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PEC-G E CELPE-BRAS: ESPAÇOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS COMO

PEC-G E CELPE-BRAS: ESPAÇOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS COMO TERRITÓRIOS DE PERFORMANCES DISCURSIVO-IDENTITÁRIAS

1.5. I NTERNACIONALIZAÇÃO E POLÍTICA DE LÍNGUAS :

ONDE CELPE-BRAS E PEC-G SE ENCONTRAM

Para internacionalizar, como argumentei na seção 2.2., não basta apoiar-se em número de convênios e intercâmbios de mobilidade de estudantes e docentes. É preciso que a internacionalização seja pensada como um projeto em cujas bases se fixe a noção de processo, e não simplesmente de atividades (KNIGHT, 2004; MIURA, 2006) e que nele se incluam ações que efetivamente impliquem trocas bilaterais de experiências e de conhecimentos. Nesse sentido, creio que dois aspectos sejam cruciais no desenho desse projeto pelas universidades: (i) a gestão de intercâmbios e convênios e (ii) a política de línguas.

São certamente muitos os convênios e intercâmbios firmados pelas universidades brasileiras, sendo que cada um tem suas especificidades e contribui para o processo de internacionalização pretendido pelas instituições. Em relação ao PEC-G, a perspectiva de crescimento desse acordo é cada vez maior, conforme destaca um dos responsáveis pelo convênio na universidade que é contexto desta pesquisa:

atualmente, nós estamos recebendo mais alunos do que recebíamos até então. Isso foi pedido que nós fizemos junto ao MEC, em reuniões que nós temos regularmente. Então, aumentou, por exemplo, nós estávamos recebendo de três a quatro alunos por ano, e nos dois últimos anos, nós recebemos vinte e um, acho que foi vinte e um no ano passado e nesse ano nós recebemos vinte e três ou coisa desse tipo. Então, existe, sim, interesse da universidade nesse programa, e aí tem todas as dificuldades dele, normalmente [...]. (Entrevista concedida em 24/09/09)

Assim, como já mencionado na introdução desta tese e reforçado pela fala do entrevistado, o convênio PEC-G, por atender estudantes de países ditos em desenvolvimento, enfrenta dificuldades e lida com situações muito singulares, que não podem ser ignoradas. Apesar de rígidas, as regras estabelecidas nem sempre são respeitadas. Conforme revelado pela própria universidade em questão59, muitos alunos

conveniados chegam ao Brasil sem as condições declaradas na documentação exigida pelo PEC-G e necessitam do auxílio de bolsas para transporte, alimentação e moradia. Tal fato, não raras vezes, gera complexas situações a serem solucionadas pelo serviço de apoio aos estudantes das universidades que os recebem – soluções que nem sempre são reportadas ao Ministério das Relações Exteriores por ferirem, de alguma forma, o protocolo do convênio, mas que dificilmente poderiam deixar de ser implementadas, sob o risco de os alunos se colocarem em situações de humilhação e de inoperância da própria sobrevivência60

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Para muitos jovens africanos, hoje, sair de seus países por meio de um intercâmbio universitário é uma oportunidade única de encontrar alternativas para reescrever suas próprias histórias e a história de suas famílias. O movimento de saída, porém, não é recente. Com todos os problemas historicamente enfrentados pelos países africanos, desde a invasão de suas terras por exploradores e colonizadores europeus e da institucionalização do processo de escravidão no período colonialista, até a reconfiguração de suas políticas a partir de relações neocolonialistas, os africanos têm se configurado como

59 Informações concedidas em entrevista gravada em áudio, no dia 24/09/09.

60 A notícia disponível em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=81553 (acesso em 15 mar. 2012)

revela que, no dia 13/03/2012, em seminário organizado pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) para discutir a internacionalização das instituições de ensino superior, reitores de universidades brasileiras reconheceram as dificuldades enfrentadas por estudantes africanos que participam do PEC-G e apontaram, como aspecto importante do processo de internacionalização das instituições, a criação de mecanismos para diminuir essas dificuldades.

povos em trânsito. Um trânsito muitas vezes imposto quer pelas vias da escravidão, quer pelas vias da diáspora como busca de opções inexistentes em seus países.

Dada a difícil situação político-econômica em que se encontra a República Democrática do Congo, como já mencionado, tem sido cada vez maior, por parte da população que tem algum recurso, a procura por mecanismos que possibilitem a saída do país. A família do estudante Jabali é um exemplo da diáspora por meio de políticas públicas de países que oferecem programas de cooperação universitária: oito dos doze filhos conseguiram estudar fora por meio de convênios. Tal diáspora tende a ser definitiva, pois, conforme contou Jabali, nenhum dos irmãos já formados voltou ou pretende voltar ao país.

É preciso reafirmar que, apesar da necessidade de gerenciamento de problemas advindos desse convênio, as universidades mostram-se cada vez mais interessadas em firmar parcerias como essa, conforme sustenta a fala de um dos responsáveis pelo PEC-G na universidade em que os registros deste estudo foram gerados:

eu acho que vale a pena investir em todos os intercâmbios, porque estamos interessados na internacionalização da universidade. Me parece que, quanto mais nós estivermos internacionalizados, mais nós teremos possibilidades de subir nos rankings internacionais da classificação... que com certeza vão trazer muito mais recursos financeiros para a universidade. Para a questão da internacionalização, todas as pontas são interessantes. No caso do PEC-G, como ele é aplicado apenas para os países em desenvolvimento, seria até a contribuição do Brasil para com esses países, que têm certamente muito mais dificuldades que nós [...] e também quanto ao cenário econômico, vai ajudar e muito o Brasil nas relações econômicas com esses países. [...] Eu acho que a importância desse convênio está nisso, ajudar no desenvolvimento desses países e em futuras relações comerciais entre o Brasil e esses países. (Entrevista concedida em 24/09/09)

O depoimento ajuda a comprovar o quanto o convênio interessa, mostrando-se particularmente importante tanto para a consolidação das ações de internacionalização traçadas pelas universidades brasileiras, quanto para as ações de políticas externas, econômicas e linguísticas empreendidas pelo governo.

Afirmo que é no seio do processo de internacionalização que se encontram PEC-G e Celpe-Bras porque as regras estipuladas pelo convênio, particularmente a exigência da proficiência em língua portuguesa, criam um cenário diferente dos demais

cenários construídos por outros intercâmbios, cujos elementos acabam sendo preponderantes na configuração de como a instituição, professores e estudantes posicionam-se e são posicionados em relação ao convênio, o que incide sobre as performances discursivo-identitárias desses estudantes, signatárias de suas territorialidades construídas e/ou almejadas.

No próximo capítulo, discorro sobre os principais conceitos teóricos que norteiam a análise dos dados do contexto estudado neste trabalho.

CAPÍTULO 2

CONSTRUINDO TRÂNSITOS