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A principal dificuldade que uma pessoa com deficiência sente ao ser inserida no emprego, e isso acontece também no Sistema FIEP, é a sensação de estar ―encaixado‖, ―pertencer‖ à equipe na qual foi colocada. Aparecida, um das minhas entrevistadas, sofreu com as implicâncias da chefe, em razão da sua deficiência na fala, pois no local em que estava trabalhando tinha que se relacionar com o público. Expõe ela: Quando eu comecei a trabalhar aqui, eu trabalhava em outro setor. Eu

não me acostumei lá. Lá eu tive problemas, sofri com o preconceito por causa do meu jeito de falar. Só que quando eu vim para a área que estou hoje, os horizontes se abriram, porque aqui o ambiente é maior, as pessoas são mais comunicativas. Lá as pessoas olhavam para minha diferença, não para mim como profissional.28

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Referindo-se a esse aspecto, Tanaka e Manzini (2005) lembram que a habilidade no sentido de relacionar-se com outras pessoas seria fundamental para o sucesso no emprego das pessoas com deficiência e das surdas. A dificuldade em expressar-se e de falar, comprometeu a inserção da entrevistada na primeira equipe para a qual foi designada, tendo em vista que, justamente, consistia-se em uma atividade que exigia contato direto com o público.

Convivendo no emprego, transparece o preconceito em relação à diferença no desempenho das pessoas com deficiência e das surdas, reafirmando estereótipos e estigmas. De acordo com Vick et al. (2008), os estereótipos, ou as ameaças de sofrer estereótipos, contribuem para diminuir a performance no trabalho das pessoas com deficiência estereotipadas e produzem consequências cognitivas e afetivas advindas da autoestereotipação, tais como o desenvolvimento de uma expectativa de desempenho reduzido, aumento da ansiedade e reduzida capacidade de memória de trabalho. A partir daí surge nas pessoas com deficiência e nas surdas, ou nas sem deficiência, o estereótipo de que pessoas deficientes e pessoas surdas tem baixa produtividade e aumentam os custos empresariais. ―Una fuente importante de exclusión o desventaja para las personas con discapacidad es el hecho de que aún se las suele considerar improductivas, incapaces de efectuar un trabajo y demasiado costosas para el empleador.‖ (OIT, 2007, p.49).

Com a finalidade de minimizar os impactos de afiliação às equipes, foi criado no Sistema FIEP o sistema de tutoria em que funcionários e funcionárias recebem treinamento para agirem como tutores ou tutoras das pessoas deficientes e das surdas durante o processo de inserção. Essa é uma das práticas identificadas pela OIT (2010), no seu estudo sobre empresas que obtiveram sucesso na contratação de pessoas com deficiência. Segundo esse estudo, os programas de formação de tutorias ou de liderança especialmente voltados às pessoas com deficiência no emprego estão entre as práticas destinadas à formação, contratação ou retenção de pessoas com deficiência, assim como ao incentivo a sua produtividade.

Mesmo assim, ainda persiste o preconceito de alguns colegas no local de trabalho e a pessoa pode não se encaixar em determinado setor ou equipe. No Sistema FIEP, quando uma pessoa não se adapta em uma atividade, dada situação, ou determinada equipe, são tentadas outras possibilidades, como ocorreu com Aparecida. Contudo, o preconceito e a discriminação se fazem presentes, mesmo que veladamente, nos processos de interação no trabalho. Aparecida deixa isso

explícito ao comentar que: [...] discriminação e preconceito, isso tem em todo lugar.

Se você tiver um problema [deficiência], em todos os lugares tem. Aqui isto não é explícito. Mas não se criou, ainda, dentro do Sistema FIEP a cultura da inclusão das pessoas com deficiência. Também tem o fato, que eles têm que lidar, com as pessoas de fora que adentram, que chegam ao Sistema FIEP e olham as pessoas com deficiência com um preconceito velado, mas é preconceito.29 Nessa fala, dois

aspectos são importantes. Um é o preconceito, mesmo que não explícito, dos colegas, o outro está relacionado aos públicos externos que se relacionam com o Sistema FIEP e, em muitos casos, não estão preparados para serem atendidos por uma pessoa com deficiência, e isso lhes choca.

