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CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM-TÚMULO Senhor Morisson, monomaníaco.

DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS

CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM-TÚMULO Senhor Morisson, monomaníaco.

(pag.164-168)

Um jornal inglês deu, no mês de março último, a notícia seguinte sobre o senhor Mo- risson, que acaba de morrer na Inglaterra, deixando uma fortuna de cem milhões de fran- cos. Ele era, disse esse jornal, durante os dois últimos anos de sua vida, vítima de uma singular monomania. Imaginava que estava reduzido a uma pobreza extrema e deveria ganhar seu pão de cada dia por um trabalho manual. Sua família e seus amigos haviam reconhecido que era inútil procurar desiludi-lo; era pobre, não tinha um xelim, lhe era pre- ciso trabalhar para viver isso era a sua convicção. Metiam-lhe uma enxada na mão cada manhã, e o mandavam trabalhar em seus jardins. Logo voltava-se a procurá-lo, sua tarefa tida como finda; pagava-se-lhe, então, um modesto salário pelo seu trabalho, e ele ficava contente; seu espírito estava tranqüilo, sua mania satisfeita. Teria sido o mais infeliz dos homens se tivessem procurado contrariá-lo.

1. Peço a Deus todo-poderoso permitir ao Espírito de Morrisson, que vem de morrer na Inglaterra, deixando uma fortuna considerável, se comunicar conosco. - R. Ele está aqui.

2. Lembrai-vos do estado no qual estáveis durante os dois últimos anos de vossa existência corporal? - R. Foi sempre o mesmo.

3. Depois de vossa morte, vosso Espírito se ressentiu da aberração de vossas fa- culdades durante vossa vida? - R. Sim. - São Luís completa a resposta dizendo esponta- neamente: O Espírito liberto do corpo se ressente, algum tempo, da compressão dos seus laços.

4. Assim, uma vez morto, vosso Espírito, pois, não recobrou imediatamente a pleni- tude de suas faculdades? - R. Não.

5. Onde estais agora? - R. Atrás de Ermance.

6. Sois feliz ou infeliz? - R. Falta-me alguma coisa... Não sei o quê... Procuro... Sim, eu sofro.

7. Por que sofreis? - R. Sofre pelo bem que não fez. (São Luís.)

8. De onde vinha essa mania de vos crerdes pobre com uma tão grande fortuna? - R. Eu o era; o verdadeiro rico é aquele que não tem necessidades.

9. De onde provinha, sobretudo, essa idéia que vos seria preciso trabalhar para vi- ver? - R. Estava louco; e estou ainda.

10. De onde vos chegou essa loucura? - R. Que importa! Havia escolhido essa ex- piação.

11. Qual foi a fonte de vossa fortuna? - R. Que te importa?

12. Entretanto, a invenção que fizestes não tinha por objetivo aliviar a Humanidade? - R. E de me enriquecer.

13. Que uso fizestes de vossa fortuna, quando gozáveis de toda a vossa razão? - R. Nada; creio: a desfrutava.

14. Por que Deus vos concedeu a fortuna, visto que não deveríeis fazer dela um uso útil para os outros? - R. Havia escolhido a prova.

15. Aquele que goza de uma fortuna adquirida com o seu trabalho não é mais des- culpável por retê-la do que aquele que nasce no seio da opulência e jamais conheceu a necessidade? - R. Menos. - São Luís acrescenta: Aquele conhecia a dor que não alivia.

16. Lembrai-vos da existência que precedeu aquela que vindes de deixar? - R. Sim. 17. Que éreis então? - R. Trabalhador.

18. Disseste-nos que éreis infeliz; vedes um fim para o vosso sofrimento? - R. Não. - São Luís acrescenta: É muito cedo.

19. De que isso depende? - R. De mim. Aquele que está aqui me disse. 20. Conheceis aquele que está aqui? - R. Vós o chamais Luís.

21. Sabeis o que ele foi em França, no século XIII? - R. Não... Eu o conheço por vós... Obrigado, por aquilo que me ensinam.

22. Credes em uma nova existência corporal? - R. Sim.

23. Se deveis renascer na vida corporal, de que dependerá a posição social que te- reis? - R. De mim, creio. Escolhi tantas vezes, que isso não pode depender senão de mim.

