• Nenhum resultado encontrado

Convenções e Declarações Internacionais

Capítulo III – Os Povos Indígenas do Brasil e seus Direitos Reconhecidos pelo Estado

3.6 Convenções e Declarações Internacionais

Assim como a legislação pátria vem se aperfeiçoando em relação à defesa dos direitos indígenas, o discurso internacional dos direitos humanos também vem construindo as suas bases de fundamentação. Na esfera internacional, os direitos dos povos indígenas não tinham muita visibilidade, pois como os indígenas não eram considerados sujeitos legítimos de direitos, diante da sua suposta incapacidade, a preocupação era apenas de, eventualmente, denunciar as atrocidades das quais eram vítimas.

A primeira tentativa de codificar os direitos indígenas na legislação internacional foi feita em 1957, pela Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, relativa aos povos indígenas e tribais em países interdependentes.

Diante do discurso integracionista que permeava a época, a Convenção 107 mantinha a visão ultrapassada de que o único futuro possível para os povos indígenas seria a sua integração na sociedade nacional majoritária. Determinava ainda que todas as decisões relacionadas à implementação de projetos de desenvolvimento em terras indígenas eram de competência exclusiva do Estado e não dos próprios povos diretamente afetados por tais propostas.

Reconhecendo a sua ineficiência para garantir direitos humanos fundamentais, sobretudo diante das novas exigências, a Convenção 107 foi substituída pela Convenção 169 da OIT, adotada pela 76a Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1989, e entrando em vigor em 1991. A ratificação do Brasil, no âmbito internacional, ocorreu no ano de 2002, mas, no plano interno, a promulgação da Convenção 169 pelo Estado brasileiro se deu apenas em 2004, por meio do Decreto nº 5.051/200468.

A Convenção 169 da OIT69, relativa aos povos indígenas e tribais em países interdependentes, assim como a nossa atual Constituição Federal, passou a reconhecer aos povos indígenas direitos permanentes. Retirou a proposta de integração e legitimou o direito dos povos indígenas de viverem segundo seus usos e costumes. Fundamentando-se em princípios de respeito às culturas, às formas de vida e ao direito consuetudinário dessas comunidades, introduziu-se, dentre seus preceitos, o reconhecimento de que esses povos e suas organizações tradicionais devem ser profundamente envolvidos no planejamento e execução dos projetos de desenvolvimento que lhes digam respeito.

68A Convenção 107 foi substituída pela Convenção 169, no entanto, continua em vigor naqueles países

que a adotaram e ainda não ratificaram a Convenção 169 da OIT.

69 Vale mencionar que a Convenção 169 da OIT possui caráter vinculante, podendo, portanto, o Brasil ser

Dentre os seus mecanismos de legitimação, dois pontos fundamentais são constantemente evocados para garantir os direitos indígenas: a necessidade de consulta às comunidades indígenas, mediante procedimentos apropriados, quando medidas legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente; e o direito de definir seu desenvolvimento de acordo com as suas aspirações e modos próprios de vida, ou seja, o direito de escolher suas prioridades e promover o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural.

Em relação aos direitos consuetudinários dos povos indígenas, a Convenção, em seu artigo 8º, determina:

1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, dar-se-á a devida consideração aos seus costumes ou seu direito consuetudinário. 2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio.

Diante do dispositivo, constata-se que os direitos internos dos povos indígenas, chamados pelo direito positivo de direito consuetudinário, é reconhecido, mas com ressalvas – desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais dos Estados e com os direitos humanos internacionais.

Santos Filho (2006) ressalta que ao ratificarem instrumentos formadores do direito internacional dos direitos humanos (Pactos e Convenções), o Estado obriga-se a respeitar os direitos protegidos, a garantir o gozo e pleno exercício desses direitos às pessoas que se encontrem sob sua jurisdição, e a adotar as medidas necessárias para dar efetividade aos direitos que se quer legitimar.

Os direitos dos povos indígenas estão inseridos nos chamados direitos humanos fundamentais de terceira geração, que são aqueles que têm como titulares uma coletividade. Estão relacionados com a proteção da dignidade humana, como a proteção do meio ambiente, do desenvolvimento e com a promoção da paz.

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana encontra também respaldo internacional nos Pactos de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e dos Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas – ONU, de 1966, ratificados pelo Brasil por meio dos Decretos 591 e 592 de 1992. Internamente, a nossa Carta Magna, em seu artigo 1º, inciso III, coloca a dignidade da pessoa humana dentre os seus princípios fundamentais.

