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cONtROVÉRSIAS AcERcA DO tRAbAlhO E DA PAz

mARIANNE LACOmbLEz

PROFESSORA CAtEDRátICA DA FACULDADE DE PSICOLOGIA E CIêNCIAS DA EDUCAçãO. CENtRO DE PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE DO PORtO. CPUP (FCt)

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Falar de paz no trabalho não deixa de ter a sua dose de provocação…

Porque sabemos quanto o trabalho, nas nossas sociedades, evoluiu no seio de relações intrinsecamente desiguais entre a entidade empregadora e as pessoas contratadas. É, aliás, o padrão de referência do Direito do trabalho, o de compensar esta desigualdade originária - tendo em conta que a subordi- nação e a dependência económica do trabalhador são suscep- tíveis de limitar ou anular a sua capacidade de fazer valer os seus direitos. O ordenamento jurídico nesta matéria estrutura, então, e delimita, os poderes de direcção e de organização do empregador, submetendo-o a um controlo externo – conten- do os poderes dos responsáveis da empresa dentro de limites juridicamente configurados e regulados.

Será então possível e/ou desejável construir um estado de “paz” neste tipo de contexto?

A “paz social” no mundo do trabalho foi, na verdade, objec- to de valorização, em vários momentos da história das nossas sociedades industriais – seja com um empenho particular por parte de representantes das entidades empregadoras, seja por Estados que deram como objectivo global o de limitar as tur- bulências suscitadas pelas reivindicações de quem trabalha. E Portugal não deixou, durante várias dezenas de anos, de reve- lar o que resulta desta concepção do Estado.

mas não tenciono referir agora os altos e baixos desta longa história da paz social no mundo do trabalho, das suas ambi- guidades e das controversas que já suscitou.

Prefiro situar o meu contributo, reflectindo acerca das rela- ções que a psicologia do trabalho acabou por ter com a questão da paz e do conflito.

E com esta perspectiva, falar da paz no trabalho acaba por ter a sua dose de desafio – porque a Psicologia do trabalho foi, sem dúvida, atravessada pela dinâmica suscitada por esta preocupação.

Podemos talvez referir sobretudo, na história desta disciplina científica, o período do pós segunda guerra mundial, em que, nos países abalados pelo conflito, dominou o projecto de uma reconstrução das economias nacionais baseada num largo consenso entre os parceiros sociais - apostando nas potencia- lidades de uma participação activa e real dos trabalhadores e seus representantes na deliberação de todos os assuntos que lhes diziam respeito.

Foi nesta conjuntura que algumas pesquisas, financiadas pela CECA, permitiram consolidar o que acabou por constituir o paradigma da Psicologia do trabalho Europeia.

trata-se de um quadro analítico cujo principio básico é que o respeito dos direitos dos trabalhadores em termos de salvaguarda da sua saúde e segurança no e pelo trabalho, é compatível, em determinadas condições, com a preocupação da entidade empregadora de conseguir uma rentabilidade do

processo de produção. Por outras palavras, a ideia defendida é que um processo de produção concebido de modo a não co- locar em risco o bem-estar dos trabalhadores, só ganha com isto – não só em termos morais, mas também em termos de rentabilidade de longo prazo.

Um dos objectos de pesquisa centrais desta tradição cientí- fica resulta, precisamente, dessa aposta: frequentemente, o trabalhador acaba por se encontrar em situações em que não consegue, ao mesmo tempo, respeitar as normas de produção que lhe foram definidas, e as normas de segurança susceptí- veis de atenuar o risco de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais. Neste caso, os objectivos de rentabilidade e de preservação da saúde entram claramente em conflito e, na lar- ga maioria dos casos, face a este tipo de dilema, o trabalhador acaba por optar pelo respeito das normas de produção, pondo então em risco a sua integridade física e psíquica.