A questão do preconceito com relação às pessoas com deficiência, por parte dos seus colegas, é algo que está presente nas falas de algumas das pessoas com deficiência e das surdas. Uma delas conta que, ao terminar as suas tarefas, sempre pergunta para os outros da equipe se querem ajuda ou se tem algo que possa fazer e sempre ouve que não precisa se preocupar, como se a tivessem despachando. A ―invisibilidade‖ é outro preconceito oculto aplicado às pessoas com deficiência e às surdas. A deformidade do corpo, para algumas pessoas, pode ser algo tão brutal que é preferível ignorar aquele que a apresenta, tornando-o invisível, do que encará- lo como um indivíduo, que apesar da sua limitação (ou limitações) é uma pessoa com direitos e deveres iguais aos daquele que o defronta.

Um desses direitos é o de aprender e desenvolver novas atribuições, mas para isso se concretizar têm que conviver com a desconfiança sobre as suas capacidades ou com a falta de tempo dos colegas para ensinar-lhes como executar certas atividaes. Joana, em seu depoimento, queixou-se que nesse processo sente que os colegas de trabalho ―dispensam a sua ajuda‖ nota como se a estivessem considerando uma pessoa sem suficiência intelectual para compreender e auxiliar (geralmente as pessoas surdas são vistas, pelas pessoas sem deficiência, como deficientes intelectuais). Também deixa claro a dificuldade dos demais colegas em ensiná-la: [...] então me ofereço para ajudar, mas me dizem que não precisa, ou que

é difícil e não vão saber explicar para mim, que não preciso me incomodar. Sinto que acontece isso porque sou surda, eles não têm tempo para me explicar, eu fico quieta, digo tudo bem. Mas gostaria de aprender mais. As coisas que já aprendi até

agora, consigo fazê-las com tranquilidade, por isso quero aprender serviços diferentes. No início, explicaram o que deveria fazer. Só agora que tenho pedido para aprender tarefas diferentes, eles dizem que não dá tempo para ensinar que depois me explicam, ou que não preciso me preocupar se já acabei o meu trabalho.30 O descrédito em relação à capacidade da pessoa surda assumir alguma

tarefa é expresso por Joana. O recado tácito do grupo lhe é transmitido: ―permaneça no seu lugar‖, quando entendido , aparece na sua atitude: ―fico quieta, digo tudo bem.‖ A solicitação de aprendizagem de coisas novas é descartada, principalmente, pela barreira da comunicação existente entre o grupo e a surda. O comodismo dos

membros do grupo conduz à subutilização da capacidade da pessoa surda. Outra faceta do processo de inserção no Sistema FIEP aparece no

depoimento de Dolores, ao revelar o que ocorre com seus colegas de equipe. Segundo ela: Já estão acostumados. Já levaram o choque. O choque ocorre no

começo, depois se acostumam. O contato possibilita conhecerem a outra pessoa melhor, eles conhecem seus pontos fracos e seus pontos fortes.31

Essa adaptação se explica, em parte pelo fato, conforme Goffman (2008) que nas suas interações sociais um estigma é visível a todos.

Este choque, ao qual Dolores se refere, é o impacto que causa o corpo com alguma deformidade, falta ou insuficiência, que fuja ao padrão de normalidade conhecido e aceito pelos olhares de outros. Assim, a convivência e o contato diário amenizam a convivência com o diferente. As interações cotidianas permitem conhecer melhor o colega de trabalho, até mesmo analisá-lo. O que ainda está presente nos colegas de equipe das pessoas com deficiência é a desconfiança com relação ao estranho, ao diferente, que chega, praticamente um ―estrangeiro‖, usando a expressão de Simmel (1983), na consideração do grupo. Os membros de algumas equipes já se acostumaram por contarem entre eles com pessoas que têm alguma limitação física, sensorial ou intelectual. No entanto, outras equipes apenas convivem de forma distante e se sentirão impactados quando passarem pelo processo de inserção.

