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3) Orgulho de ter emprego

4.1.2 Visões do pessoal de gestão

As visões aqui retratadas, colhidas nas entrevistas com o pessoal da coordenação dos dois programas de inserção das pessoas com deficiência no trabalho do Sistema FIEP, um de caráter externo – voltado para a orientação e consultoria das empresas filiadas ao Sistema no seu processo de inserção das pessoas com deficiência, e outro de caráter interno – tratam das suas observações nas atividades diárias como interlocutoras desses programas. Esses depoimentos mostram a visão dos gestores do Sistema FIEP sobre a deficiência, às pessoas com deficiência ou surdas, ao processo de inserção, o trabalho com as pessoas com deficiência ou surdas.

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas

A visão sobre deficiência relacionada com as pessoas com deficiência do pessoal de gestão do Sistema FIEP difere, em certa medida, a do pessoal de gestão das empresas afiliadas à Federação das Indústrias do Paraná (FIEP).

Com relação ao pessoal de gestão do Sistema FIEP, a deficiência é encarada como uma limitação física que não impede o desenvolvimento de uma vida produtiva. Em função disso, as pessoas com deficiência ou surdas são tratadas do mesmo modo que os demais funcionários, apesar das peculiaridades de cada uma exigir em determinados momentos certa flexibilidade das regras e normas de gestão. Paula, representante do programa de inserção interno, comenta: Acho que a gente

quebrou alguns paradigmas, com os próprios gestores que a gente tem no nível de média gerência que é muito dividido. Tem alguns que olham e dizem: não, que legal, vamos fazer. Outros que olham: não, não dá, tem um monte de empecilhos. Então a gente quebra um pouco de paradigmas quando eles olham e [expressam]: puxa, deu certo, que legal.42

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Depoimento da representante do programa de inserção (foco interno) colhido por mim em 01 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

A fala de Paula demonstra que não existe unanimidade em relação ao processo de inserção das pessoas com deficiência no Sistema FIEP. Segundo Hanna, o preconceito também acontece na visão dos responsáveis pelas empresas afiliadas ao Sistema FIEP, que aparece nas diferentes justificativas como a falta de qualificação e nível de escolaridade dessas pessoas. Além disso, também expressando preconceito, existe uma série de desculpas dos empresários na contratação de pessoas com deficiência ou surdas. Segundo Hanna: [...] quando

declaram que não vai dar certo, que não funcionará, que por mais que você queira, eles não são produtivos, que a produtividade vai cair, eles não vão conseguir que são difíceis de lidar, vai dar muito atestado. Mas o que a gente tenta esclarecer na maioria dos casos é que, com ou sem deficiência, o problema não é a deficiência, é a personalidade. Você vai ter gente normal e difícil, te dando problemas do mesmo jeito.43

Autores como Schur, Kruse e Blanck (2005) apresentam uma pesquisa realizada em 2003 nos Estados Unidos pela Universidade Rutgers, de caráter nacional com empresas com cinco funcionários ou mais quando se constata que 20% dos empregadores disseram que o maior obstáculo para as pessoas com deficiência para encontrar emprego é o preconceito, a discriminação ou a relutância do empregador em contratá-los. Guardadas as devidas considerações a respeito das diferenças culturais e práticas entre empresas norte americanas e brasileiras, é possível afirmar que a discriminação em relação aos deficientes, aos surdos e os estereótipos sobre eles criados, relaciona-se com a cultura organizacional.

As expectativas quanto ao desempenho no emprego e os estereótipos referentes à deficiência foram analisados por Colella e Varma (1999) que verificaram que pouco influenciam as decisões dos gestores e supervisores com relação ao desempenho passado das pessoas com deficiência e das surdas, ou seja, sobre o que realizaram, se os seus objetivos forem claros. Os preconceitos e estereótipos influenciam a análise de desempenho futuro das pessoas com deficiência e das surdas, e a oferta de treinamento, podendo trazer graves consequências em longo prazo na carreira profissional. Torna-se, ainda mais grave, quando, diante das suas

43Depoimento da representante do programa de inserção (foco externo) colhido por mim em 01 de

limitações, uma pessoa com deficiência ou surda for considerada inadequada para o desempenho de uma determinada tarefa ou atividade.

