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PEC-G E CELPE-BRAS: ESPAÇOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS COMO

PEC-G E CELPE-BRAS: ESPAÇOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS COMO TERRITÓRIOS DE PERFORMANCES DISCURSIVO-IDENTITÁRIAS

1.3. O CONVÊNIO PEC-G

O Programa de Estudantes-Convênio de Graduação, PEC-G, originado no final da década de 1920, é um tratado de cooperação educacional do governo brasileiro com países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordo de cooperação cultural e/ou educacional e/ou de ciência e tecnologia, objetivando a formação de recursos humanos. Para isso, possibilita a cidadãos que já completaram o Ensino Médio ou curso equivalente realizarem seus estudos de graduação em instituições brasileiras de ensino superior, as denominadas IES. Segundo consta em seu protocolo de funcionamento, “o PEC-G dará prioridade aos países que apresentem candidatos no âmbito de programas nacionais de desenvolvimento socioeconômico, acordados entre o Brasil e os países interessados, por via diplomática”45.

O convênio teve início em 1917, mas apenas em 1965 passou a ser operacionalizado por meio de um Protocolo de regulação de seu funcionamento. Dois anos depois, em 1967, o Protocolo passou por uma primeira atualização e, em 1973, ganhou uma terceira versão, que vigorou até recentemente. Em 12 de março de 2013, por meio de um decreto da presidente Dilma Rousseff, o documento recebeu algumas modificações46. Desde sua criação, o programa já trouxe ao Brasil cerca de 25.000 estudantes.

Inicialmente gerido apenas pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), a partir de 1967 passou a dividir com o Ministério da Educação (MEC) a responsabilidade por seu funcionamento e, após as duas citadas reformulações em seu Protocolo, hoje conta com um modelo de gestão que postula dialogar com as IES e com suas pró-reitorias de graduação. Atualmente, 89 instituições estão cadastradas e recebem estudantes.

A maior parte dos conveniados vem do continente africano, com destaque para Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola. Na América Latina, a maior participação é de

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Informação retirada do Protocolo PEC-G, disponível em http://portal.mec.gov.br /index. php? Itemid= 530&id=12276&option=com_content&view=article. Acesso em 16 dez. 2010.

46 Ver, no Anexo 1 (p. 383), o Protocolo (5º Protocolo) que esteve em vigor no período em que este trabalho

foi desenvolvido. No Anexo 2 (p. 389), encontra-se o Protocolo modificado pelo decreto de 12 de março de 2013, assinado pela presidenta Dilma Rousseff.

paraguaios, equatorianos e peruanos. Atualmente, 48 países participam do PEC-G, sendo 19 da África, 25 da América Latina e Caribe, e 4 da Ásia.47

Quanto ao que se refere especificamente à República Democrática do Congo, conforme dados fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores, o país começou a enviar estudantes ao Brasil por meio do PEC-G somente a partir de 2007. De um total de 250 jovens congoleses vindos entre 2007 e 2010, 9 chegaram em 2007, 106 em 2008, 57 em 2009 e 78 em 2010. Não foram enviados os números de 2011 e 2012.

Uma das principais exigências previstas pelo PEC-G é a obrigatoriedade da apresentação do certificado Celpe-Bras48. O aluno tem o direito de frequentar gratuitamente um curso em uma universidade pública brasileira, sem passar por exames vestibulares ou pelo ENEM, após apresentar o certificado. Para os alunos provenientes de países em que o Celpe-Bras não é aplicado, é permitido prestar o exame no Brasil após a realização de um curso de PLA (geralmente de seis meses) em uma das IES credenciadas.

A contrapartida dos direitos são obrigações bastante objetivas. Uma delas prevê que o estudante-convênio tenha recursos financeiros para sua manutenção no Brasil,

quer no tocante à moradia, à alimentação e ao vestuário, quer quanto a transporte (inclusive o necessário para vir ao Brasil ou dele sair) e compra de livros ou de outro material didático. Não há qualquer ajuda das IES [Instituições de Ensino Superior], da SESu [Secretaria de Educação Superior] e do MRE [Ministério das Relações Exteriores], visto que o estudante-convênio assina Declaração de Compromisso, na Embaixada do Brasil sediada em seu país, de que tem recursos para se manter; além do comprovante de capacidade econômica. (Manual PEC-G, MEC, p.29) Relacionada a essa regra está a que impede que os conveniados exerçam qualquer tipo de trabalho remunerado. Geralmente contando com poucos recursos enviados pelos familiares, não podem trabalhar – primeiro porque são admitidos no país com visto temporário, cuja renovação deve ser feita anualmente, com todos os custos a cargo do próprio estudante; segundo porque não convém ao programa ter um aluno que não se

47

Informações disponíveis em (1) http://www.dce.mre.gov.br/pec/G/historico.html. Acesso em 24 fev. 2012; (2) http://www.dce.mre.gov.br/PEC/G/Paises.html. Acesso em 01 fev. 2012.

48 A exigência do exame Celpe-Bras (nível intermediário) como requisito à candidatura aos Programas PEC-G

e PEC-PG foi uma resolução do MEC, aprovada pelo Conselho de Reitores de Graduação e pela CAPES em 1999.

dedique integralmente aos estudos. É preciso dizer que, no primeiro ano em que está no Brasil para aprender o Português, nenhum mecanismo de ajuda financeira é disponibilizado ao aluno pelo Ministério das Relações Exteriores, mas é importante ressalvar que algumas universidades federais fornecem vagas nas moradias estudantis e, mais recentemente, bolsas-auxílio. Contudo, pelo menos até 2013, o Ministério não apoiava essas iniciativas, argumentando que a manutenção dos estudantes não é da alçada das instituições, e sim dos pais, que assinam uma declaração de que são capazes de manter os filhos durante a estadia no Brasil49.

