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PERcEPÇãO DOS REclUSOS DO SUcESSO OU INSUcESSO DA lIbERDADE cONDIcIONAl

3. oBJeCtivos do estudo

Para contribuir para a compreensão deste fenomeno, estabe- leceu-se como principal objectivo de investigação tentar iden- tificar os factores, motivos ou obstâculos que contribuem para o insucesso da liberdade condicional, assim como a percepção dos reclusos sobre a mesma.

4. metodo

Na tentativa de alcançar os objectivos anteriormente men- cionados, e dada a ausência de investigação sobre este tema, decidimos realizar um estudo exploratório, utilizando uma metodologia qualitativa. Assim, realizamos entrevistas semi- -estruturadas a quatro reclusos que cujas liberdades condicio- nais foram revogadas. Este tipo de entrevistas revelaram-se de extrema importância e traduziram-se em momentos de exce- lência, onde foi possível, num ambiente propício, apreender

não só as concepções relativas à temática investigada, como também as trajectórias de vida de cada um destes indivíduos. Desejamos através das entrevistas semi-estruturadas ana- lisar os factores que, segundo os reclusos, condicionaram a comissão de novos crimes, motivando assim a revocação da liberdade condicional. Após a sua realização, procedeu-se à transcrição das mesmas e iniciou-se uma breve análise de conteúdo (bardin, 2004; Quivy & Campenhoudt, 1998; Silva & Pinto, 1986).

5. ProCedimento

Com objectivo de realizar esta investigação, foi solicitada au- torização á Direcção Geral dos Serviços Prisionais e à Direcção do Estabelecimento Prisional para a realização deste estudo. Recebido o parecer positivo para a realização da mesma, fo- ram seleccionados quinze reclusos de um Estabelecimento Prisional da Região Norte do país que cumpriam nesse mes- mo estabelecimento a revogação da liberdade no decorrer dos últimos cinco anos. Os quinze reclusos a quem foram reali- zadas entrevistas semi-estruturadas, foram seleccionados de forma aleatória e reportam-se a 15 reclusos que se encontram a cumprir revogação da liberdade condicional nos últimos cin- co anos.

Após ter-se procedido á selecção dos reclusos entramos em contac- to com os mesmos e questionamo-los quanto á sua disponibilidade em participar do presente estudo, sendo que todos se mostraram dis- poníveis e colaborantes. Quando marcadas as entrevistas, no início foram esclarecidos todos os procedimentos e assinadas as declara- ções de consentimento informado e de consentimento para gravar a entrevista.

6. resultados

Quando questionamos aos reclusos sobre os motivos que le- varam a que a liberdade condicional não tivesse sucesso, foi possível identificar cinco grandes categorias:

1) A importância do apoio familiar. 2) A influência do meio.

3) Consumos de Estupefacientes. 4) Preparação para a Liberdade.

A continuação, apresentaremos cada uma destas categorias, assim como os principais resultados encontrados.

6.1. A ImPORtÂNCIA DO mEIO FAmILIAR

Em primeiro lugar, os reclusos aludiram ao grande papel que a família ocupa nas suas vidas, identificando a falta de suporte familiar como um dos principais motivos que contribuíram ao insucesso da liberdade condicional.

“O apoio da família é tudo, faz com que uma pessoa se sinta melhor consigo própria, sempre tive o apoio da minha mãe. Se uma pessoa sair daqui e não tiver o apoio da família sen- te-se insegura, acho eu…” (R2).

“O apoio, o afecto, ajuda-nos a ver as coisas da melhor for- ma. ter uma família é essencial.” (R3).

Isto leva-nos a hipotetizar que um indivíduo que possua su- porte familiar terá uma menor probabilidade de voltar a

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soCial e Comunitária

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reincidir. Após a libertação do indivíduo, o apoio da família é essencial para a sua ressocialização. Pelo contrário, um in- divíduo que saia em liberdade e não possua qualquer tipo de apoio vê-se sozinho, sem apoio, sem suporte que os impulsio- ne a retomar uma vida de forma normativa. Neste sentido, um recluso referia:

“tenho apoio de um, tenho dois filhos, tenho o apoio de um e de outro não tenho, mas isso foi derivado ao divórcio também, que foi isso oh… oh… que ajudou a que as coisas fossem pó torto” (R1).

Assim, consideramos fundamental trabalhar a vinculação com o exterior durante o cumprimento de pena, incluindo esta in- tervenção no Plano Individual de Readaptação (PIR), com a finalidade de que o recluso mantenha o suporte familiar após a libertação, tentando evitar, na medida do possível, casos como o seguinte:

“O único apoio que tive foram de dois cunhados, porque divorciei-me da minha esposa e não tenho qualquer outro familiar a apoiar-me” (R4).

Em suma, a desvinculação familiar parece estar relacionada com o cumprimento da pena privativa de liberdade, consti- tuindo um dos efeitos melhor estudados na literatura científi- ca sobre este tema (cf., bermúdez, 2006; haney, 2006; haney, 2008; Gonçalves, 2009; Valverde, 1997).

6.2. INFLUêNCIA DO mEIO

Um outro factor apontado pelos mesmos como principal cau- sa do insucesso no cumprimento da liberdade condicional, diz respeito á influência de pessoas do mesmo meio social no comportamento do indivíduo. Neste sentido, dois dos reclusos entrevistados apontaram como causa do insucesso da liberda- de condicional o facto de se voltarem a inserir em ambientes delinquentes

“Comecei a relacionar-me com uma pessoa que conheci através da cadeia. Ela era traficante e comecei a desenvol- ver o tráfico junto com ela” (R2).

