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PEC-G E CELPE-BRAS: ESPAÇOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS COMO

PEC-G E CELPE-BRAS: ESPAÇOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS COMO TERRITÓRIOS DE PERFORMANCES DISCURSIVO-IDENTITÁRIAS

1.4. O EXAME DE PROFICIÊNCIA C ELPE B RAS

Certamente, o objetivo primeiro da criação do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros, o Celpe-Bras52, foi responder a uma pressão exercida

pelo plano de integração do MERCOSUL, na época em plena efetivação, bem como atender a necessidade de certificar candidatos à proficiência da língua portuguesa, dada a “a crescente procura por cursos de graduação e pós-graduação no país, que demandava uma referência de proficiência de língua portuguesa para avaliar a capacidade dos candidatos de participarem nos cenários acadêmicos brasileiros” (CARVALHO & SCHLATTER, 2011, p. 268).

No entanto, pode-se afirmar também que pretendia contribuir para a definição de políticas de ensino do Português como Língua Adicional (PLA) no Brasil e fora dele. Para isso, seria necessária a elaboração de um instrumento de avaliação capaz de provocar efeitos retroativos53 que impulsionassem: (i) a produção de materiais didáticos

diferenciados amparados por uma concepção sociodiscursiva de linguagem; (ii) movimentos do professor em sala de aula que evidenciassem uma abordagem de ensino condizente com essa nova concepção.

Entre 1993 e 1998, o Ministério da Educação (MEC) coordenou uma Comissão Técnica formada por professores de cinco universidades brasileiras (UFRGS, Unicamp, UFRJ, UFPE e UnB) para a elaboração do exame. Em 1998, ocorreu a primeira aplicação

52 Em sua dissertação de mestrado, Diniz (2008) traz detalhes sobre o processo de criação do Celpe-Bras.

Conforme revela a entrevista da professora Matilde Scaramucci, o Celpe-Bras teve como embrião um exame de proficiência idealizado por um grupo de professores da UNICAMP (do qual a professora entrevistada fazia parte) e aplicado internamente na universidade no início da década de 1990.

53 Entende-se por “efeito retroativo” (washback ou backwash effect) a influência que exames ou avaliações

(de rendimento, de proficiência ou de entrada) exercem no ensino e na aprendizagem que os antecede (ALDERSON & WALL, 1993; CHENG & CURTIS, 2004; SCARAMUCCI, 2004a, 2004b, 2008).

do exame nas cinco universidades brasileiras então representadas na Comissão Técnica e em três instituições de países do MERCOSUL (Instituto Cultural Uruguaio-Brasileiro, Centro de Estudos Brasileiros de Assunção e Fundação Centro de Estudos Brasileiros de Buenos Aires).

A institucionalização da obrigatoriedade do exame para revalidação de diplomas de diversas categorias profissionais – como médicos54, engenheiros, professores,

entre outros – e para a obtenção e manutenção de bolsas de estudo de graduação e pós- graduação fornecidas por convênios entre o Brasil e outros países, como o PEC-G, por exemplo, fortaleceu o exame, evidenciando-o como altamente relevante (high-stakes), uma vez que “decisões importantes são tomadas a partir de seus resultados” (SCARAMUCCI, 2008, p. 179)55.

O Celpe-Bras é hoje aplicado duas vezes por ano, no Brasil e no exterior, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores e, desde 2009, o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é o órgão responsável pelo exame. Conforme dados divulgados por esse Instituto, atualmente, a aplicação ocorre em 21 instituições no Brasil e em outros 29 países, tendo recebido, em 2011, 7.000 inscrições56.

Dado o significativo aumento de solicitações de credenciamento de novos postos aplicadores, principalmente no exterior, a previsão do INEP é de que, futuramente, o exame seja aplicado em mais de 100 países.

Com base em uma visão de linguagem como ação conjunta de participantes com um propósito social, e considerando língua e cultura como indissociáveis, o conceito de proficiência que fundamenta o Celpe-Bras consiste no “uso adequado da língua para desempenhar ações no mundo” (Manual do Candidato, Celpe-Bras, 2006, p. 3). Para que tal uso seja alcançado e considerando que essas “ações no mundo” se efetivam nos diferentes gêneros discursivos, em textos orais e escritos que circulam por meio dos mais diferentes

54 O Conselho Federal de Medicina, por exemplo, desde 2001, exige o certificado (intermediário superior)

para a inscrição de médicos estrangeiros.

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O reconhecimento da importância do exame Celpe-Bras tem gerado inúmeros trabalhos científicos. Ver, por exemplo, Schlatter (1999, 2006), Scaramucci (2004a, 2008), Rodrigues (2006), Sakamori (2006), Diniz (2008), Schoffen (2009), Machado (2011).

56 Conforme dados de Schlatter (2006), em 2006, o exame recebeu mais de 4.000 inscrições, tendo sido

veículos, o exame propõe a realização de tarefas que avaliam habilidades de forma integrada, levando em conta o contexto, o propósito e o(s) interlocutor(es) envolvido(s) na interação com o texto. Nessa perspectiva mais discursiva, reafirma-se uma concepção de ensino-aprendizagem da língua adicional preocupada não apenas com a comunicação, mas com a formação do leitor e do escritor, de modo a ser capaz de se posicionar criticamente e de produzir discursos escritos e orais adequados aos diversos gêneros.57

O exame é estruturado em uma parte escrita e outra oral. Na parte escrita, o candidato tem 3 horas para realizar quatro tarefas. A primeira é composta de compreensão oral em vídeo e produção escrita, a segunda de compreensão em áudio e produção escrita, e a terceira e a quarta são compostas de leitura e produção escrita. A parte oral ou interação face a face realiza-se por meio de uma entrevista com a duração de vinte minutos. Essa conversa ocorre a partir de informações do questionário que o candidato preencheu no momento de sua inscrição, bem como de assuntos diversos colocados em pauta por meio de “elementos provocadores” (textos curtos, quadrinhos, fotos, imagens, gráficos, tabelas, propagandas etc.)58.