Diante desse princípio, a atuação estatal deve promover condições para que todos possam ter uma vida digna, o que no caso dos povos indígenas não é apenas individual, mas também coletiva. Assim, a aplicação dos direitos humanos em relação aos povos indígenas necessariamente deve considerar a organização social, os usos, costumes e tradições desses povos, bem como a natureza coletiva dos bens que formam seu patrimônio cultural, territorial e ambiental. Isto porque os direitos individuais relacionais à liberdade e à igualdade e seus corolários que fazem parte da legislação doméstica e internacional não têm extensão suficiente para proteger os direitos e interesses coletivos dos povos indígenas.

Norteando os pactos, tratados e a legislação nacional, tem-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que é reconhecida como um mecanismo formador e balizador de instrumentos na esfera internacional para a promoção da defesa dos direitos humanos fundamentais. Pode-se dizer que a Declaração reflete um conjunto de preceitos que atua como uma espécie de princípios gerais do direito internacional.

No ano de 2000, foi criado o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, um órgão consultivo do Conselho Econômico e Social da ONU, que conta com a participação de 8 representantes indígenas e 8 representantes dos Estados, com mandato de quatro anos. As sessões do Fórum Permanente são realizadas uma vez a cada ano em Nova Yorque. A partir das informações e debates, o Fórum Permanente elabora seu relatório e encaminha recomendações ao Conselho Econômico e Social.

Dentre a importância de sua criação, vale ressaltar a sua influência para a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, pela ONU, no dia 13 de setembro de 2007. O texto foi aprovado por votação da maioria dos países

presentes, dentre eles o Brasil: 143 votos a favor, 4 votos contra (Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália70) e 11 abstenções.

A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas não tem natureza vinculante, mas serve como diretriz para uma política moderna, que reconheça amplamente os direitos e respeite a autonomia dos povos indígenas, em consonância com a ordem constitucional do país.

Dentre os seus preceitos, está o direito dos povos indígenas de conservar e reforçar as suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo o direito de participar, se assim desejarem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado (artigo 5°).

Sobre as instituições jurídicas dos povos indígenas, vale ainda citar o artigo 34, que garante aos indígenas “o direito de promover, desenvolver e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando existirem, costumes ou sistemas jurídicos, em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos”.

Como ressalta Alcántara (2000), essa nova adequação dos direitos indígenas adverte que o Estado pós-moderno capitalista reconhecerá a existência de diversos sistemas de direito em confluência com o direito hegemônico Estatal, o que alguns autores denominam de pluralismo jurídico. No entanto, apesar do reconhecimento no plano formal, resta saber em que medida o Estado soberano permitirá dentro dos limites do seu próprio território a aplicação eficaz dos diversos sistemas de direito.

Tanto a Convenção 169 da OIT como a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas falam em autodeterminação dos povos. No entanto, vale considerar que dentro da lógica do Estado contemporâneo isso não significa o reconhecimento de uma autonomia dos grupos sociais frente ao Estado Nacional.

70 Em 2009, a Austrália modificou o seu posicionamento e se manifestou a favor da Declaração Universal

Souza Filho (1998) ensina que, em especial a partir da Segunda Guerra Mundial, os povos passaram a ter direitos internacionalmente reconhecidos, mas que para exercê- los deveriam estar estruturados em Estados. Esse reconhecimento de direitos se convencionou chamar de autodeterminação dos povos, mas que na prática internacional significa a autodeterminação dos Estados.

Assim, a autodeterminação dos povos diferenciados, na prática, tem sido tratada como direitos individuais garantidos a cada integrante do povo, incorporados à categoria de direitos humanos ou direitos de cidadania e, mais recentemente, aos direitos culturais, econômicos e sociais.

Os sujeitos de direitos reconhecidos pela Declaração possuem uma conotação ampla que transcende a ideia tradicional de povos originários da América e seus descendentes. Conforme a concepção universal da ONU, “as comunidades, povos e nações indígenas são aqueles que (...) se consideram a si mesmos diferentes de outros setores dominantes da sociedade e estão decididos a manter seus territórios ancestrais e sua identidade étnica”.71

A partir dessa concepção, constata-se que os povos indígenas não ocupam somente o continente americano, pois estão presentes nos cinco continentes, em mais de 75 países, o que corresponde a cerca de 370 milhões de pessoas ou, aproximadamente, 4% da população mundial (ONU, 2009). Ainda conforme dados das Nações Unidas, 90% da diversidade cultural existente no mundo se deve aos povos indígenas.