Em função disso, Paula e Hanna têm buscado mostrar aos gestores do Sistema FIEP e das suas empresas afiliadas que as pessoas com deficiência ou surdas enfrentam muitas restrições em várias situações e a obtenção de emprego seria uma delas. Uma das restrições, as ausências, um dos pontos bastante apresentados pelos gestores para não contratar pessoas com deficiência ou surdas, são rebatidas por Paula e Hanna, informando-os que não somente esse grupo de pessoas tem faltas elevadas ao trabalho, mas que existem empresas cujas taxas de absenteísmo dos funcionários sem deficiências são maiores do que dos funcionários com alguma limitação. Além disso, se o absenteísmo entre eles crescer é necessário diagnosticar as causas disso, minimizá-las ou eliminá-las. Às vezes taxas elevadas de absenteísmo indicam as dificuldades de locomoção e a distancia entre o local de moradia e a empresa; problemas de saúde; de relacionamento com a chefia ou colegas; inadaptabilidade às funções que realiza, às máquinas e equipamentos; dificuldade de comunicação; dificuldade com o horário. Uma série de aspectos que deve ser investigada e que envolve também todos os funcionários, não apenas as pessoas com deficiência.

No tocante à baixa escolaridade das pessoas com deficiência, ou surdas, argumentam com os representantes empresariais, que as falhas na formação das pessoas com deficiência ou surdas decorrem do sistema escolar que, geralmente, não estão aparelhadas para inseri-las, ou para atender as suas necessidades específicas. Como consequência, muitos deles abandonam a escola. Assim, as pessoas deficientes e pessoas surdas, se têm baixa qualificação profissional, essa situação mostra que o grau de escolaridade exigido por cursos profissionalizantes rebate na oferta de emprego, também. Portanto, as situações de vida se inter- relacionam e se afetam reciprocamente. Quando não se contrata alguém porque tem baixa qualificação profissional ou porque não tem escolaridade, desconsidera-se que uma oportunidade de emprego possibilita adquirir qualificação pela experiência na execução de tarefas.

Segundo as entrevistadas, se chegou a um nível tal de exigência de escolaridade que para desempenhar determinadas atividades básicas, por exemplo, de limpeza, exige-se o segundo grau completo. Existem, ainda, as desculpas e discussões sobre a Lei de Cotas. Hanna comenta: Infelizmente, pelo que a gente

conhece do nosso país, se não tivesse lei, iam levar mais 20, 30 anos pra este processo [de inserção] ou até mais para ele se concretizar. Então, o que, que a gente também trabalha com os gestores é se esse pessoal não está qualificado, vamos qualificá-los. A gente qualifica aprendiz, a gente qualifica “trainee”. Então por que não outro grupo, que também precisa de qualificação? E também a gente lembra que tem muitas funções numa companhia, que não precisa de grandes qualificações. 44

O grau educacional é importante, mas a contratação de funcionários nas funções, como por exemplo, zeladoria, ou limpeza, não há essa exigência, o que importa seria a habilidade demonstrada no desempenho de certas tarefas e atividades. No entanto, isso requer uma atitude mais flexível na contratação de assalariados nas empresas.