Nota.- Essas palavras: Escolhi tantas vezes, são características. Seu estado atual

prova que, apesar de suas numerosas existências, pouco progrediu, e que é sempre re- começar para ele.

24. Qual posição social escolheríeis se pudésseis recomeçar? -R. Baixa; caminha- se com mais segurança; não se está encarregado senão de si mesmo.

25. (A São Luís.) Não há um sentimento de egoísmo na escolha de uma posição in- ferior onde não se está encarregado senão de si mesmo? - R. Em nenhuma parte não se está encarregado senão de si; o homem responde por aqueles que o cercam, não somen- te as almas cuja educação lhe está confiada, mas ainda mesmo as outras: o exemplo faz todo o mal.

26. (A Morisson.) Nós vos agradecemos por consentir em responder às nossas per- guntas, e rogamos a Deus vos dar a força para suportar novas provas. - R. Vós me alivi- astes; eu aprendi.

Nota.- Reconhece-se facilmente, nas respostas acima, o estado moral desse Espíri-

to; são breves, e quando não são monossilábicas, têm alguma coisa de sombra e de va- go: um louco melancólico não falaria de outro modo. Essa persistência da aberração das idéias depois da morte é um fato notável, mas que não é constante, ou que apresente, algumas vezes, qualquer outro caráter. Teremos ocasião de citar a respeito vários exem- plos, tendo no caso de estudar os diferentes gêneros de loucura.

UM SUICIDA.

Os jornais, ultimamente, relataram o fato seguinte: "Ontem (7 de abril de 1858), pe- las sete horas da noite, um homem de uns cinqüenta anos e convenientemente vestido, se apresentou no estabelecimento da Samaritana e se fez preparar um banho. O garçon de serviço admirando-se que esse indivíduo, depois de um intervalo de duas horas, não chamasse mais, decidiu entrar em sua cabine para ver se não estava indisposto. Foi en- tão testemunha de um horrendo espetáculo: o infeliz se havia cortado a garganta com uma navalha, e todo o seu sangue se misturou à água da banheira. Não podendo ser es- tabelecida a identidade, transportou-se o cadáver para o Necrotério."

Pensamos que poderíamos haurir um ensinamento útil à nossa instrução, em uma entrevista com o Espírito desse homem. Evocamo-lo, pois, em 13 de abril, por conseguin- te seis dias somente depois de sua morte.

1. Peço a Deus Todo-poderoso permitir ao Espírito do indivíduo que se suicidou nos banhos da Samaritana se comunicar conosco. - R. Espere.... (depois de alguns segun- dos): está aqui.

Nota. - Para compreender essa resposta, é preciso saber que há, geralmente, em

todas as reuniões regulares, um Espírito familiar o do médium ou da família, que está sempre presente sem ser chamado. E ele que faz vir aquele que se evoca, e, segundo seja mais ou menos elevado, ele mesmo serve de mensageiro ou dá ordens aos Espíritos que lhe são inferiores. Quando as nossas reuniões têm por intérprete a senhorita Erman- ce Dufaux, é sempre o Espírito de São Luís que consente assisti-la de ofício; foi ele quem deu a resposta acima.

2. Onde estais agora? - R. Não sei... Dizei-me onde estou.

3. Estais na rua de Valois (Palais-Royal), nº 35, em uma assembléia de pessoas que se ocupam de estudos espíritas, e que vos são benevolentes. - R. Dizei-me se vivo... Eu estufo no caixão.

5. Qual foi o motivo que vos levou ao suicídio? - R. Estou morto?... Não... Habito meu corpo... Não sabeis o quanto sofro!... Eu estufo... Que mão compassiva procure me matar!

Nota. - Sua alma, embora separada do corpo, está ainda completamente mergulha-

da no que se poderia chamar o turbilhão da matéria corporal; as idéias terrestres estão ainda vivas; não se crê morto.

6. Por que não deixastes nenhum traço que pudesse fazer vos reconhecer? - R. Es- tou abandonado; fugi do sofrimento para encontrar a tortura.

7. Tendes agora os mesmos motivos para permanecer desconhecido? - R. Sim; não coloqueis um ferro em brasa na ferida que sangra.