É, nomeadamente, por isso que, nos últimos 30 anos, graças aos contributos da psicologia do trabalho, embora integra- dos, obviamente, numa abordagem pluridisciplinar, evoluiu bastante a legislação nesta matéria da higiene e segurança no trabalho – de modo a garantir, apesar de tudo e o melhor possível, a prevenção de qualquer tipo de risco e o princípio de precaução em caso de existência de alguma ameaça para a preservação da saúde de quem trabalha.

todavia, esta história é longe de se revelar linear… Para re- ferir um exemplo concreto, as pesquisas que desenvolveu a Profª Carla barros (barros Duarte & Lacomblez, 2006) con- tribuíram a evidenciar o quanto é difícil desencadear um pro- cesso de declaração e reconhecimento de doenças. tratam-se de pesquisas realizadas em Portugal, mas a questão também é levantada nos mesmos termos noutros países da U. E.

Aliás, os nossos colegas franceses costumam lembrar o caso emblemático do amianto: desde há muitos anos, os efeitos dramáticos da sua foram cientificamente demonstrados – e registados no inicio dos anos 70 por peritos do ministério do trabalho francês; mas só passaram a ser reconhecidos como tal quando as vítimas começaram a se organizar colectivamente, interpelando a justiça em nome de princípios e direitos fun- damentais - à vida, à saúde, à dignidade, conseguindo então modificações importantes da legislação, no fim dos anos 90.

Assim, neste caso como noutros, a ruptura e o passo para a frente só se operaram graças ao conflito.

O que conduz alguns autores a afirmar que, em matéria de condições de trabalho, as evoluções fazem-se, frequentemen- te, quando a ausência de consenso acaba por ser discutido no palco público e político (henry, 2004).

Esta tomada de consciência está a levar a psicologia do traba- lho para certas evoluções – não só em termos de cenários de intervenção, como também no plano teórico.

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

Em termos de intervenção, as pesquisas da Profª Carla bar- ros passaram a privilegiar uma perspectiva que optou por ul- trapassar o nível da empresa, situando-se ao nível do território – colocando assim a questão, de certo modo, na cena pública. Partiu-se do princípio que todos os dados necessários existem mas que não são efectivamente e devidamente considerados, nem pelos médicos que devem cuidar da saúde, nem pelos empregadores que devem avaliar o risco, nem pelos trabalha- dores que são confrontados com os riscos diariamente, nem mesmo pelos organismos que têm responsabilidades na gestão da saúde no trabalho.

O objectivo do projecto desenvolvido foi então de constituir, na linha de projectos também desenvolvidos por alguns cole- gas europeus, redes de apoio, no pla no regional, susceptíveis de sustentar um outro processo de diagnóstico, declaração e reconhecimento das doen ças profissionais e, a longo prazo, um saneamento dos locais de trabalho.

No plano teórico, temos também assistido a evoluções significativas.

Yves Schwartz (Schwartz & Durrive, 2010), por exemplo, for- malizou melhor o que se passa na gestão das actividades de trabalho – definindo essas actividades como uma sucessão de arbitragens, de opções entre várias alternativas que, na reali- dade, se situam sempre face a dois pólos, num espaço que, por isso é definido como “tripolar”:

1. Pólo das gestões Do trabalho. No trabalho.

As dramáticas de uso de si nas situações de trabalho

stricto sensu.

temporalidade da construção para um património de experiências de trabalho.

2. Pólo do mercado

ordenado aos valores quantitativos, mensuráveis, mercantis.

Os valores sem dimensão subordinados aos valores mercantis. Gestão económica, financeira, contabilística. temporalidade volátil das circulações monetárias.

3. Pólo da politeia

orientado aos valores “sem dimensão”

A política, a deliberação nos órgãos da democracia sobre os “bens comuns”. Os valores mercantis teoricamente subordinados aos valores sem dimensão. temporalidade de longa duração dos princípios constitucionais ordenados aos valores globais da politeia. Problemas dos novos espaços políticos e novas instâncias de regulação, para além dos Estados (ex.: Direito comunitário) ou aquém deles (ex.: poder das Regiões em França).

eixo da vivência com os outros como problema comum

Integração dos valores sem dimensão nas gestões do trabalho. Retratamento dos valores a partir da actividade.

> igualdade das pessoas numa sociedade de direito.

eixo da actividade humana

Submissa à troca mercantil. Espaço de confrontação entre

as gestões do trabalho” e a gestão por ratios escritos

> subordinação jurídica e/ ou relações hierárquicas

eixo da confrontação dos dimensionamentos

e das fontes de produção das normas antecedentes:

público/mercado.

