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Portugal: imigração e Criminalidade Algumas das conclusões retiradas acerca da população imi-

IMIgRAÇãO DIREItOS hUMANOS E INtEgRAÇãO VERSUS cRIMINAlIDADE VIOlENtA

7. Portugal: imigração e Criminalidade Algumas das conclusões retiradas acerca da população imi-

grante em Portugal, demonstram que esta é constituída maio- ritariamente por homens jovens e solteiros, mais religiosos e qualificados do que os cidadãos nacionais, e que ocupam postos subalternos, trabalhando mais horas e com condições de vida inferiores, desigualdades que segundo alguns autores podem resultar, em casos extremos, em criminalidade. In- ternacionalmente, as taxas de criminalidade e reclusão entre minorias são significativamente mais elevadas quando compa- radas com a restante população (Seabra e Santos 2005; 2006). Em Portugal, os valores da criminalidade são mais baixos e o número de reclusos estrangeiros tem sofrido flutuações; as- sistindo-se sobretudo a uma diversificação das nacionalidades dos reclusos, em consonância com a alteração da população imigrante em Portugal (Guia, 2008; 2010).

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

No caso das condenações, a exclusão social pode estar na ori- gem do problema, sobretudo no que diz respeito aos crimes re- lacionados com estupefacientes, que se processam sobretudo nos bairros mais pobres e nas periferias das grandes cidades onde vivem maioritariamente imigrantes oriundos dos PA- LOP em condições económicas de grande privação. O passado histórico-cultural dos países de origem (pautados por guerras e violência) pode também contribuir para a transposição do fenómeno criminal daqueles países para Portugal. Parece exis- tirem padrões de criminalidade entre grupos e a diversificação de nacionalidades resultou na criação de novos tipos de cri- mes que não existiam ou eram pouco frequentes em Portugal, tendo sido entretanto legislados (Guia, 2008). mas o grande número de reclusos estrangeiros nos Estabelecimentos Prisio- nais portugueses em 2002 e 2005 pode também estar relacio- nado com o aumento das prisões preventivas de indivíduos em situação irregular, antes da existência dos Centros de Instala- ção temporária.

As redes de imigrantes com esquemas criminais já implan- tados no país de acolhimento ou a falta de apoio sentida por parte das comunidades de imigrantes podem favorecer tam- bém a entrada de cidadãos não nacionais no mundo do crime, desconhendo as leis, os direitos e os eventuais apoios estatais e não-governamentais. O movimento de bipolarização de imi- grantes como agressores-vítimas é uma outra realidade a ter em conta ao abordar o assunto, verificando-se que a passagem quase circular de um papel ao outro se processa com muita frequência (Guia, 2008).

A análise de qualquer tema que envolva imigração e crimina- lidade não é, portanto, simples e linear. A maior entrada de es- trangeiros em Portugal pode, por si só, reflectir-se no aumento do número de reclusos estrangeiros, não implicando necessa- riamente um grau de criminalidade mais elevado por compara- ção com os portugueses. As conclusões retiradas na sequência de um estudo publicado em 2008 (Guia, 2008) apontam para a possível associação entre tipo de crime e nacionalidade, nada havendo que permita concluir que os estrangeiros pratiquem mais crimes. Concluiu-se existir a implementação ou o reforço de redes ilegais que até então não operavam com tanta visibi- lidade no território português.

Numa investigação posterior (Guia, 2010), centrada sobre imigração e criminalidade violenta, foi possível concluir que os cidadãos não-nacionais não praticam mais crimes violentos em Portugal. Salvaguardou-se, no entanto, que os dados apu- rados, por si só, não retratam a realidade social e que, embora esses dados relativos aos reclusos em Portugal espelhem ima- gens objectivas, só através de abordagens mais organizadas e pluriformes é possível realizar uma maior exegese da situação. 8. ConClusões

As migrações têm aumentado nos últimos anos e têm implica- do alterações que se repercutem no campo da criminalidade, fruto da fragilização progressiva deste grupo de populações nos países de destino, o que se reflecte num aumento estatís- tico de determinados tipos de crime praticados por algumas comunidades. Em Portugal, este fenómeno foi mais visível a partir da entrada na EU e no espaço Schengen, e também pelas sucessivas regularizações de imigrantes ilegais.