Além disso, com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento dos países conveniados, o programa exige que o estudante volte a seu país ao final do curso, para onde é enviado seu certificado de conclusão. Ele receberá seu diploma, já registrado, junto à Missão Diplomática ou Repartição Consular Brasileira onde fez sua inscrição para o programa. É importante o parágrafo que versa sobre esse item:

Parágrafo único – Esse diploma terá a indicação, no corpo do texto ou em apostila no verso, da condição de estudante-convênio de seu titular com base em Acordo Cultural ou Educacional.50

Nota-se, por parte do governo brasileiro, o claro objetivo de marcar, de modo devidamente documentado e, portanto, definitivo, seu investimento nesses países. Obviamente, esse tipo de ação faz parte de projetos políticos e econômicos de cooperação

49 Vale dizer que, a partir do segundo ano, quando então os alunos aprovados no exame Celpe-Bras se

matriculam em seus cursos de graduação, há a possibilidade de concorrerem a certos benefícios. A bolsa

Promisaes (Projeto Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior), lançada pelo Ministério da Educação em

2003, concede aos selecionados de universidades federais um auxílio mensal equivalente a um salário mínimo. O candidato tem mais chance de obter esse benefício quando já tem parte de seu curso em andamento, dado que figuram entre os critérios de seleção as notas e um histórico demonstrativo de envolvimento em atividades de extensão universitária. O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, oferece bolsas a título de incentivo: a Bolsa Mérito, a Bolsa MRE e a Bolsa Emergencial. A primeira é concedida aos alunos com desempenho considerado excelente e, além do pagamento mensal, oferece a passagem de volta ao país de origem. A segunda é uma versão do Promisaes para os alunos que não estão em universidades federais, podendo ser solicitada após um ano de chegada ao Brasil. A de caráter emergencial pode ser requisitada junto à instituição de ensino, em caso de necessidade extrema comprovada pelo estudante, não necessitando de abertura de edital, como as outras. Contudo, a solicitação dessas bolsas junto aos órgãos competentes não é uma garantia de que serão concedidas, sendo muitos os estudantes que têm seus pedidos recusados. Informações em http://www.dce.mre.gov.br/PEC/G/bolsas.html. Acesso em 29 abr. 2013.

50 Informação retirada do Protocolo PEC-G, Seção X, Cláusula 24, parágrafo único (ver Anexo 1, p. 383). O

documento também está disponível em http://portal.mec.gov.br/sesu/ arquivos/pdf/CelpeBras/manualpec- g.pdf. Acesso em 16 dez. 2010.

e, certamente, é preciso registrar o capital empregado, até para que se justifique o tipo de devolução posto em acordo – geralmente em forma de contratos comerciais com o país beneficiado. Conforme relatou um funcionário do Ministério das Relações Exteriores via e- mail51, trata-se, antes de tudo, de um convênio de cooperação (“não é uma ação

paternalista, nem um programa de imigração”), cuja preocupação não é obter benefícios da mesma ordem, mas, sim, abrir possibilidades de negociações internacionais com os países cooperados, dado que “é muito mais fácil bater na porta de um país com o qual se tem uma relação de cooperação”. Por isso a importância de se emitir um documento que comprove o quanto o país investiu em seu desenvolvimento humano e, consequentemente, econômico. Outra regra que merece destaque no Protocolo vigente ao longo desta pesquisa (5º. Protocolo, Anexo 1, p. 383) estipula que o estudante integralize o curso nos prazos estipulados, tendo de se matricular em pelo menos quatro disciplinas por período letivo, não podendo ser reprovado duas vezes na mesma disciplina, ou em mais de duas no mesmo período letivo, após o primeiro ano de estudos. A instituição dessa regra foi considerada fundamental, uma vez que, no passado, não havia grandes restrições e, enquanto alunos brasileiros que não cumprissem determinados prazos eram jubilados, os estrangeiros passavam anos nas universidades sem receberem nenhuma sanção. Ao longo do contato com os quatro estudantes congoleses, foi comum ouvir que tanto eles quanto seus amigos conveniados PEC-G sentiam-se pressionados por essas especificações, que os colocariam em uma posição muito difícil e inferior a dos estudantes brasileiros. Os jovens alegavam que, enfrentando a dificuldade de estudarem em uma língua adicional, deveriam ter os mesmos direitos de qualquer outro aluno.

Aos brasileiros não é colocada, por exemplo, a condição de não poderem ser reprovados duas vezes na mesma disciplina, ou em mais de duas disciplinas no mesmo período letivo. Contudo, quase nunca é mencionado pelos conveniados PEC-G que, já no primeiro ano, incide sobre o desempenho dos estudantes brasileiros da instituição aqui focalizada um coeficiente de progressão que calcula, pela quantidade de reprovações, se será capaz de integralizar o curso no tempo estipulado. Assim, se não tiver um número mínimo de aprovações, poderá ser desligado da universidade já no primeiro ano. Isso não

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acontece com os estudantes do PEC-G que, no primeiro ano de suas graduações, podem ultrapassar o número máximo de reprovações, uma vez que, para eles, esse período é considerado de adaptação.