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A EDUcAÇãO PARA A IgUAlDADE DE gÊNERO E A cONStRUÇãO DA PAz

ALESSANDRA mARtINS DE FARIA

EDUCADORA SEXUAL; mEStRANDA Em SOCIOLOGIA PELA UNIVERSIDADE DO mINhO; bOLSIStA DO INtERNAtIONAL FELLOWShIPS PROGRAm FORD FOUNDAtION. UNIVERSIDADE DO mINhO

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RESUmO

Neste artigo nos propomos a discutir o papel da educação para a igualdade de gênero como prática fundamental para a eliminação das violências e para o desenvolvimento da cultura de paz. Para tanto, dis- cutiremos, num primeiro momento, o significado e a importância da educação em sexualidade em âmbito formal e informal e num segundo momento discutiremos a educação para a equidade de gênero enquan- to aspecto inerente ao processo educativo em sexualidade a partir da família, mas que se estende à escola, aos meios de comunicação de massa e ao Estado.

Palavras-chave: Educação Sexual; Gênero; Cultura de Paz; Igualdade de Gênero.

AbStRACt

In this article we propose to discuss the role of education for gender equality as a fundamental practice for the elimination of violence and to developing a culture of peace. We discuss at first, the meaning and the importance of sexuality education in formal and informal context. And secondly we discuss education for gender equality as inherent as- pect in the educational process on sexuality in family, but that extends to school, mass media and the state.

Key-words: Sex Education; Gender; Culture of Peace; Gender Equality.

introdução

Subjetivamente, a paz emerge como um valor que orienta para atitudes de respeito, diálogo, solidariedade e não-violência de cada pessoa na convivência com as demais. Este valor não nos é inato, mas construído através de processos educativos em meio a uma possível cultura de paz também coletivamen- te construída. Neste sentido, enquanto cultura, a paz possui também uma dimensão social, para além da sua dimensão in- dividual, subjetiva.

Objetivamente, parece não ser possível que a paz resulte unicamente do empenho de cada ser humano comum isola- damente pois o respeito, o diálogo, a solidariedade e a não- violência dificilmente florescem em meio à opressão política e/ou militar, ou em meio às desigualdades que relegam mi- lhares de pessoas ao redor do planeta a uma vida de miséria, exploração, insalubridade, ignorância e desespero. Portanto, há uma faceta da paz que está vinculada com a necessidade de promover transformações estruturais nas diversas sociedades. Assim, partimos do princípio de que construir a paz signifique, objetivamente, eliminar todas as formas de violência (direta, cultural e estrutural[51]), garantindo aos seres humanos, nas

51 Segundo Izzo (2008: 118), o sociólogo Johan Galtung é um dos pioneiros na tentativa de desenvolver a noção de paz positiva, defendendo a tese de que “a ausência da violência conformaria a paz ‘positivamente definida’”. Neste sentido, Galtung faz um mapeamento da violência e identifica três eixos/formas de violência (direta, estrutural e cultural), conforme Pureza e moura (2004: 3): “A violência em que existe uma clara relação entre o sujeito e o objecto é manifesta, ou seja, é visível e directa enquanto acção, podendo ser verbal ou física. Quando não existe este tipo de relação, a violência é estrutural, indirecta, resultante da desigual distribuição do poder e tem na repressão e na exploração

diversas nações e de forma equitativa, acesso a oportunidades de desenvolvimento pessoal e comunitário, assim como aos recursos básicos necessários para uma vida digna e pacífica.

Uma das bases de sustentação das violências é a desigual- dade existente entre homens e mulheres que, segundo a Or- ganização das Nações Unidas, constitui uma das principais barreiras para o desenvolvimento dos países (PNUD, 2010). Esta desigualdade tem sido observada através da criação de Indicadores de Desenvolvimento de Gênero (IDG) que medem a participação de homens e mulheres no mercado de trabalho, os níveis de salário e renda auferidos por ambos, as questões de saúde reprodutiva e do empoderamento feminino (avalia- do segundo a participação de mulheres nos parlamentos de cada país). Porém, as desigualdades de gênero superam os in- dicadores e incluem as representações, os valores e práticas ligados ao gênero, ao sexo, e à própria sexualidade que natu- ralizam e perpetuam estas desigualdades (Cornwall e Jolly, 2008). E o questionamento da naturalização de estereótipos de gênero, dos preconceitos e das desigualdades faz parte da educação em sexualidade. Daí, então, a importância do esforço em promover nessa prática educativa a reflexão crítica acerca das noções difundidas sobre o gênero e as relações de gênero, com vistas ao fortalecimento da noção de auteridade, da com-