No que respeita à nova realidade que aqui abordámos, é ne- cessário reflectir sobre algumas premissas: Portugal adoptou e inseriu bem uma série de directivas europeias com o fim de permitir que os não nacionais que residem no espaço comum acedam aos direitos que lhes são reservados. Constatamos

ainda que a legislação portuguesa se tem preocupado com a implementação de políticas públicas transversais e sectoriais relevantes para a integração dos imigrantes e das minorias étnicas. Portugal tem sido, por exemplo, pioneiro na imple- mentação de boas práticas no que respeita à integração dos imigrantes, como com a One Stop Shop e o respeito, na me- dida do possível, pelos direitos dos imigrantes em situação semelhante à detenção (como é o caso do projecto DEVAS [95])

As estimativas apontam para que a Europa perca, em 2050, pelo menos 22 milhões de pessoas, ou seja 19% de população activa. Logo, precisará de um grande número de imigrantes para que o sistema implementado se mantenha e progrida. Ora os direitos dos cidadãos da União Europeia e os que nela residem encontram-se bem fixados e eventualmente bem pro- tegidos. E no que respeita aos procedimentos em relação aos cidadãos irregulares, estarão estes a ser englobados no mesmo critério que penaliza os comportamentos criminais? Caminha- rá, por isso, Portugal para uma potencial emergência da crimi- gração, criminalizando os comportamentos dos imigrantes?

Ou o direito europeu e as directivas comunitárias que têm sido adoptadas recentemente e cujo exemplo aqui acabámos de analisar mostram que nos devemos regozijar por manter a diferença pela positiva, comparativamente a outros Estados, e apostar na integração[96]?

E quando se avolumarem novamente as entradas de migran- tes? Pensemos no recente caso da Líbia e nas declarações de ameaça daquele país, ao permitir o descontrolo da imigração ilegal para a Europa.

Qual será a nossa escolha futura? Integrar ou penalizar? tivemos oportunidade de verificar que, tanto nos Estados Unidos como em Portugal, não foi verificada uma relação en- tre aumento da imigração e aumento do crime. Os caminhos que levaram a estes resultados divergiram. A forte aposta na integração parece ter resultado como uma medida proactiva de combate ao aumento do crime. Ao mesmo tempo, favore- cendo o respeito pelos Direitos do homem, os migrantes po- dem sentir o país de acolhimento como uma segunda pátria, ao invés de se manterem permanentemente ameaçados com medidas de cariz securitário e restritivo. E assim se evitaria a

“traição do Super-homem (…) [em que] a ameaça de re- nunciar à cidadania (…), mesmo não consumada, pode ser vista como uma forma de reconhecer que os super-heróis modernos já não podem olhar para o que está certo ou er- rado apenas através do estreito prisma do patriotismo[97]”.

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VItIMAÇãO, SENtIMENtO DE INSEgURANÇA

E POlítIcAS PúblIcAS DE SEgURANÇA

ANA ISAbEL SANI

PROFESSORA ASSOCIADA

FACULDADE DE CIêNCIAS hUmANAS E SOCIAIS

DA UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, PORtO · PORtUGAL ANASANI@UFP.EDU.Pt

LAURA m. NUNES

PROFESSORA AUXILIAR

FACULDADE DE CIêNCIAS hUmANAS E SOCIAIS DA DA UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, PORtO · PORtUGAL LNUNES@UFP.EDU.Pt

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RESUmO

Determinadas comunidades urbanas apresentam elevadas taxas de criminalidade. Num estudo de diagnóstico de segurança numa área problemática na cidade do Porto, foram levantados dados sobre as si- tuações criminais e a experiência de vitimação da população, através de uma amostra de 244 indivíduos de ambos os sexos, com idades en- tre 16 e 86 anos. Do conhecimento obtido sobre o crime, o seu impacto na vítima e o medo instalado, podemos definir as bases de adequação da intervenção do Estado / Polícia.