A constituição de equipes de trabalho, prática evidente no Sistema FIEP, segue uma tendência que acaba por favorecer a constituição de laços de lealdade fracos, ou formas passageiras de associação, que escreve Sennet (1999) ―[...] se

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Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

31 Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba

concretizam no trabalho de equipe, em que a equipe passa de tarefa em tarefa e muda de pessoal no caminho. Os laços fortes, em contraste, dependem de associação a longo prazo. E, mais pessoalmente, da disposição de estabelecer compromissos com outros.‖ (Idem: 25).

Isso fica evidenciado nas palavras da tutora Kátia a respeito da mobilidade de pessoal em sua área e da dificuldade de comunicação com uma pessoa surda que está inserida em sua equipe: Tinha que ter mais curso de Libras, para todos, porque

teve faz tempo. Acho que de dois anos para cá, umas quinze pessoas novas entraram na nossa área.32

As situações em que as pessoas com deficiência já se encontram mais ambientadas, o choque inicial já passou e elas são aceitas pelas suas peculiaridades e traços pessoais. Os laços de convivência foram construídos ao longo do tempo, possibilitando a aproximação, aceitação e afiliação com o grupo no qual estão inseridas.

A respeito das equipes de trabalho, elas são constituídas em formato de ilhas. Com as reformas e mudanças que estão sendo processadas no prédio do Sistema FIEP, as equipes passarão a ser constituídas em formato de S, ou como coloca Eliane: É dividido por ilhas. Tem quatro pessoas em cada ilha. Agora vai mudar, vai

ser tipo uma minhoca.33

O arranjo em forma de ilha, como no sistema ―just in time‖ (JIT) de produção, visa aumentar a produtividade e o controle sobre o que está sendo realizado. A formatação em S favorece o fluxo de trabalho e aumenta o controle em razão de que o trabalho de um passa a ser executado em função do trabalho do outro, pelo menos na área de produção funciona dessa forma. Por outro lado, aumenta a multifuncionalidade e polivalência dos trabalhadores que passam a conhecer as atividades desenvolvidas pelos colegas e as executam quando estes se ausentam, com o objetivo de não deixar o fluxo e o ritmo de trabalho diminuir. Como consequência a carga de trabalho, em algumas situações (férias, licenças, faltas) pode ser aumentada. Aliado a isso, nos sistemas de produção com base JIT, são estudados os tempos e movimentos e o ritmo de desenvolvimento das tarefas com a finalidade de eliminação de postos de trabalho, cujas atividades passam a ser absorvidas e divididas pelos postos anteriores ou subsequentes.

32 Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 33

O convívio e o relacionamento com a chefia, inerente ao mundo empresarial, no Sistema FIEP apresenta impressões diversas entre as entrevistadas, mas a maioria aponta para o conflito ou falta de entendimento. Segundo Aparecida, Não

existe um diálogo aberto com minha chefia. Ela não chegou assim e falou para mim o que queria não, fiquei sabendo pela minha colega. E eu tinha que acertar uma coisa com ela, só que estou tentando ver se consigo falar com ela, mas quando chego para falar, ela está sempre ocupada. Eu to querendo arrumar essa situação.34

Os manuais de gestão de pessoas, atualmente, falam a respeito da necessidade de uma comunicação eficaz entre subordinados e chefes imediatos como fundamental para o sucesso do trabalho em equipe.

A queixa de Aparecida se estende ao tratamento formal que é dispensado aos demais colegas quanto à rotina a ser desenvolvida na equipe. Comenta a entrevistada: Ela não define nada de metas comigo. O outro chefe definia um pouco

comigo, esta é pior neste sentido. Com os demais colegas ela define, convoca-os para a reunião, eles vêm com agenda, caderninho, e anotam tudo. Eu não sou convocada. Sinto nisso uma forma de discriminação, pois que não existe uma explicação do porque de eu não participar.35

Consequentemente, Aparecida se sente discriminada, o que pode agravar o tratamento que recebe pelos seus colegas em decorrência da atitude da chefia. É possível que os assuntos tratados, as metas definidas na reunião com os demais membros da equipe não sejam específicos ou não incluam o cargo que a entrevistada ocupa.