Sob a responsabilidade do INEP, as produções escritas da parte coletiva são corrigidas em Brasília por uma banca especialmente composta por profissionais da área de PLA. A parte individual é avaliada no momento da própria entrevista por dois examinadores, também especialmente preparados, e essa entrevista é gravada em áudio para o caso de haver necessidade de reavaliação. Enquanto um deles interage com o candidato, o outro o avalia por meio de uma grade com descritores de cada um dos níveis de certificação. Ao final, o entrevistador também avalia o candidato, por meio de uma grade holística.

Diferentemente de outros exames de proficiência que têm provas distintas para cada nível de proficiência, o Celpe-Bras é aplicado em um único exame, que avalia o

57 No site do Inep (http://portal.inep.gov.br/celpebras-estrutura_exame), é possível ter acesso ao descritor da

estrutura do exame e a provas de anos anteriores.

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Exemplos de tarefas da parte escrita (edição do 1º. Semestre de 2011) e de elementos provocadores da parte oral (edição do 2º. Semestre de 2011) do Celpe-Bras estão disponíveis em: http://portal. inep. gov.br/ celpebras-estrutura_exame. Acesso em 06 de abr. de 2013. No endereço http://download. inep. gov.br/ outras_ acoes/celpe_bras/manual/2012/manual_examinando_celpebras.pdf (acesso em 06 de abr. de 2013), encontra- se disponível o Manual do Examinando.

candidato com base em seu desempenho global. São certificados 4 níveis: Intermediário (nível 2), Intermediário Superior (nível 3), Avançado (nível 4) e Avançado Superior (nível 5). Tal avaliação considera o desempenho global do candidato nas quatro tarefas da parte coletiva e na parte individual do exame. Baseando-se em Scaramucci (2000), Rodrigues (2006, p. 44-45) explica que

[o Celpe-Bras define] seus objetivos de avaliação e conteúdos com base nas necessidades que os candidatos potenciais têm de uso futuro da língua-alvo, ou seja, no que o candidato consegue fazer na língua alvo quando se submete ao exame, independentemente de onde, quando e como essa língua foi adquirida. Quando o exame coloca-se como exigência para ingresso em universidades e para validação de diplomas para que os estrangeiros possam exercer suas profissões no Brasil, define seu público-alvo: estudantes e profissionais. Nesse caso, as necessidades incluem as habilidades necessárias para realizar estudos ou funções de trabalho no Brasil ou no exterior, ou seja, comunicar-se em situações reais do dia-a-dia, tais como ler e redigir textos de gêneros e objetivos diversos e interagir (seja oralmente ou por escrito) em diversas atividades sociais usando o português brasileiro. O candidato precisa ser capaz de usar a língua em situações cotidianas, em sua vida de estudante e/ou profissional.

São muitos os estudos que focalizam o efeito retroativo do Celpe-Bras na produção de materiais didáticos e no ensino de PLA (SCHLATTER, 1999; SCARAMUCCI, 2004, 2008; SCARAMUCCI, DINIZ & STRADIOTTI, 2009; ALMEIDA, 2012, apenas para citar alguns). Os resultados mostram que, mesmo havendo iniciativas no sentido de se produzirem materiais didáticos embasados em concepções de linguagem, de proficiência e de ensino de Língua Adicional próximas às que sustentam o Celpe-Bras, ainda há um predomínio de materiais que apenas inserem algumas atividades comunicativas em seu corpo de base ainda marcadamente estruturalista e situacional. Quanto às mudanças da prática do professor, é preciso haver o desenvolvimento de mais pesquisas que enfoquem a sala de aula e sejam capazes de traçar um perfil do tipo de ensino empreendido nos vários contextos de ensino de PLA no Brasil e no exterior.

O que os trabalhos enfatizam, no entanto, é que existe reconhecimento da importância do exame Celpe-Bras por parte de pesquisadores e professores da área de PLA, que apontam a necessidade de produção de materiais didáticos afinados com os

pressupostos teóricos do exame, bem como de investimento na formação de professores que, muitas vezes, atuam na área sem ter conhecimento apropriado para tanto.

Creio que a carência de publicação de materiais didáticos de ensino de PLA embasados em abordagens discursivas, mesmo após os quinze anos da institucionalização do Celpe-Bras, apontam para a complexidade do exame e do tipo de ensino-aprendizagem e de materiais que esse ensino pressupõe. Isso, sem dúvida, precisa fazer parte das discussões de implementação de políticas públicas e de línguas das universidades, para que convênios como o PEC-G, que adotam como parte de sua política a obrigatoriedade do exame, funcionem adequadamente. Aulas para estrangeiros que vão prestar o Celpe-Bras não podem ser ministradas sem que se conheça muito bem o exame, seus preceitos teóricos e os efeitos que pretende exercer no ensino e na própria vida dos candidatos/estudantes.