as suas expressões concretas. […] quando a estrutura é ameaçada, aqueles que beneficiam da violência estrutural tenderão a preservar o

status quo de modo a proteger os seus interesses. Nesta tentativa de

defesa de interesses podem recorrer à violência pessoal.” E, por fim, a violência cultural é definida como “qualquer aspecto ou elemento de uma cultura, da esfera simbólica da nossa existência, que pode ser usado para legitimar socialmente a violência na sua forma directa ou estrutural. A violência cultural faz com que a violência directa e estrutural sejam assumidas como corretas, ou que pelo menos não pareçam erradas”.

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

preensão e do respeito ao outro, inclusive em sua condição e orientação sexual, difundindo, assim, o princípio da igualdade entre todos os humanos.

Neste artigo nos propomos a discutir o papel da educação para a igualdade de gêneros como prática fundamental para a eliminação das violências e para o desenvolvimento da cultura de paz. Para fazer esta reflexão discutiremos, num primeiro momento, o significado e a importância da desmitificação da educação em sexualidade em âmbito formal e informal e num segundo momento discutiremos a educação para a equidade de gênero enquanto aspecto inerente ao processo educativo em sexualidade a partir da família, mas que se estende à esco- la, aos meios de comunicação de massa e ao Estado.

eduCação em sexualidade, eduCação Para a ConvivênCia

O advento do VIh/SIDA no início dos anos 1990 e a urgência do controle da sua epidemia contribuíram para a inserção de- finitiva das questões em torno da sexualidade nas pautas dos governos em nível internacional. Até então, apesar de todas as mudanças ocorridas do ponto de vista das representações e práticas em torno desta temática desde a década de 1960 com a “revolução sexual” (ocidental), a sexualidade era assunto de foro íntimo e, portanto, inadequado de ser discutido fora dessa esfera, sendo ainda um assunto específico para adultos (Lou- ro, 2008).

A necessidade de combater o VIh/SIDA de fato ajudou a acelerar o processo de “desmitificação” da sexualidade em muitos países, diminuindo a noção de “tabu” em torno dessa temática. mas, ao mesmo tempo ajudou a reforçar a noção de que a saúde seria o campo por excelência de discussão e de orientação das ações relativas a sexualidade. Nesta perspecti- va, a sexualidade é compreendida fundamentalmente a partir da sua dimensão biológica cujo foco são as questões de anato- mia e fisiologia humanas e as práticas sexuais. Dessa forma, o objetivo da educação sexual seria instrumentalizar cidadãos e cidadãs com os conhecimentos necessários para o controle das suas pulsões sexuais, prevenindo as doenças transmitidas pelo contato sexual (Cornwall e Jolly, 2008).

O avanço das gestações precoces nos diversos países apresen- taram um novo desafio para além da prevenção SIDA e das doenças transmitidas por via sexual obrigando uma amplia- ção das discussões e a efetivação de propostas educativas em sexualidade mais abrangentes. Além disso, para ser efetiva enquanto prevenção às doenças e a gestação precoce, precisa- ria ser antecipada e anterior à inauguração da vida sexual, ou seja, antes da adolescência. E como discutir com crianças as questões relacionadas com o sexo e as práticas sexuais? Esta é a questão que muitos pais e mães, professores e professoras se fazem sem, contudo, encontrar resposta satisfatória.