O relacionamento negativo com a chefia também é indicado por Eliane quando lhe foi solicitado uma rotina de trabalho; registrar os números de CPFs de funcionários que estariam sendo encaminhados para um determinado banco e dois desses números foram digitados de forma errada, mas porque já estavam distorcidos na listagem que lhe foi fornecida. Eliane relata: Ela não quis me

entender. Aumentou a voz comigo. Estava próximo do horário do almoço e minha amiga chegou me chamando para irmos almoçar. Quando a chefe notou isso, baixou a voz. Mas continuou ríspida e grossa pedindo para eu passar um email corrigindo os dados. Mas o que me magoou muito é que na mesa ao lado da dela estava cheio de gente. Achei que foi muito ela falar comigo daquela forma com meus colegas de

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Depoimento colhido por mim em de 13 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

trabalho ali, entendeu? Essas coisas machucam a gente, mais ainda quando você é sensível, a sensibilidade em si estraga tudo36.

Nas duas situações existe um distanciamento entre a chefia e suas funcionárias com deficiência em termos de relacionamento, talvez pela falta de sentarem e conversarem abertamente, ou mediante a interveniência da coordenação da área de um representante do programa responsável pela inserção das pessoas com deficiência no Sistema FIEP de forma a resolver os conflitos. Importante que as chefias conheçam os membros das suas equipes de trabalho, principalmente as pessoas deficientes. Uma das entrevistadas, por exemplo, tem agravado seu quadro de deficiência quando está com seu sistema nervoso abalado, como consequência fica afastada do trabalho o que baixa sua produtividade e reforça, diante dos seus colegas, o estereótipo de que as pessoas com deficiência são problemáticas, só causam problemas, não podem contar com elas, caracterizando o estigma da deficiência no emprego.

Outro depoimento fala a respeito da necessidade da chefia acompanhar os anseios de crescimento das pessoas com deficiência ou surdas e coloca que pensa em desenvolver coisas e projetos diferentes como forma de crescer, não apenas profissionalmente na instituição, mas também em importância e valorização pelos demais colegas de trabalho. Explica que precisou elaborar determinada atividade em seu computador para uma colega de trabalho, mas que não tinha o ―software‖ ou a ferramenta necessária, que lhe foi repassada por essa colega por email e questiona, será que não colocaram no seu computador uma ferramenta que tem nos computadores dos demais funcionários por que não acreditam na sua capacidade ou por que acham que ela nunca precisaria executar tal atividade em razão do cargo que ocupa?

Fica a questão: essa postura seria uma política, uma prática ou uma falha institucional, ou uma falha da chefia que não verificou isso? Se configurar uma política institucional, seria contrária à política de inserção de pessoas com deficiência no Sistema FIEP. Se for uma responsabilidade da chefia demonstra falta de preparo para tratar com a sensibilidade e suscetibilidade dos seus subordinados, incluindo-se pessoas com deficiência e as surdas, pois deveria verificar se todos estão recebendo as mesmas condições para desenvolvimento de suas atividades,

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considerando-se que no Sistema FIEP se pratica uma gestão da diversidade baseada na dissolução das diferenças. (PEREIRA; HANASHIRO, 2007).

A respeito dos elementos de comportamento com os quais se identificam com o grupo de trabalho ao qual pertencem, uma das entrevistadas apontou que a maneira de se comunicar e de se expressar, a alegria, o cooperativismo e o trabalho em equipe, o fato de serem pessoas positivas, são os pontos que a atraem e com os quais mais se aproxima. Comentou que esse grupo luta pelos seus ideais, faz festa de aniversario, se importa com os demais colegas, sabem quando um não está bem e procuram se unir para todos alcançarem os objetivos, o que segundo ela, faz a diferença em relação aos demais grupos que vê na instituição.