> o exercício do poder

● Gestão da segurança/prevenção ● Lógicas competência

● Démarche de qualidade ● Condução de projecto ergonomia de concepção

● Construção de indicadores de eficácia, painéis de bordo ● Gestão de recur - sos humanos ● Construção de ratios de produtividade 1. Pólo das gestões 2. Pólo do mercado 3. Pólo da Politeia Escolha dos ● alocatários de recursos Gestão dos ● serviços públicos Direito social, ● direito do trabalho Intervenção do ● Estado na vida das empresas trocas sociais ● Intervenção dos ● Estados na regulação dos mercados através dos órgãos nacionais ou supranacionais Direito comercial ● direito dos negócios

Eixo da “vivência com os outros” como problema comum

Eixo da actividade humana

VOL 1. Família, Justiça,

soCial e Comunitária

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O Pólo II, dito “do mercado” que funciona na base de valores quantitativos e por comparações de interesses e de mais-valia, de benefícios, de rentabilidade;

O Pólo III, dito “da Politeia”, do direito, e nomeadamente do direito à saúde, do político, dos órgãos da democracia – carre- gado de valores ditas “sem dimensão” para os diferenciar dos valores do pólo do mercado.

Espaço este em que temos então o Pólo I, das gestões, da ac- tividade humana – da dramática da actividade humana – que pensa, pondera, debate as normas e os valores produzidos pe- los dois outros Pólos – e vai gerindo os conflitos potenciais – ou já reais, visíveis, concretos.

A ideia de Yves Schwartz (Schwartz & Durrive, 2010) é que a história não resulta de um simples face a face entre o pólo do mercado e o da Politeia; mas que esta história passa pelas controversas de todos os dias em que cada um acaba por de- sempenhar um papel, precisamente pelas micro-arbitragens que acaba por assumir em situações intrinsecamente definidas pelo conflito e normas e de valores.

Percebemos assim que, numa mesma empresa, acabam por coexistir sempre várias posturas face aos dilemas do dia a dia. Como o realçou Yves Clot (2006; 2010) que, numa empresa há, por exemplo, várias concepções do “trabalho bem feito” – por um lado, aquelas que privilegiam critérios de eficiência produtiva e/ou normas de qualidade predefinidas no âmbito dos processos de certificação; e, por outro lado, aquelas que são próprias aos operadores de primeira linha, que resultam da sua experiência do trabalho concreto e real desenvolvida graças ao progressivo conhecimento das especificidades do processo de produção, deste conhecimento que acabaram por adquirir do que costuma correr bem, mas também do que sa- bem que podia correr melhor e que tentam resolver.. trata-se neste caso de uma outra concepção do que é o “trabalho bem feito”. Uma concepção enraizada no dia a dia do trabalho real – e que, em geral, é mal ou pouco conhecida pelos responsá- veis da empresa.

Yves Clot (2006; 2010) defende então que esta coexistência de concepções diferentes tem que ser gerida, não numa procu- ra de consenso, mas sim no âmbito de um processo de debate, confrontação, discussão dos fundamentos dos pontos de vista. Só desta forma é que passam a ser reunidas as condições de uma progressão da vida em comum. Não acredita no que pode parecer pacífico; só acredita nas potencialidades do conflito – citando por isso bakhtine, filósofo do diálogo: o que é partilha- do tem pouco interesse; é o que não é partilhado que é fonte de desenvolvimento colectivo.

Dito com outras palavras: o mundo do trabalho não progri- de com uma negação do conflito, com a procura de uma paz – que só pode ser aparente, só pode enganar; progride, sim, criando condições para uma confrontação das divergências explicitadas.

reFerênCias

• barros Duarte, C. & Lacomblez, m. (2006). Saúde no traba- lho e discrição das relações sociais. Laboreal, 2, (2), 82-92. • Clot, Y. (1999/2006). A Função Psicológi-

ca do trabalho. Petropolis: Editora Vozes. • Clot, Y. (2008/2010). trabalho e poder de

agir. belo horizonte: Fabrefactum.