Esses comentários demonstram a resistência quanto à obrigatoriedade de contratação para atender as exigências da Lei de Cotas. Considerando a qualificação exigida, Hanna explica que o Sistema FIEP, por meio do SENAI/PR passou a desenvolver um projeto que visa qualificar as pessoas para o emprego, inicialmente não destinado às pessoas com deficiência ou surdas, mas que passou a atender bem as necessidades desse público, com cursos de menor duração e de aspecto bem técnico. Segundo Hanna, esses cursos proporcionam [...] uma

formação inicial em mecânica, em manutenção predial, manipulação de alimentos. Então eles já dão uma condição. Para esses cursos o nível de escolaridade mínima é a quarta série do ensino fundamental, isso porque na maioria dos cursos técnicos, eles pedem uma escolaridade maior. Então já é uma forma de você começar a qualificar e dar oportunidade [a outro nível de trabalhadores].45

Além dos aspectos relacionados ao grau de escolaridade e a qualificação profissional, Tanaka e Manzini (2005), apontam também, o descumprimento das determinações presentes na legislação, o descrédito referente à capacidade real das pessoas com deficiência para o exercício das funções a eles atribuídas, que se caracterizam em muitos casos por atividades simples, que praticamente não exigem qualificação profissional. Enquanto Lino e Cunha (2008) chamam a atenção para outros aspectos que contribuem para a não contratação de pessoas com deficiência, por exemplo, a obrigação das empresas terem de substituir uma pessoa deficiente

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Idem.

por outra nas mesmas condições, em caso de demissão; a alegação de que tem dificuldade para encontrar profissionais com deficiência que estejam aptos ao desempenho das funções, resultado do pouco investimento na qualificação de pessoas em tais condições; a crença de que não tendo qualificação profissional não apresentará resultados compatíveis com o ritmo de produtividade determinado pela empresa; a exigência de contratar um determinado número de pessoas com deficiência quando a empresa deve criar novas vagas ou demitir outros profissionais sem deficiência; as dificuldades em adaptar as instalações físicas para extinguir as barreiras arquitetônicas. Diante disso, algumas empresas patrocinam cursos de capacitação profissional com a finalidade de preparar as pessoas com deficiência para a posterior contratação como funcionário, se surgirem vagas. Outras preferem pagar as multas em razão de não contratarem pessoas deficientes como preconiza a lei.

Importante, ainda, destacar a situação em que as pessoas com deficiência e as surdas tem nível elevado de escolaridade e qualificação, mas não são contratadas. Qual a causa? Hanna comenta: Então a gente tem os dois lados [no

mercado de emprego]: tem as pessoas com um alto grau de escolarização que também não conseguem. Que daí é aquela coisa cai por terra o discurso de que: ah, se tiver escolarização então ele está pronto. Tem aqui um com escolaridade e vocês não estão contratando.46

Portanto, quando a escolarização é alta, qual seria a justificativa para a não contratação? O jornal O Estado de São Paulo, em matéria publicada no caderno empregos do dia 22 de maio de 2011, expõe uma questão que vem desafiando a gestão empresarial de pessoas com deficiência. Segundo Danilo Castro, consultor desse artigo, ―o gestor não sabe como lidar com esses profissionais na empresa‖ ou seja, profissionais de nível superior com alta qualificação. Eles sofrem, mesmo assim, discriminação e carregam o estigma da deficiência, seja no emprego, seja na busca de um emprego. Se para as empresas inserir pessoas com deficiência ou surdas com baixa escolaridade ou qualificação profissional já é um desafio, o contrário se torna um desafio ainda maior.

Os depoimentos relatados até aqui, se somam aos de uma funcionária da Agência Regional do Trabalhador de Ponta Grossa – PR, da Secretaria Estadual do

Trabalho, quando realizei uma pesquisa exploratória para a elaboração do projeto inicial do doutorado. Segundo ela, as empresas divulgam as vagas para pessoas com deficiência, ou surdas. Se não forem encontrados candidatos para o preenchimento das vagas de acordo com o perfil exigido, as empresas se eximem da aplicação das multas, alegando que não apareceram interessados.