Diante de uma noção biologizada e redutora da sexualidade, que ainda não foi de todo vencida, a promoção da educação em sexualidade encontra obstáculos e resistências para ser efetivada especialmente nas famílias e nas escolas. Esta resis- tência é fundamentada pela permanência de mitos e noções equivocadas acerca da sexualidade em si e da educação em sexualidade (Caetano, 2010). Entre estas noções, acredita-se, por exemplo, que o contato das crianças com as temáticas da sexualidade as privaria da sua inocência natural, sendo, por- tanto um assunto inadequado para as mesmas como se as crianças fossem, inclusive, desprovidas de sexualidade. No caso dos adolescentes, Caetano (2010) relata a existência do temor pelos pais e mães de que tais assuntos alimentem mais

a sua curiosidade, motivando-os a buscarem experiências sexuais. No entanto, estudos comprovam que existe efetiva diminuição nos comportamentos de risco e comprovado retar- damento no início da vida sexual entre adolescentes e jovens que têm contato com propostas de educação em sexualidade e que contam com orientação e apoio familiar neste assunto (Dias e Rodrigues, 2009). Ou seja, ao contrário do que mui- tos acreditam, é a falta de educação em sexualidade que tende a vulnerabilizar adolescentes e jovens, pois um dos objetivos desta prática educativa é capacitá-los com conhecimentos e habilidades para que façam escolhas responsáveis nos relacio- namentos sociais e sexuais que vão vivenciar em suas vidas (UNESCO, 2010).

Neste sentido, torna-se fundamental perceber que o sexo e a sexualidade fazem parte da pessoa e dela recebem significado configurando-se como fenômenos também sociais. Estes sig- nificados variam conforme o tempo, o lugar, a cultura, a per- sonalidade, o desejo. A sexualidade humana, portanto, não se resume às práticas sexuais e a sua dimensão biológica. Antes, configura-se como fenômeno bio-psico-social, sendo consti- tuinte do ser humano ao longo de todo o seu ciclo de vida e não apenas durante a vida adulta, conforme Vittielo (2000:16):

“A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano e, ao contrário da conceituação vulgar, tem no coito (genitalidade) apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. Dentro de um con- texto mais amplo, podemos considerar que a influência da sexualidade permeia todas as manifestações humanas do nascimento até a morte.”

Completando e reforçando esta concepção, a Organização mundial de Saúde reconhece o cariz multidimensional da se- xualidade e sua importância como componente relacional, de- finindo-a como

“[…] Um aspecto central do ser humano, que acompanha toda a vida e que envolve o sexo, a identidade, os papéis de gênero, a orientação sexual, o erotismo, o prazer, a intimi- dade e a reprodução. A sexualidade é vivida e expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relações. Se a sexua- lidade pode incluir todas estas dimensões, nem sempre todas elas são experienciadas ou expressas. A sexualidade é influenciada pela interacção de factores biológicos, psico- lógicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, le- gais, históricos, religiosos e espirituais.” (OmS, 2002 apud Alves, 2010: 08).

Dessa forma, a sexualidade é complexa, constitui o ser huma- no e está presente em todo o seu ciclo de vida, porém mani- festa-se de diferentes maneiras em cada fase desse ciclo. Está vinculada com a saúde, mas não se restringe a este domínio sendo, portanto, multidimensional e carecendo de abordagem multidisciplinar. Acreditamos que a dificuldade de compreen- der este cariz multidimensional da sexualidade pode ser um dos fatores que fortalecem a resistência à implementação de projetos educativos específicos nas escolas ou em outros orga- nismos educativos e mesmo a reflexão e ampliação do diálogo e da educação oferecida no ambiente familiar.

Neste sentido, destacamos a existência de duas maneiras diferentes, mas complementares e igualmente importantes

VOL 1. Família, Justiça, soCial e Comunitária

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no processo de desenvolvimento humano no que toca a sua sexualidade, chamamos aqui de educação em sexualidade[52]

informal e formal. A primeira acontece nas relações do dia-a- dia, sendo a família um ambiente privilegiado desse tipo de educação, conforme Vittielo (2000: 101)

“Uma educação sexual feita de maneira informal e espon- tânea, sem planos rigidamente estabelecidos, é aquela feita pela família e por outras estruturas sociais, como as reli- giões, por exemplo. Nesse tipo de educação busca-se que as pessoas passem a ter um comportamento assumido por imitação.”