8. Desejais dizer-nos vosso nome, vossa idade, vossa profissão, vosso domicílio? - R. Não... A tudo: não...

9. Tínheis uma família, uma mulher, filhos? - R. Estava abandonado; nenhum ser me amava.

10. Que fizestes para não ser amado por ninguém? - R. Quantos são como eu!... Um homem pode ser abandonado no seio de sua família, quando nenhum coração o ame.

11. No momento de consumar vosso suicídio, não experimentastes nenhuma hesi- tação? - R. Tinha sede da morte... esperava o repouso.

12. Como o pensamento do futuro não vos fez renunciar ao vosso projeto? - R. Nele não acreditava mais; estava sem esperança. O futuro é a esperança.

13. Que reflexões fizestes no momento em que sentistes a vida se extinguir em vós? - R. Não refleti; senti... Minha vida não está extinta... minha alma está ligada ao meu corpo... Sinto os vermes que me roem.

14. Que sentimento experimentastes no momento em que a morte se completou? - R. Ela se completou?

15. O momento em que a vida se extinguiu vos foi doloroso? -R. Menos doloroso do que depois. Só o corpo sofreu. - São Luís continuou: O Espírito se descarregou de um fardo que o oprimia; sentiu a volúpia da dor. (A São Luís.) Esse estado é sempre a con- seqüência do suicídio? - R. Sim; o Espírito do suicida fica ligado ao seu corpo até o termo de sua vida. A morte natural é o enfraquecimento da vida: o suicida a quebra inteiramen- te.

16. Esse estado é o mesmo de toda morte acidental independente da vontade, e que abrevia a duração natural da vida? - R. Não. Que entendeis pelo suicídio? O Espírito não é culpável senão por suas obras.

Nota.- Havíamos preparado uma série de perguntas que nos propúnhamos dirigir ao

Espírito desse homem sobre a sua nova existência; em presença dessas respostas, tor- naram-se sem objeto; estava evidente para nós que ele não tinha nenhuma consciência de sua situação; seu sofrimento era a única coisa que poderia nos descrever.

Essa dúvida da morte é muito comum entre as pessoas falecidas há pouco, e, sobre- tudo, naqueles que, durante sua vida, não elevaram sua alma acima da matéria. É um fenômeno bizarro à primeira vista, mas que se explica muito naturalmente. Se a um in- divíduo posto em sonambulismo pela primeira vez, perguntar-se se ele dorme, responderá quase sempre que não, e essa resposta é lógica: foi o interrogador que colocou mal a pergunta em se servindo de uma palavra imprópria. A idéia de sono, em nossa linguagem usual, está ligada à da suspensão de todas as nossas faculdades sensitivas; ora, o so- nâmbulo que pensa e vê, que tem consciência de sua liberdade moral, não crê dormir e, com efeito, não dorme, na acepção vulgar da palavra. Por isso, responderá não até que esteja familiarizado com essa nova maneira de entender as coisas. Ocorre o mesmo no homem que vem de morrer, para ele a morte era o nada; ora, igual ao sonâmbulo, ele vê, sente, fala; para ele, pois, não é a morte, e o dirá até que haja adquirido a intuição de seu novo estado.

CONFISSÃO DE LUÍS XI.

(Extrato da vida de Luís XI, ditada por ele mesmo à senhorita Ermance Dufaux.)

(Ver os números de março e maio de 1858.)

(pag.169-172)

ENVENENAMENTO DO DUQUE DE GUYENNE.

... Em seguida me ocupei da Guyenne. Odet d'Aidies, senhor de Lescun, que esta- va zangado comigo, fazia os preparativos da guerra com uma maravilhosa atividade. Não era senão com dificuldade que ele mantinha-o ardor belicoso de meu irmão (o duque de Guyenne). Tinha que combater um terrível adversário no espírito de meu irmão; era a se- nhora de Thouars, a amante de Charles (o duque de Guyenne).

Essa mulher não procurava senão se aproveitar do império que tinha sobre o jovem duque para afastá-lo da guerra, não ignorando que tinha por objetivo o casamento de seu amante. Seus inimigos secretos tinham fingido louvar em sua presença a beleza e as bri- lhantes qualidades de sua noiva: isso foi o bastante para persuadir-lo de que sua desgra- ça seria certa se essa princesa esposasse o duque de Guyenne. Convencida da paixão de meu irmão, recorreu às lágrimas, às preces e a todas as extravagâncias de uma mu- lher perdida em semelhante caso. O fraco Charles cedeu e deu parte a Lescun de suas novas resoluções. Este preveniu imediatamente o duque de Bretagne e os interessados; eles se alarmaram e fizeram representações ao meu irmão; elas, porém, não fizeram se- não tornar a mergulhá-lo em suas irresoluções.