• henry, E. (2004). Quand l’action publique devient né- cessaire : qu’a sig nifié « résoudre » la crise de l’amiante ? Revue française de science politique, 54, 2, 289-314. • Schwartz, Y. & Durrive, L. (2003/2007/2010; s/

dir). trabalho e ergologia: conversas sobre a ativi- dade humana (organizadores da edição brasileira: milton Athayde e Jussara brito). Niteroi: EDUFF.

tRAbAlhO, PAz E DEMOcRAcIA:

UMA tROIKA PARA O SÉcUlO XXI

hERmES AUGUStO COStA

SOCIÓLOGO, PROFESSOR AUXILIAR

DA FACULDADE DE ECONOmIA DA UNIVERSIDADE DE COImbRA INVEStIGADOR DO CENtRO DE EStUDOS SOCIAIS

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RESUmO

Propõe-se uma reflexão em torno de três palavras-chave que com- põem aquilo que se poderia designar de troika para o mundo do tra- balho no século XXI. Por um lado, recuperam-se algumas das visões, significados e desafios que se colocam à noção de trabalho. Por outro lado, aponta-se a via da paz laboral como meio não só para o reco- nhecimento do valor do trabalho como para a afirmação cidadã pelo trabalho, mas sem deixar de ter em conta o papel da(s) luta(s) como meio, muitas vezes incontornável, para a pacificação dos espaços e contextos de trabalho. Por fim, sustenta-se que só realizando o traba- lho em condições democráticas, i.e., em clima de liberdade, autono- mia e criatividade, é possível abrir caminho à construção de formas de paz e mecanismos de bem-estar social na esfera produtiva.

AbStRACt

It is proposed a reflection on the three key-words that make up what might be called a troika to the world of work in the twenty-first centu- ry. On the one hand, some of the visions, meanings, and challenges of the notion of work are recovered. On the other hand, it is argued that the road to peace is a means not only to recognize the value of work, but also the claim of citizenship through work. this does not mean, however, the denial of the conflict as a means for the pacification of spaces and work contexts. Finally, it is argued that only doing the work under democratic conditions, i.e., in an atmosphere of freedom, au- tonomy and creativity, it is possible to open the way to peace building forms and mechanisms of social welfare in the productive sphere.

A construção da paz no trabalho é certamente uma inevitabi- lidade perseguida por todos aqueles que, directa ou indirecta- mente e enquanto parte da população activa, pretendem que o fruto do seu trabalho, investimento e dedicação saibam a recompensa e não a frustração. Numa época em que a troika “real” (FmI-UE-bCE) veio até nós, convirá fazer apelo a uma outra troika (porventura mais virtual porque nem sempre possível de concretizar, o que não significa que seja menos de- sejada) para o mundo do trabalho, pois estou em crer que será em torno desta que será possível almejar caminhos virtuosos para a construção de uma paz no trabalho.

Assim sendo, as palavras-chave que podem animar a cons- trução de uma troika para o mundo do trabalho no século XXI são, a meu ver, trabalho, paz e democracia. três termos que, em bom rigor, se completam e apoiam mutuamente de modo inclusivo. trabalho, desde logo, porque enquanto ideal a per- seguir ele continua a ser foco de integração social, identida- de e motivação. Paz, porque só num clima de pacificação das relações laborais, de segurança no emprego e de dignificação (humanização) do trabalho e das condições em que ele é pres- tado é possível encarar o futuro com maior confiança. O que não significa, porém, que a paz se faça ou se vá fazendo sem recurso ao conflito (como terei ocasião de dar conta abaixo). Democracia, porque só com trabalho realizado em condições de liberdade, autonomia e criatividade é porventura possível realizá-lo também em clima de paz. Estas são, pois, três pala- vras de uma troika que se pretende que seja não (mais) uma troika do nosso descontentamento, mas uma troika indutora de confiança no futuro e de maior esperança para as relações laborais. Nesta reflexão deter-me-ei, assim, em cada um da- queles termos pela ordem enunciada acima.

