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2.3 Funções executivas no futebol

2.3.2 Controle inibitório e flexibilidade cognitiva no futebol

Componente de processos executivos, o controle inibitório envolve processos cognitivos relacionados ao controle do comportamento, da atenção, do pensamento e/ou emoção, permitindo a inibição de comportamentos ou rotinas automáticas e a execução de rotinas controladas ou conscientes em prol do que é mais apropriado ou preciso (DIAMOND, 2013). Assim, esse processo cognitivo tem sido associado com o sucesso no futebol devido sua importância na realização de tarefas complexas, nas quais se exige dos indivíduos ações eficientes no jogo (VESTBERG

et al., 2012).

Durante uma partida de futebol da categoria sub-20 um atleta que normalmente joga na função de lateral apoiando o ataque é levado a utilizar o controle inibitório, quando precisa inibir esta ação ofensiva quando o treinador solicita ao mesmo que deixe de apoiar o ataque e que somente realize esta ação quando lhe for solicitado. Outro exemplo em que o atleta necessita inibir uma ação ofensiva é quando o atacante espera o momento certo para não entrar em impedimento.

Desta forma, a capacidade para inibir respostas prepotentes e/ou ações em andamento mostra-se importante para uma atuação bem sucedida no futebol (VESTBERG et al., 2012; VERBURGH et al., 2014; HUIJGEN et al., 2015). Neste caso, um maior controle inibitório por parte do atleta pode representar maior controle de atitudes impulsivas como o cometimento de faltas desnecessárias que frequentemente gera resultados indesejáveis para o atleta e para a equipe.

Considerada um dos componentes essenciais das funções executivas a flexibilidade cognitiva envolve a capacidade de o indivíduo modificar o seu comportamento frente às alterações do ambiente e responder eficientemente aos estímulos imprevisíveis que podem surgir durante a realização de uma tarefa (DIAMOND, 2013). Para a autora, a flexibilidade cognitiva viabiliza o pensamento criativo, uma vez que possibilita o indivíduo mudar o curso de uma ação e

rapidamente realizar uma resposta alternativa e apropriada a partir da análise das informações do ambiente.

Durante uma partida de futebol da categoria sub-20 o atleta utiliza a flexibilidade cognitiva, quando, por exemplo, dribla o oponente direto tanto para dentro quanto para fora, fazendo isto com base na leitura da linguagem corporal do defensor e/ou do sistema de cobertura da defesa adversária.

Nesse entendimento, a capacidade do atleta de perceber as mudanças e reagir a elas rapidamente adaptando-se às situações diversificadas, também se mostra relevante para um melhor rendimento na realização de tarefas dinâmicas e imprevisíveis, como no futebol (VESTBERG et al., 2012; VERBURGH et al., 2014; HUIJGEN et al., 2015). Diante disso, uma maior flexibilidade cognitiva por parte do atleta pode representar uma maior capacidade de adaptação, de solução de problemas e de improviso frente à constante imprevisibilidade do jogo de futebol.

Diferentes tarefas são usadas para avaliar o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva. No presente estudo, será utilizado o Teste dos Cinco Dígitos (SEDÓ, 2004; SEDÓ; DE PAULA; MALLOY-DINIZ, 2015). De acordo com autores o teste envolve quatro componentes, sendo: Leitura, Contagem, Seleção e Alternância. Os dois primeiros componentes são mais relacionados à atenção simples e velocidade de processamento cognitivo, enquanto os dois últimos são mais dependentes da atenção seletiva e funções executivas (inibição e flexibilidade). Constitui-se como uma adaptação do paradigma Stroop utilizando números e a respectiva compreensão de quantidades, dependendo menos da capacidade individual de leitura, escolarização formal e capacidade de descriminação de cores (OLIVEIRA et

al., 2014). O Quadro 3 apresenta a descrição do Teste dos Cinco Dígitos (SEDÓ,

QUADRO 3 - Descrição das etapas do Teste dos Cinco Dígitos.

Etapa Descrição

Leitura Nesta primeira etapa o avaliado deve ler o algarismo contido dentro de cada um dos

cinquenta quadrados estímulo em uma condição congruente (ex.: “2 – 2” lê-se dois).

Contagem Na segunda etapa, é necessária a contagem de asteriscos (ex.: “* *” lê-se dois).

Seleção

A terceira etapa envolve componentes executivos controlados, como controle inibitório, pois requer que o indivíduo conte a quantidade de números no quadrado alvo enquanto inibe a resposta de ler os mesmos (ex.: “5 – 5” responde-se dois, ao invés de cinco).

Alternância

A quarta etapa (Alternância) se assemelha a etapa de seleção, porém, dentre os cinquenta quadrados estímulos, dez se diferenciam por apresentar uma borda escura adicionando-se uma nova condição ao teste. Nestes estímulos o indivíduo deverá reverter a regra, ao invés de contar a quantidade de números, deverá nomear o algarismo que está dentro do quadrado estímulo de borda escura.