“Sinto que agora tenho que me afastar de certos grupos de amigos que não dá futuro, só me arrastam novamente para o mundo do crime” (R3).

Desta forma, os nossos resultados parecem indicar que de- terminadas figuras podem exercer uma influência negativa sobre o comportamento do recluso e contribuir ao insucesso da liberdade condicional. Este resultado relaciona-se com os pressupostos da teoria de hirschi (1969), que defende que se o indivíduo opta por comportamentos delinquentes, deve-se a uma falta de controlo, de afectividade, de envolvimento em ta- refas dentro da sociedade e de obrigações e deveres a cumprir (Gonçalves, 2008).

6.3. CONSUmOS DE EStUPEFACIENtES

Através das entrevistas realizadas, podemos também destacar que os reclusos justificam o insucesso da liberdade condicio-

nal através do consumo de drogas e manutenção de comporta- mentos de adição a substâncias.

“O que me trouxe aqui, foi um belo dia de manha. A filha da minha companheira queria ir para a escola e não tinha pequeno almoço e com a ressaca fiquei atormentado e re- corri aos assaltos, para sustentar o meu vicio e para ajudar a minha companheira a sustentar a família” (R3).

“O que me levou a cometer crimes novamente foi o consumo e a companheira com quem mantinha um relacionamento”(R2).

Estes resultados relacionam-se com a teoria geral da tensão de Agnew (1992), um desenvolvimento recente da teoria de merton (1938), que, como esta, defende que o crime resulta da incapacidade de atingir certos objectivos (por ex. económicos) através de vias legítimas. Segundo Agnew (1992), as relações sociais negativas podem provocar tensão. Para o indivíduo se libertar dessa tensão poderá recorrer ao consumo de drogas, ao ataque de forma directa á fonte que lhe provoca tensão, ou ao uso de meios ilegítimos para atingir os seus fins. Por sua vez as fontes causadoras de tensão podem ser também a impossi- bilidade de atingir os seus objectivos, a privação de uma quan- tificação esperada, ou mesmo a vivência de situações negativas que não podem evitar que irão provocar tensão, ira, desespero e frustração no indivíduo.

Relacionando a teoria de Agnew com os nossos resultados, poderíamos dizer que será mais difícil que um indivíduo com problemas de toxicodependência tenha sucesso na sua liber- dade condicional, pois os seus esforços se centrarão em conse- guir a substância, podendo recorrer a meios relacionados com actos ilícitos.

6.4. PREPARAçãO PARA A LIbERDADE

Os resultados encontrados permite-nos concluir que, como indicava Santos (2003), ao longo de todo o cumprimento da pena, têm que ser tomados em consideração pontos essenciais, como o ensino, o trabalho, a formação profissional, a saúde, a interacção dos reclusos com a comunidade, e a importância ainda da família que é um agente fundamental durante a re- clusão e após a libertação dos reclusos.

Ao longo das entrevistas, os reclusos entrevistados identifi- caram a escola e a formação profissional como um factor de grande importância para o sucesso da liberdade condicional.

“Na minha anterior reclusão nunca me dediquei a nada, es- tive sempre a depender das drogas, a arranjar confrontos e a resolver confrontos nada mais que isso” (R3)

“Antes da saída em liberdade condicional na cadeia não fiz nada, eu entrei não quis trabalhar nem ir á escola” (R2)

A educação do recluso durante o tratamento penitenciário de- veria assim incluir o desenvolvimento de habilitações acadé- micas, profissionais e sociais, de forma a possibilitarem aos reclusos, uma melhor forma de lidarem com o seu quotidiano dentro da prisão, para desenvolver aptidões, valores e atitudes, assim como facilitar a sua reinserção social (Santos, 2009). De acordo com o que defendem alguns autores, para que exista uma boa formação dos reclusos no âmbito prisional, é neces- sário que essa formação assente na reabilitação dos mesmos

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

(Gabriel, 2007). Esta aprendizagem deveria ter continuidade após da saída do recluso do estabelecimento prisional, para que desta forma estes possam vir a ter uma melhor qualida- de de vida e garantir a sua sustentabilidade a nível económico (Campestrini, 2002).

Apesar de todos os reclusos entrevistados, ressalvarem a im- portância da escola e da formação profissional em contexto prisional como forma de aumentar as suas qualificações e os dotar de ferramentas necessárias á sua reintegração social, nenhum deles foi capaz de se integrar numa actividade profis- sional ou educacional durante o cumprimento da sua primeira pena de prisão.

Podemos concluir assim, que, no que diz respeito ao aumento de qualificações, estes indivíduos no decorrer do cumprimen- to da primeira pena de prisão não conseguiram desenvolver as competências essenciais á sua reintegração, o que revelam não acontecer no decorrer do cumprimento da actual pena. Neste sentido, consideramos fundamental que durante o cumprimen- to da pena o recluso adquira novas competências, para que pos- sa viver dignamente após a saída da prisão (Santos, 2003).

“Agora sim, já tirei um curso de pintura da construção civil, tirei o 2º ciclo e estou a terminar o 3º ciclo, tudo diferente da 1ª vez em que estive preso, que era o que deveria ter feito logo”. (R2)

“Abandonei os consumos, estou a aumentar o meu nível de qualificações, para me preparar para quando sair arranjar um emprego, sei que está difícil mas é o que pretendo fa- zer”. (R4)