1. o traBalHo: visões, signiFiCados, rePresentações

Um primeiro olhar sobre o trabalho prende-se como uma vi- são sócio-histórica da sua evolução. Pegando nas sugestões de João maria mendes (2008: 118-119), dir-se-á que pelo menos quatro entendimentos atravessaram historicamente o traba- lho: por um lado, um elemento punitivo (consagrado na figura de Adão e toda a sua progenitura, que são condenados a traba- lhar); por outro lado, a ideia trabalho como reversão salvífica (observada a partir do Antigo Regime/entre o Renascimento e as Revoluções Liberais, o que corresponde à Idade moderna e, mais tarde, a partir do século XIX, à associação entre socia- lismo e movimento operário, em resultado da qual o trabalho passou a ser visto como o “messias do mundo moderno”); em terceiro lugar, um elemento da relação com a natureza (pela criação das máquinas o homem seria progressivamente um dia dono da natureza, ainda que historicamente esta relação entre trabalho e tecnologia, como forma de controlar a natureza, deambulou entre o lado “bom” (Dr. Jekyll) e lado “mau” (mr. hyde), com ainda recorda J. m. mendes; por fim, o trabalho

contemporâneo, dos dias de hoje, muito associado às novas

formas de polivalência e fragmentação, às novas modalidades de emprego, ao (galopante) fenómeno do desemprego, etc.

De igual modo, na linha de João Freire (1998), o trabalho[1]

acolhe diferentes tipos de significados, certamente porque de-

1 Para João Freire (1998: 27), trata-se de “actividade deliberadamente concebida pelo homem, consistindo na produção de um bem material, na prestação de um serviço ou no exercício de uma função, com vista à obtenção de resultados que possuam simultaneamente

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

senvolve vários tipos de relações: com a natureza, com a pro- dução (de bens e mercadorias para consumo), com os serviços (prestação de serviços entre pessoas), com a ideia de tran- sacção (troca de bens materiais), com a noção de criação (o trabalho é invenção e descoberta), com espaços/instituições (organizações), etc.

Diferentes formas de trabalho apontam hoje cada vez mais para rotas de sentido precarizante: recibos verdes (ou melhor, falsos recibos verdes)[2], contratos a prazo[3], trabalho tempo-

rário, trabalho a tempo parcial, trabalho na economia infor- mal[4], são apenas alguns dos rostos das novas morfologias do

trabalho (Antunes, 2006) no século XXI. Ora, a criação da paz ou a ausência dela não pode dissociar-se dessas diferentes mo- dalidades que, em muitos casos, fecham mais a porta à paz do que a abrem. talvez por isso não tenha causado estranheza, ao longo da última década, a identificação de teses opostas quan- to ao lugar/centralidade do trabalho na sociedade.[5]

Por um lado, autores mais pessimistas têm vindo a advo- gar a tese do fim do trabalho, permitindo-se, assim, o uso de expressões como “êxodo da sociedade salarial/não-classe de não-trabalhadores” (André Gorz), “o trabalho não garan- te identidade” (Claus Offe), “fim do trabalho”; fim do traba- lho formal a caminho de um “mundo sem trabalhadores”; ou ainda a “máquinas = novo proletariado” (Jeremy Rifkin), “trabalhadores temporários permanentes”; “brasileirização do ocidente” (Ulrich beck), “só por acaso o trabalho cria laços so- ciais (Dominique méda).

Por outro lado, autores mais optimistas defendem a tese da centralidade do trabalho, apontando, por exemplo, as virtua- lidades da sociedade informacional (manuel Castells), reafir- mando que não há alternativa à civilização do trabalho e que é crucial distinguir entre consistência do trabalho (perdida) e importância do trabalho (ganha) (Robert Castel), bem como redescobrir o trabalho de forma democrática, por meio de um novo contrato social (Santos, 1998)[6].

mas independentemente das diferentes formas (configura- ções, morfologias), de trabalho, estou em crer, sobretudo na linha das teses mais optimistas sobre a centralidade do traba- lho, que mesmo não havendo um mercado global de trabalho, estamos no mínimo diante do trabalho enquanto recurso glo- bal. Não no sentido de haver trabalho (ou pelo menos empre- go) para todos, mas de ser uma referência pela qual as pessoas se guiam e orientam (Santos e Costa, 2004: 18; Costa, 2008:

utilidade social e valor económico, através de dois tipos de