Nesta educação não existe consciência de que se está a oferecer educação em sexualidade e de que se está a ser educado neste sentido (Alves, 2010). É o valor do “testemunho” que aqui tem um peso maior. Por isso, ainda que pais e mães não verbalizem com as crianças e adolescentes as temáticas que acreditam ser ligadas à sexualidade, uma série de valores, concepções e com- portamentos estão sendo apreendidos por estes através da ob- servação, nas trocas e vivências quotidianas - inclusive a ideia de que a sexualidade seja uma temática inadequada para ser conversada em família, reforçando concepções equivocadas e negativas sobre a mesma. Deste modo, consciente ou in- conscientemente pais e mães são os primeiros educadores em sexualidade dos seus filhos e filhas. Portanto, o empenho da família em perceber os valores, os comportamentos, as noções acerca do gênero e da sexualidade que estão sendo construídos e vivenciados nesse ambiente torna-se fundamental para que os diversos mitos em torno da sexualidade e da educação em sexualidade sejam vencidos. Acreditamos que esta tomada de consciência diminui o peso de pensar o momento certo para “falar sobre sexo” com filhos e filhas, que é um dos principais temores de tantos pais e mães, transformando a educação em sexualidade numa educação para a vida. Neste sentido, a con- versa sobre o sexo, se necessária, acontecerá possivelmente com a mesma naturalidade com que as outras questões da vida são discutidas.

Se a educação informal é espontânea e disseminada nas práticas do dia-a-dia, a educação formal em sexualidade é composta por práticas mais estruturadas e organizadas que fo- calizam de modo mais aprofundado um conjunto muito amplo de questões e temas que perpassam as diversas dimensões que constituem a sexualidade, inclusive, mas não exclusivamente, o sexo (Alves, 2010). Neste sentido, a escola surge como espa- ço privilegiado para a implementação destas propostas educa- tivas que podem ser inseridas no currículo ou oferecidas em atividades extra-curriculares.

Estudos informam que a primeira fonte de informações em sexualidade a que os adolescentes recorrem são os amigos e amigas, seguidos da família, mais especificamente a mãe (Vi- lar e Ferreira, s.d.). Em muitos casos, é precisamente quando faltam a abertura, o apoio e a informação da parte dos pais e mães aos adolescentes que estes recorrem aos seus pares (Dias e Rodrigues, 2009). Estes pares são, possivelmente, os amigos da escola, pois esta representa lugar privilegiado de sociabili- dade para crianças e adolescentes (traverso-Yépez e Pinheiro, 2005). Assim, na escola pode-se atingir um elevado número

52 Neste artigo, optamos por utilizar a noção “educação em sexualidade” empregada e difundida pela UNESCO nas Orientações técnicas Internacionais (UNESCO, 2010), pois acreditamos que a noção “educação sexual” acaba por reforçar a dimensão biológica e ligada às práticas sexuais da sexualidade humana em detrimento das outras dimensões que a compõem.

de crianças e jovens que interagem entre si multiplicando as informações que possuem, informações estas que nem sempre são adquiridas de fontes seguras, gerando insegurança e mi- tos que podem fortalecer comportamentos de risco. Portanto, a inserção da educação em sexualidade na educação formal contribui com a oferta de informações mais seguras e com a diminuição destes comportamentos de risco. Esta modalida- de educativa, contudo, deve atentar para as necessidades das crianças e jovens, para o contexto cultural em que estes estão inseridos e deve ser adequada à idade e ao momento do ciclo de vida dos seus destinatários (UNESCO, 2010). Deve, ainda, favorecer o desenvolvimento de concepções positivas acerca da sexualidade, fortalecendo as capacidades humanas de con- viver e de fazer escolhas responsáveis:

“A educação em sexualidade prioriza a aquisição e/ou o fortalecimento de valores como reciprocidade, igualdade, responsabilidade e respeito, que são pré-requisitos sociais e sexuais saudáveis” (UNESCO, 2010: 6)

Uma ressalva deve aqui ser feita quanto à educação formal em sexualidade. É fato que o currículo escolar pode garantir mo- mentos específicos para a discussão e o aprendizado de temáti- cas também específicas. mas é no dia-a-dia da sala de aula que as diversas situações nos interpelam e podem ser problema- tizadas, não necessitando, portanto, de se aguardar o tempo específico para discutir as questões - em especial aquelas liga- das ao gênero. O que queremos dizer é que a educação em se- xualidade e a educação para a igualdade de gêneros podem ser transversalizadas, perpassando todas as unidades curriculares de modo informal, afinal, os valores e os comportamentos de professores e professoras também estão sendo observados e apreendidos no ambiente escolar.