AbStRACt

Certain urban communities have higher crime rates. In a study about security diagnostic in a troubled area in Oporto, we collected data about criminal situations and victimization experience of population, using a sample of 244 individuals of both sexes, and ages between 16 and 86 years old. From knowledge about the crime, its impact on the victim, and the installed fear, we can define the adequacy basis of State / Police intervention.

introdução

Determinadas comunidades urbanas têm vindo a apresentar elevadas taxas de violência, crime e medo (Leite, 2005), com consequente percepção de insegurança por parte dos residen- tes nessas áreas citadinas (Skolnick e bayley, 2006). A explo- ração do tema da segurança / insegurança implica a recolha de informações, não só a respeito dos crimes que ocorrem nessas comunidades, como também em relação à frequência de tais ocorrências, às incivilidades que aí se verificam e à percepção de segurança / insegurança das populações que se movem dia- riamente nesses espaços.

Efectivamente, a captura dessa percepção revela-se essencial, na medida em que a sensação de insegurança vivida diaria- mente em determinadas áreas decorre, frequentemente, do aumento da criminalidade e acarreta graves consequências sociais, desenvolvimentais e económicas (Carrión, 2002). Convém deixar claro que a ideia de segurança remete para condições, quer objectivas quer subjectivas, estando eviden- temente associada à compreensão do seu oposto, o da insegu- rança que, por seu turno, se associa à “crise da modernidade” que se vive nas sociedades contemporâneas (Cotta, 2005). Por outro lado, pode afirmar-se que, opostamente ao crime, as in- civilidades não se traduzem necessariamente em violações à lei, sendo antes a transgressão das normas da boa convivência social (Charlot, 2002). Assim sendo, as incivilidades podem definir-se como acções de desafio e de rotura das normas da vida social, ao nível das expectativas e das regras subjacen- tes à convivência e à regulação das relações humanas (Garcia, 2006), podendo passar por grosserias ou falta de civilidade

e que denotam uma negligência de propriedade ou dos bons costumes. De facto, as incivilidades, não estando estreitamen- te associadas ao sentimento de insegurança, afectam o brio de uma comunidade e prejudicam indubitavelmente a vida social (Jouenne, 2006). Os indicadores da presença de inci- vilidades causam ansiedade nos residentes e geram um medo generalizado em relação a condições físicas e ambientais, bem como relativamente à possibilidade de ocorrência de condutas impróprias, que podem classificar-se ou não como criminais (Lewis & Salem, 1988).

Acrescente-se a necessidade de referir que a investigação tem revelado que a relação entre a criminalidade e o sentimento de insegurança não é de natureza causal nem se estabelece de forma linear. Efectivamente, o crime associa-se à insegu- rança, mas esta última, por sua vez, liga-se ao medo (matias & Fernandes, 2009). O medo do crime pode definir-se como uma resposta emocional à ameaça ou à ansiedade geradas pelo crime ou pelos símbolos que as pessoas associam àquele. Logi- camente, esta definição implica que haja percepção e reconhe- cimento de potencial perigo (Ferraro, 1995). Por tudo quanto foi até aqui exposto, e pelos sentimentos de insegurança que se têm gerado em certas áreas urbanas nas quais está presente a criminalidade, importa apurar de forma sistemática as percep- ções da população quanto à tipologia e à frequência com que ocorrem crimes numa das áreas mais problemáticas da cidade do Porto, não devendo esquecer-se a questão relacionada com as incivilidades que aí se verificam e as condições que, ainda segundo a população, poderão concorrer para a criminalidade.

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

1. método

O presente estudo desenvolveu-se após contactos com o Co- mando metropolitano do Porto, que pretendia o levantamento de informações a respeito da percepção das populações que se movimentam diariamente numa das comunidades proble- máticas da cidade, visando o conhecimento mais profundo e preciso do que as pessoas percebem em termos de crimes mais frequentes e, também, mais temidos por elas, a respeito das incivilidades que mais se produzem e das condições percebi- das como estando a potenciar a ocorrência desses comporta-