Fonte: Sedó, De Paula e Malloy-Diniz (2015).

No presente estudo, a medida utilizada para avaliar o rendimento dos atletas foi o tempo gasto para completar as tarefas em cada etapa. Os escores de controle inibitório e flexibilidade cognitiva são computados subtraindo-se o tempo de leitura do tempo de seleção e do tempo de alternância, respectivamente (OLIVEIRA et al., 2014; PAIVA et al., 2016). A Figura 3 exemplifica os estímulos nas quatro etapas do teste.

FIGURA 3 - Estrutura explicativa do Teste dos cinco dígitos.

Furley e Memmert (2010) compararam as medidas de memória de trabalho entre os atletas de basquetebol e estudantes universitários sem nenhuma experiência com esportes de equipe. Os resultados demonstraram que os atletas de basquetebol não apresentaram diferença significativa em relação aos estudantes universitários nas medidas de memória de trabalho.

Vestberg et al. (2012) compararam o nível das funções executivas de atletas de níveis competitivos distintos (primeira, segunda e terceira divisão) da liga sueca de futebol, através de uma bateria de testes neurocognitivos que avaliaram a criatividade, a inibição de respostas e a flexibilidade cognitiva. Verificou-se que os atletas de níveis competitivos mais elevados apresentaram as funções executivas mais desenvolvidas do que os atletas de níveis competitivos inferiores. Os resultados demonstraram que as funções executivas são importantes para o rendimento no futebol, e que sua avaliação através de testes neuropsicológicos validados pode estabelecer se os atletas possuem a capacidade para atingir altos níveis de rendimento (VESTBERG et al., 2012).

Gonzaga et al. (2014) investigaram a influência da tomada de decisão afetiva no comportamento tático de atletas de futebol da categoria sub-15. Verificou-se que os atletas com os escores mais altos de comportamento tático defensivo e comportamento tático de jogo apresentaram melhores resultados na tomada de decisão afetiva quando comparado a atletas que possuem escores mais baixos de comportamento tático defensivo e de jogo. Os resultados apontaram que a tomada de decisão afetiva é uma medida importante para prever o nível de comportamento tático a ser alcançado por jovens atletas de futebol.

Verburgh et al. (2014) compararam o nível das funções executivas de atletas de futebol amadores ao de atletas de futebol talentosos. Os autores avaliaram três componentes de funcionamento executivo (inibição motora, atenção e memória de trabalho). Os resultados demonstraram que os atletas de futebol talentosos são superiores aos atletas amadores na supressão de respostas motoras e na capacidade de atingir e manter um estado de atenção.

Furley e Memmert (2015) testaram a hipótese de que a capacidade de memória de trabalho seria um fator restritivo na criatividade dos atletas alemães do futebol profissional. Os autores revelaram que a capacidade de memória de trabalho não está associada à criatividade em tarefas específicas do futebol.

Especificamente, foi demonstrado que a capacidade de memória não é um fator limitante na tomada de decisão criativa entre os atletas profissionais de futebol. Portanto, não houve benefícios para os atletas de futebol com uma maior capacidade de memória de trabalho na busca de soluções criativas para situações específicas de futebol.

Huijgen et al. (2015) investigaram as funções executivas (memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva) em jovens atletas de futebol de elite e sub-elite. Os autores revelaram que os atletas de elite superaram os atletas de sub-elite nas medidas de controle inibitório e flexibilidade cognitiva. Porém, não foram encontradas diferenças relacionadas à memória de trabalho entre esses atletas. Em conclusão, os autores inferem que os atletas de futebol juvenil de elite têm um melhor controle inibitório e flexibilidade cognitiva em relação aos atletas de sub-elite e destacam a necessidade de estudos longitudinais para investigar mais a importância das funções executivas para identificação e desenvolvimento de talentos no futebol.

Assim, verifica-se que ainda não existem evidências consistentes sobre a eficácia das avaliações neuropsicológicas como marcadores de rendimento e seleção de talentos esportivos no futebol de rendimento, sobretudo, na categoria sub-20. Os estudos são incipientes, mas já apontam que avaliação neuropsicológica de atletas de futebol fornece indicativos sobre o nível cognitivo e da sua relação com o rendimento destes atletas. Estas avaliações revelam-se como mais uma alternativa que contribui multidisciplinarmente no árduo processo de recrutamento, treinamento e desenvolvimento de futuros atletas de futebol nas diferentes categorias presentes no futebol. Portanto, novas investigações que contemplem a avaliação das funções executivas em atletas que jogam em clubes grandes e em clubes pequenos de futebol da categoria sub-20 podem auxiliar para um melhor entendimento do quanto essas capacidades podem contribuir para o sucesso dos atletas na competição e, sobretudo, no processo de profissionalização desses atletas.