na ordem jurídica brasileira. Seria legítimo, todavia, estabelecer restrições legais ao direito do cidadão, ainda que na ausência de decisão judicial definitiva sobre sua culpabilidade.

23 BRASIL. Habeas corpus nº80.174. Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 12-4-2002. 24 BRASIL. RE nº86.297, Rel. Min. Thompson Flores, RTJ, 79, p.671.

Recusou-se, desta forma, a posição que acolhia o princípio da presunção de inocência como integrante da ordem constitucional brasileira por força da cláusula de remissão contida no artigo 153, §36, da Constituição de 1967/69. Ademais, entendeu-se que a não culpabilidade não era apta a impedir a adoção de medidas restritivas a direitos de eventuais acusados no processo eleitoral.

A extensão do princípio da não culpabilidade voltou ao Plenário do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADPF nº144/DF. Entendeu-se que a pretensão da arguente, Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), não poderia ser acolhida, e que a inelegibilidade, gravíssima sanção a direito político essencial, só se justificaria quando fundada em condenação definitiva proferida em processo judicial.

Ao prestar informações necessárias à instrumentalização da ADPF, o então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ayres Britto, fez consignar:

A posição deste Tribunal Superior Eleitoral também tem levado em consideração o princípio da não-culpabilidade (Constituição Federal, artigo 5º, LVII), a estabelecer que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Para melhor compreensão do posicionamento desta nossa Corte, farei juntar a estas informações cópia de dois recentes acórdãos ilustrativos dos debates então encetados, proferidos nos julgamentos do Recurso Ordinário 1.069-RJ (caso Eurico Miranda) e da Consulta 1.261-PB26.

Em seu voto como relator da ADPF nº144/DF, o ministro Celso de Mello teceu considerações relevantes ao estudo proposto:

Não obstante golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos, que preconizam o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário, a presunção de inocência, legitimada pela ideia democrática, tem prevalecido, ao longo do seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade humana.

[...]

A repulsa à presunção de inocência, com todas as consequências e limitações jurídicas ao poder estatal que dela emanam, mergulha suas raízes em uma visão incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático, impondo, indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos, restrições não autorizadas pelo sistema constitucional.

[...]

Há, portanto, um momento claramente definido no texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação criminal. Antes desse momento – insista-se – o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público, um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades.

Em respeito ao princípio da presunção de inocência, o ministro Celso de Mello decretou, na conclusão do seu voto como relator da ADPF nº144, que a mera existência de sentença penal condenatória ainda não transitada em julgado não configuraria hipótese de inelegibilidade, assim como não impediria o registro de candidatura de qualquer candidato. Esse julgamento foi proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 06 de agosto de 2008. À exceção dos ministros Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, os demais acompanharam o relator, Celso de Mello.

No documento Luis Antonio Rossi.pdf (páginas 91-94)