Entretanto, a favorita chegou, não sem dificuldade, a dissuadi-lo de novo da guerra e do casamento; desde então, sua morte foi resolvida por todos os príncipes. Com medo que meu irmão viesse a atribui-la a Lescun, de quem conhecia a antipatia pela senhora de Thouars, decidiram ganhar Jean Faure Duversois, monge beneditino, confessor de meu irmão e abade de Saint-Jean-d'Angely.

Esse homem era um dos mais entusiasmados partidários da senhora de Thouars, e ninguém ignorava o ódio que tinha por Lescun, cuja influência política invejava. Não era provável que meu irmão lhe atribuísse, jamais, a morte de sua amante, sendo esse padre um dos favoritos, nos quais tinha maior confiança. Não foi apenas a sede de grandeza que o prendeu à favorita, também se deixou corromper sem dificuldade.

Há muito tempo, eu havia tentado seduzir o abade; ele sempre repelia minhas ofer- tas, de modo, todavia, a deixar-me a esperança de chegar a esse objetivo.

Ele viu facilmente em qual posição se colocaria prestando aos príncipes o serviço que esperavam dele; sabia que nada custava aos grandes para se desembaraçarem de um cúmplice. Por outro lado, conhecia a inconstância de meu irmão e temia ser sua víti- ma.

Para conciliar sua segurança com seus interesses, determinou-se em sacrificar seu jovem senhor. Tomando essa decisão, tinha mais chances de sucesso do que de insu- cesso. Para os príncipes, a morte do jovem duque de Guyenne deveria ser o resultado de um equívoco ou de um acidente imprevisto. A morte da favorita, quando mesmo se a pu- desse imputar ao duque de Bretagne e aos seus co-interessados, teria passado desper- cebida, por assim dizer, uma vez que ninguém teria podido descobrir os motivos que lhe davam uma importância real sob o ponto de vista político.

Admitindo que se pudesse acusá-los pela morte do meu irmão, eles se encontrariam no maior perigo, porque seria de meu dever castigá-los rigorosamente; sabiam que não seria a boa vontade que me faltaria e, nesse caso, os povos se voltariam contra eles; e o próprio duque de Bourgogne, estranho ao que se tramava em Guyenne, se teria visto for- çado a se aliar comigo, sob pena de se ver acusado de cumplicidade. Mesmo nesta última

hipótese, tudo teria triunfado na minha opinião; teria podido fazer declarar Charles-le- Téméraire criminoso de lesa-majestade e fazê-lo condenar à morte pelo Parlamento, co- mo matador de meu irmão. Essas espécies de condenações, feitas por esse corpo eleva- do, tinham sempre grandes resultados, sobretudo quando eram de uma legitimidade in- contestável.

Vêem-se, sem dificuldade, quais os interesses que os príncipes tiveram para mane- jarem o abade; mas, em compensação, nada era mais fácil do que dele se desfazerem secretamente.

Comigo, o abade de Saint-Jean teria ainda mais chances de impunidade. O serviço que me prestava era da última importância para mim, sobretudo nesse momento: a linha formidável que se formava e da qual o duque de Guyenne era o centro, deveria infalivel- mente perder-me; a morte de meu irmão, era o único meio de destruí-la e, por conseguin- te, de me salvar. Ele ambicionava o favor de Tristan-l'Hermite, e pensava que chegaria por aí a se elevar acima dele, ou pelo menos partilhar minhas boas graças e minha con- fiança com ele. Aliás, os príncipes tinham cometido a imprudência de deixar-lhe em mãos provas incontestáveis de sua culpabilidade: eram diferentes escritos; como estavam natu- ralmente concebidos em termos muito vagos, não seria difícil substituir a pessoa de meu irmão pela de sua favorita, que não era designada senão em termos subentendidos. En- tregando-me essas peças, afastaria de cima de mim toda espécie de dúvida sobre minha inocência; se livraria por isso do único perigo que corria do lado dos príncipes e, provando que eu nada tinha com o envenenamento, cessava de ser meu cúmplice e me tirava todo o interesse em fazê-lo perecer.