A visão estereotipada do pessoal de gestão sobre a deficiência, as pessoas com deficiência ou surdas é apresentada por Hanna quando explica sobre a nova edição do programa de inserção de pessoas com deficiência no Sistema FIEP, que passou a contemplar pessoas com deficiência intelectual. Ao expor o programa para os empresários, conta que recebeu comentários de descrença ou assombro: Ela coloca: [...] a turma que a gente tem hoje dos aprendizes com deficiência intelectual

no aprendizado de rotinas administrativas, já é uma grande prova de que você consegue, porque se você fala numa empresa: “ah, uma pessoa com deficiência intelectual na área administrativa, eles falam: vocês estão loucos, eles vão fazer o quê? Imagina?” E eles têm condições. Mas aos poucos [como aconteceu no próprio Sistema FIEP] as pessoas vão percebendo que tem atividades que eles têm condição sim de fazer.47

As pessoas com deficiência intelectual que foram inseridas em uma segunda etapa, sofrem o estigma social relativo a sua deficiência. No emprego podem ser responsabilizadas por perturbar o local de trabalho, criando instabilidades nas relações sociais entre colegas. Nessa situação, correm o risco de serem confundidas com doentes mentais, em razão de há pouco tempo, eram vistos como deficientes mentais. A esse propósito Sassaki (2004) explica que o termo ―mental‖ é o causador dessa confusão, por isso sua substituição por ―intelectual‖.

A propósito do emprego, a limitação intelectual pode impedir o desempenho de algumas atividades, mas não todas. A questão seria identificar quais são essas atividades e funções, no âmbito administrativo, que possam desempenhar.

Outro comportamento dos gestores das empresas filiadas à FIEP, apontado pelas entrevistadas da área de gestão do Sistema FIEP, diz respeito à busca e preferência por pessoas com deficiência física leve, ou que no máximo seja muletante, ou ainda surdos. As pessoas com cadeiras de rodas são preteridas. Os mais estigmatizados no processo de escolha são aqueles com deficiência múltipla.

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Segundo Paula e Hanna, o que se nota presentemente é a tendência crescente de contratar pessoas com deficiência intelectual, antes deixadas de lado. Muitos desses pontos fazem parte das rotinas internas das instituições que compõem o Sistema FIEP.

Ao pesquisarem sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado de emprego, Araújo e Schmidt (2005) verificaram que nas empresas 80% das pessoas inseridas apresentam deficiência auditiva (e aqui eles incluem os surdos) e deficiência física. Em seguida, vêm os deficientes visuais.

Situação parecida é retratada pelos dados da RAIS, no período de 2007 a 2010. Existe uma preponderância dos deficientes físicos, seguidos pelos deficientes auditivos (incluindo-se as pessoas surdas), e deficientes visuais, na ocupação das vagas para pessoas com deficiência. O quadro demonstra a preferência por deficiências que não exijam tantas modificações nos postos de trabalho ou ambientes de trabalho diferenciados, assim como aponta Rosa (2009), ―[...] que impliquem em gastos adicionais e influenciem negativamente na produção da taxa de mais-valia da empresa.‖ (Idem: 18). Garcia (2010) entende que as ―práticas como procurar alguém para trabalhar em função de uma ‗deficiência mais leve‘, e não por sua competência profissional, devem ser combatidas e qualificadas como discriminatórias.‖ (Idem: 178).

Outro ponto indicado pelas entrevistadas diz respeito à necessidade de esclarecer aos empresários e aos responsáveis pela inserção nas empresas, com a finalidade de quebrar-lhes a resistência contra a inserção, que se ela não ocorrer as empresas sofrerão sanções. Procuram conscientizá-los que a Lei de Cotas surgiu em decorrência das contratações não estarem acontecendo48, e ainda, esclarecê-los sobre a importância de se proceder a uma inserção que vá além da simples contratação de pessoas com deficiência. Entretanto, as contratações continuam acontecendo com a grande finalidade de atender a Lei de Cotas.

48 Esse é o pensamento das representantes dos programas de inserção do Sistema FIEP. Como lembra Lumatti (2004), assim como outras leis, a Lei de Cotas não surgiu sem uma base de reflexão proveniente da consciência social de um grupo, refletindo um momento histórico, em que o movimento das pessoas com deficiência exerceu pressão política e fizeram reivindicações ―para que se instituísse no plano público a garantia dos seus direitos.‖ (Idem: 9).