Finalmente, a educação em sexualidade entendida como uma educação para a convivência e para o estabelecimento de re- lações sociais pautadas pelo respeito, pela reciprocidade, pela igualdade e pela responsabilidade é requisito necessário para a construção da paz. São estes valores necessários para res- guardar o humano, para resguardar a vida. Inerente a este processo educativo em âmbito formal e informal, encontra-se a socialização do gênero e o questionamento ou fortalecimento dos valores relacionados a esta noção, reproduzindo desigual- dades ou questionando-as e motivando a sua transformação. Por Que um mundo azul e rosa Quando Há tantas Cores magníFiCas? a

eduCação Para a eQuidade de gênero

A noção de gênero enquanto categoria de análise das relações sociais entre os sexos vem sendo discutida no mundo ociden- tal desde a década de 1960. Uma das principais proposições da introdução da noção de gênero nas pesquisas sociais era a necessidade de desconstruir a ideia de que as categorias ho- mem e mulher seriam naturalmente determinadas pelo sexo biológico e, portanto, categorias universais. Antes, tais cate- gorias resultam de um processo de construção social e his- tórico mediado pela cultura. Por isso ser homem ou mulher é noção variável, não rígida ou fixa, nem mesmo puramente determinada pelo sexo biológico (Louro, 2008). Além disso, as discussões sobre as desigualdades entre homens e mulheres sob a perspectiva do gênero tornaram visível o caráter também social destas desigualdades, desnaturalizando-as, denuncian- do-as e provocando a sua transformação.

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Construir a Paz: VISõES INtERDISCIPLINARES E INtERNACIONAIS SObRE CONhECImENtOS E PRátICAS

Apesar dos avanços alcançados no entendimento dos fatores que engendram e reproduzem as desigualdades entre homens e mulheres, existe ainda a permanência dessas desigualdades tanto em âmbito familiar, privado como em âmbito social, pú- blico. Segundo o relatório oficial do Desenvolvimento huma- no (PNUD, 2010), em 2010 houve desaparecimento de mais de 134 milhões de mulheres, número que faz referência a uma diminuição do nascimento de meninas provocado por razões vinculadas à preferência pelo nascimento de meninos em al- guns países como China e Índia. No campo do trabalho, as disparidades ocorrem desde as desigualdades salariais entre homens e mulheres, que chega a ser de 70% em alguns países, até o impedimento legal a que as mulheres exerçam determi- nadas atividades ou executem atividades laborais em determi- nados horários, além das dificuldades impostas às mulheres em conciliar a maternidade e a vida familiar com o desem- penho profissional. Em se tratando de violência doméstica, a subnotificação pela naturalização da violência contra a mulher ainda impede a formulação de dados em escala internacional. Em 2010 uma análise feita em 13 países em desenvolvimento constatou que 20% das mulheres sofreram violência domésti- ca. A Organização das Nações Unidas (ONU) acredita que este número chegue a 70% em alguns países.

As desigualdades de gênero prejudicam, portanto, princi- palmente e mais violentamente as mulheres, mas os homens também têm prejuízos nesse contexto. A prevalência de uma cultura machista que associa a masculinidade à violência, à virilidade, à força física e à competitividade contribui com a vulnerabilização masculina expondo mais fortemente meni- nos, jovens do sexo masculinos e homens ao envolvimento em situações de violência urbana e em acidentes de viação, por exemplo (traverso-Yépez e Pinheiro, 2005; Seffner, 2008). Isto sem mencionar o já esperado “insucesso” ou “menor em- penho” dos meninos escolar face as meninas, por professores e professoras. Neste sentido, vale ressaltar que estando inseri- da num contexto discriminatório, a escola tende a reproduzir esta discriminação contribuindo com o fortalecimento dos es- tereótipos de gênero e, portanto, das desigualdades de gênero (Felipe, 2008).

Neste sentido, pesam ainda nas representações acerca do gê- nero uma forte deferenciação sobre o que seja próprio do uni- verso feminino e do que é legítimo ao universo masculino e a