Restaria provar que ele mesmo nada tinha a ver com isto; era uma dificuldade me- nor: primeiro, estava certo de minha proteção; em seguida, os príncipes não tendo provas de sua culpabilidade, poderia devolver sobre eles as suas acusações, a título de calúnias.

Tudo bem pesado, fez passar junto de mim um emissário, que fingiu vir por si mes- mo, e me disse que o abade de Saint-Jean estava descontente com meu irmão. Vi, imedi- atamente, todo o partido que poderia tirar dessa disposição e caí na armadilha que o astu- to abade me estendeu; não supondo que esse homem pudesse ser enviado por ele, des- pachei um de meus espiões de confiança. St-Jean representou tão bem seu papel, que este foi enganado. Sob seu relato escrevi ao abade para conquistá-lo; ele fingiu muitos escrúpulos, mas nisso triunfei sem dificuldade. Consentiu em se encarregar do envene- namento de meu jovem irmão: não hesitei mesmo em cometer esse crime horrível, tanto estava pervertido.

Henri de Ia Roche, escudeiro da boca do duque, se encarregou de fazer preparar um pêssego que o próprio abade ofereceu à senhora de Thouars, quando merendava na mesa com meu irmão. A beleza dessa fruta era notável; fê-la admirar a esse príncipe e a partilhou com ele. Apenas os dois tinham comido, a favorita sentiu violentas dores nas entranhas: não tardou em expirar no meio dos mais atrozes sofrimentos. Meu irmão expe- rimentou os mesmos sintomas mas com muito menor violência.

Parecerá talvez estranho que o abade tenha se servido de um tal meio para enve- nenar seu jovem senhor, com efeito, o menor incidente poderia frustrar seu plano. Era, todavia, o único que a prudência poderia aprovar: fundaria a conjetura de um engano. A- tingida pela beleza do pêssego, era muito natural que a senhora de Thouars fizesse seu amante admirá-la e dele lhe oferecer uma metade: este não poderia deixar de aceitá-la e de comer um pouco, não fora senão por complacência. Admitindo que não comesse se- não uma pequena parte, teria sido suficiente para lhe dar os primeiros sintomas necessá- rios; então um envenenamento posterior poderia trazer a morte como conseqüência do primeiro.

O terror tomou os príncipes desde que souberam das funestas conseqüências do envenenamento da favorita; não tiveram a menor suspeita da premeditação do abade. Não pensavam senão em dar toda aparência natural à morte da jovem mulher e à doença

de seu amante; mas nenhum deles falou em oferecer um contra-veneno ao infeliz prínci- pe, temendo se comprometer; com efeito, essa providência teria dado a entender que co- nhecia o veneno e que era, por conseguinte, cúmplice do crime.

Graças à sua juventude e à força do seu temperamento, Charles resistiu algum tem- po ao veneno. Seus sofrimentos físicos não fizeram senão levá-lo aos seus antigos proje- tos com mais ardor. Temendo que sua doença diminuísse o zelo de seus oficiais, quis fazê-los renovar seu juramento de fidelidade. Como exigisse que se comprometessem a servi-lo para e contra todos, mesmo contra mim, alguns dentre eles, receando sua morte que parecia próxima, recusaram de prestá-lo e passaram para a minha corte...

Nota. - Leu-se, no nosso número precedente, os interessantes detalhes dados por

Luís XI sobre a sua morte. O fato que acabamos de relatar, não é menos notável sob o duplo ponto de vista da história e do fenômeno das manifestações; não teríamos, de res- to, senão o embaraço da escolha; a vida desse rei, tal qual foi ditada por ele mesmo, sem contradita, é a mais completa que temos, e, podemos dizer, a mais imparcial. O estado do Espírito de Luís XI lhe permite hoje apreciar as coisas em seu justo valor; pôde-se ver, pelos três fragmentos que citamos, como se julga a si mesmo; explica sua política melhor do que não o faria nenhum dos seus historiadores: não absolve sua conduta; e em sua morte, tão triste e tão vulgar para um monarca todo-poderoso, há algumas horas apenas, vê um castigo antecipado.

Como fato de manifestações, esse trabalho oferece um interesse todo particular: