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O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN (pag 125-131)

DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS

O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN (pag 125-131)

Nós já havíamos ouvido falar de certos fenômenos espíritas que fizeram muito ruído em 1852, na Bavière renana, nas proximidades de Spire, e sabíamos que um relato au- têntico deles havia sido publicado numa brochura alemã. Depois de pesquisas, por longo tempo infrutíferas, uma senhora, entre os nossos assinantes de Alsace, e que manifestou, nessa circunstância, um zelo e uma perseverança da qual lhe somos infinitamente reco- nhecidos, conseguiu, enfim, adquirir para si essa brochura, que fez o obséquio de nos endereçar. Damos-lhe a tradução in extenso', será lida, sem dúvida, com tanto mais inte- resse por ser, entre tantas outras, uma prova a mais de que fatos desse gênero são de todos os tempos e de todos os países, visto que estes, dos quais tratamos, se passaram numa época em que apenas se começava a falar dos Espíritos.

PREFÁCIO

Um acontecimento estranho e, desde há vários meses, o assunto de todas as con- versas de nossa cidade e dos arredores. Queremos falar do Batedor, como é chamado, da casa do alfaiate Pierre Sanger.

Até então, nos abstivemos de qualquer narração, em nosso jornal (Journal de Berg-

zabern) sobre as manifestações que se produziram nessa casa desde o dia 19 de janeiro de 1852; como, porém, despertaram a atenção geral, a tal ponto que as autoridades cre- ram dever pedir ao doutor Beutner uma explicação a esse respeito, e que o doutor Dup- ping, de Spire, se postou mesmo sobre os lugares para observar os fatos, não podemos adiar por mais tempo em comunicá-las ao público.

Nossos leitores não esperem de nós um julgamento sobre a questão, no qual ficarí- amos muito embaraçados; deixamos esse encargo àqueles que, pela natureza dos seus estudos e da sua posição, estão mais aptos a se pronunciarem, o que, aliás, farão sem dificuldade se chegarem a descobrir a causa desses efeitos. Quanto a nós, limitar-nos- emos à narração dos fatos, principalmente daqueles dos quais fomos testemunhas, ou que temos de pessoas dignas de fé, deixando ao leitor formar a sua opinião.

F.-A. BLANCK, Redator do Journal de Bergzabem. Maio de 1852

No dia 19 de janeiro deste ano (1852), a família Pierre Sanger, de Bergzabem, ouviu na casa que habitava, e num quarto vizinho do qual ficava comumente, como um marte- lamento que começava primeiro por golpes surdos, parecendo virem de longe, que se Cornavam depois mais fortes e mais e mais marcantes. Esses golpes pareciam ser dados sobre a parede, junto à qual estava colocada a cama onde dormia seu filho, com a idade de onze anos. Habitualmente, era entre nove horas e meia e dez horas e meia que o ruí- do se fazia ouvir. O casal Sanger primeiro não lhes deu atenção, mas, como essa singula- ridade se renovava a cada noite, pensaram que isso podia provir da casa vizinha, onde um enfermo se divertia, à guisa de passatempo, em bater o tambor na parede. Logo se convenceu que esse enfermo não existia e não podia ser a causa desse ruído. Removeu- se o solo do quarto, derrubou-se a parede, mas sem resultado. A cama foi transportada para o lado oposto do quarto; então, coisa espantosa, foi desse lado que o ruído ocorreu, e logo que a criança adormecia. Estava claro que a criança estava, de algum modo, na manifestação do ruído, e se supôs, depois que todas as pesquisas da polícia nada desco- briram, que esse fato deveria ser atribuído a uma enfermidade da criança ou uma particu- laridade de sua conformação. Todavia, nada, até então, veio confirmar essa suposição. É, ainda, um enigma para os médicos.

No entanto, a coisa não faz senão desenvolver-se; o ruído se prolonga além de uma hora e as pancadas têm mais força. A criança foi mudada de quarto e de cama, o batedor se manifesta nesse novo quarto, sob o leito, no leito e na parede. As pancadas não eram idênticas; eram ora fortes, ora fracas e isoladas, ora, enfim, se sucediam rapidamente, e segundo o ritmo de marchas militares e de danças.

A criança ocupava, há alguns dias, o acima mencionado quarto, quando se nota que, durante o sono, emitia palavras breves, incoerentes. As palavras tomam-se logo mais distintas e mais inteligentes; parecia que a criança se entrelinha com um outro ser, sobre o qual tinha a autoridade. Entre os fatos que se produziam cada dia, o autor desta brochura narrará um do qual foi testemunha: Estava a criança em sua cama, deitada so- bre o lado esquerdo. Apenas adormeceu, os golpes começaram e ela se pôs a falar da espécie: "Tu, tu, bate uma marcha" . E o batedor bate uma marcha, bastante parecida com uma marcha bávara. À ordem de "Alto!" da criança, o batedor pára. A criança diz en- tão: "Bate três, seis, nove vezes", e o batedor executa a ordem. Sob uma nova ordem de bater 19 golpes, 20 golpes se fizeram ouvir, a criança sonolenta diz: "Não está bem, foram 20 golpes," e logo 19 golpes foram contados. Em seguida, a criança pede 30 pancadas; ouvem-se 30 golpes. "100 pancadas." Não se pôde contar senão até 40, tão rapidamente se sucediam as pancadas. Ao último golpe a criança disse: "Muito bem; agora 110." Aqui não se pôde contar senão até perto de 50. Ao último golpe, o dorminhoco disse: "Não é isso, não foram senão 106," e logo 4 pancadas se fizeram ouvir para completarem o nú- mero de 110. O menino pede em seguida: "Mil!" Não foram dados senão 15 golpes. "Bem, vamos!" Ocorreram, ainda, 5 pancadas e o batedor se detém. Veio, então, na idéia dos assistentes, comandarem, eles mesmos, o batedor, que executa as ordens que lhe dão. Ele silenciava à ordem de "Alto! Silêncio! Sossega!" Depois, por si mesmo e sem ordem, começava a bater. Um dos assistentes disse, baixinho, em um canto do quarto, que que- ria mandar, unicamente pelo pensamento, que golpeasse 6 vezes. O experimentador se coloca, então, diante da cama e não diz uma única palavra: ouvem-se 6 pancadas. Man- dam-se, ainda pelo pensamento, 4 golpes: quatro pancadas foram dadas. A mesma expe- riência foi tentada por outras pessoas, que não se saíram bem. Logo o rapaz estende os membros, afasta a coberta e se levanta.

Quando se lhe perguntou o que havia ocorrido, respondeu ter visto um homem grande e com cara de mau, que se mantinha diante da sua cama e lhe comprimia os joe- lhos. Acrescentou que sentia dor nos joelhos, quando esse homem batia. A criança dor- miu de novo e as mesmas manifestações se reproduziram até o momento em que o reló- gio do quarto soou onze horas. De repente, o batedor se calou, a criança entrou num so- no tranqüilo, que se reconheceu pela regularidade da respiração, e nessa noite nada mais se fez ouvir. Notamos que o batedor batia, sob a ordem que recebia, marchas militares. Várias pessoas afirmam que, quando se pedia uma marcha russa, austríaca ou francesa, ela era batida com exatidão.

No dia 25 de fevereiro, estando dormindo, o menino disse: "Não queres mais bater agora, queres raspar, muito bem! quero ver como o farás." E, com efeito, no dia seguinte, 26, em lugar de pancadas, ouve-se uma raspadura que parecia vir da cama, e que está se manifestando até este dia. Os golpes se misturaram à raspadura, ora alternadamente, ora simultaneamente, de tal modo que, nas músicas de marcha ou de dança, a raspadura faz a primeira parte, e os golpes a segunda. De acordo com o pedido, a hora do dia, a idade das pessoas presentes são indicadas por raspadura ou golpes secos. Com respeito à idade das pessoas, algumas vezes havia erro; mas era retificado na 2ª ou 3ª vez, quan- do se lhe dizia que o número de golpes não era exato. Muitas vezes, em lugar de respon- der executa uma marcha.

A linguagem da criança, durante o sono, torna-se, dia a dia, mais perfeita. O que não eram primeiro senão simples palavras, ou ordens muito breves ao batedor, mudam, em seqüência, numa conversação seguida com seus parentes. Assim, um dia ele se entreli-

nha com sua irmã mais velha, sobre assuntos religiosos e num tom de exortação e de instrução, dizendo-lhe que deveria ir à missa, orar todos os dias, e mostrar submissão e obediência a seu pai e mãe. A noite, retoma os mesmos assuntos de conversa; em seus ensinamentos, nada tinha de teológico, mas, unicamente, noções que se aprendem na escola.

Antes de suas conversas, ouviam-se, pelo menos durante uma hora, golpes e ras- padura, não somente durante o sono do menino, mas mesmo quando este estava no es- tado de vigília. Vimo-lo beber e comer enquanto os golpes e as raspaduras se manifesta- vam, e vimo-lo também, no estado de vigília, dar ordens ao batedor, que foram todas exe- cutadas.

Sábado à noite, 6 de março, tendo o menino de dia, e muito desperto, predito ao seu pai que o batedor apareceria às nove horas, várias pessoas se reuniram na casa de San- ger. Soando as nove horas, quatro pancadas tão violentas foram dadas contra a parede que os assistentes com elas se assustaram. Logo, e pela primeira vez, os golpes foram dados na madeira da cama e exteriormente; toda a cama, com eles, se agitou. Esses gol- pes se manifestaram por todos os lados da cama, ora em um lugar ora noutro. Os golpes e a raspadura se alternaram na cama. Sob as ordens do rapaz e das pessoas presentes, as pancadas se faziam ouvir, seja no interior da cama, seja no exterior. De repente, a ca- ma se ergue em sentidos diferentes, enquanto as pancadas eram dadas com força. Mais de cinco pessoas tentaram, contudo, em vão, fazer cair a cama erguida; tendo-a, então, abandonado, ela se balança ainda alguns instantes, depois retoma a sua posição natural. Esse fato já ocorrera uma vez anteriormente, nessa manifestação pública.

Cada noite, também, o menino fazia uma espécie de discurso. Disso vamos falar muito sucintamente.

Antes de tudo, é preciso anotar que, logo que deixava cair sua cabeça, o menino dormia, e os golpes e a raspadura começavam. Aos golpes a criança gemia, agitava suas pernas e parecia não se sentir bem. Não ocorria o mesmo na raspadura. Quando chegava o momento de falar, o rapaz se deitava sobre o dorso, sua feição se tornava pálida, assim como suas mãos e seus braços. Fazia sinal com a mão direita e dizia: "Vamos! vem dian- te de minha cama e junta as mãos, vou falar-te do Salvador do mundo." Então os golpes e a raspadura cessavam, e todos os assistentes escutavam, com uma atenção respeitosa, o discurso do dorminhoco.

Ele falava lentamente, muito ininteligivelmente e em puro alemão, o que surpreendia tanto mais quanto o menino era menos adiantado do que os seus colegas em suas aulas, o que provinha, sobretudo, de um mal dos olhos que o impedia de estudar. Suas conver- sas giravam em torno da vida e das ações de Jesus, desde seu décimo-segundo ano, de sua presença no templo com os escribas, dos seus benefícios para com a Humanidade e dos seus milagres; em seguida, estendia-se no relato dos seus sofrimentos, e criticava severamente os Judeus por terem crucificado Jesus, apesar de suas numerosas bonda- des e das suas bênçãos. Terminando, o menino dirigia a Deus uma fervorosa prece, "de lhe conceder a graça de suportar, com resignação, os sofrimentos que lhe enviara, uma vez que havia escolhido entrar em comunicação com o Espírito." Pedia a Deus para não deixá-lo morrer ainda, pois não era senão uma criança, e que não queria baixar à tumba escura. Terminados seus discursos, recitava com voz solene o Paternoster, depois do que dizia: "Agora podes vir", e logo os golpes e as raspaduras recomeçavam. Fala ainda duas vezes ao Espírito, e, a cada vez, o Espírito batedor se detinha. Dizia, ainda, algumas pa- lavras e depois: "Agora podes ir em nome de Deus." E despertava.

Durante as suas conversas, os olhos do menino estavam bem fechados; mas seus lábios se movimentavam; as pessoas que estavam mais próximas do leito, puderam notar esse movimento. A voz era pura e harmoniosa.

Em seu despertar, perguntava-se-lhe o que havia visto e o que se passara. Ele res- pondia: "O homem que vem me ver. - Onde se acha? - Perto de minha cama com outras pessoas. - Vistes as outras pessoas? - Vi todas as que estavam perto do meu leito."

Compreender-se-á, facilmente, que semelhantes manifestações encontraram muitos incrédulos, e que se supôs que toda essa história não era senão uma mistificação; mas o pai não era capaz de charlatanice, sobretudo de uma charlatanice que teria exigido toda a habilidade de um prestidigitador profissional; ele gozava da reputação de um bravo e ho- nesto homem.

Para responder a essas suposições e fazê-las cessar, transportou-se o menino para uma casa estranha. Logo que ali chegou, os golpes e as arranhaduras se fizeram ouvir. Além do mais, alguns dias antes, o menino tinha ido com sua mãe a uma pequena vila chamada Capelle, a cerca de meia légua dali, na casa da viúva Klein; disse que estava cansado; deitam-no em um canapé e logo o mesmo fenômeno ocorreu. Várias testemu- nhas podem afirmar o fato. Se bem que o menino parecia passar bem de saúde, não obs- tante deveria estar afetado por alguma doença, que seria provada senão pelas manifesta- ções relatadas acima, pelo menos pelos movimentos involuntários dos músculos e os so- bressaltos nervosos.

Faremos notar, terminando, que o menino foi conduzido, há algumas semanas, à casa do doutor Beutner, onde deveria permanecer, para que esse sábio pudesse estudar, mais de perto, os fenômenos em questão. Desde então, todo ruído cessou na casa de Sanger e se produziu na do doutor Beutner.

Tais são, em toda a sua autenticidade, os fatos que se passaram. Entregamo-los ao público sem emitir julgamento. Possam os homens da arte dar-lhes, em breve, uma expli- cação satisfatória.

BLANCK. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN.

A explicação solicitada pelo narrador que acabamos de citar, é fácil de ser dada; não há senão uma, e só a Doutrina Espírita pode fornecê-la. Esses fenômenos nada têm de extraordinário para quem esteja familiarizado com aqueles aos quais os Espíritos nos ha- bituaram. Sabe-se qual papel certas pessoas fazem a imaginação representar; sem dúvi- da, se o menino não tivesse tido senão visões, os partidários da alucinação estariam em condições favoráveis; mas aqui havia efeitos materiais de uma natureza inequívoca, que tiveram um grande número de testemunhas, e seria preciso supor que todas estavam alu- cinadas ao ponto de crerem que ouviam o que não ouviam, e vissem se movimentarem móveis imóveis; ora, haveria nisso um fenômeno mais extraordinário ainda. Não resta aos incrédulos senão um recurso, o de negarem; é mais fácil e isso dispensa raciocinar.

Examinando a coisa do ponto de vista espírita, fica evidente que o Espírito que se manifestou era inferior ao do menino, uma vez que lhe obedecia; estava mesmo subordi- nado aos assistentes, uma vez que também podiam comandá-lo. Se não soubéssemos, pela Doutrina, que os Espíritos dito batedores estão na base da escala, o que se passou disso seria uma prova. Não se conceberia, com efeito, que um Espírito elevado, não mais do que os nossos sábios e nossos filósofos, viesse se distrair batendo marchas e valsas, representando, em uma palavra, o papel de malabarista, nem se submeter aos caprichos de seres humanos. Ele se apresenta sob os traços de um homem de mau aspecto, cir- cunstância que não pode senão corroborar esta opinião; o moral se reflete, em geral, so- bre o envoltório. Está, pois, averiguado por nós que o batedor de Bergzabern é um Espíri- to inferior, da classe dos Espíritos levianos, que se manifestou como tantos outros o fize- ram e o fazem todos os dias.

Agora, com qual objetivo veio? A notícia não diz se foi chamado; hoje, quando se es- tá mais experimentado sobre essa espécie de coisas, não se deixaria chegar um visitante

tão estranho sem se informar por que veio. Não podemos, pois, senão estabelecer uma conjectura. E certo que ele nada fez que revele maldade ou má intenção; o menino não sofreu nenhuma perturbação, nem física nem moral; só os homens teriam podido pertur- bar seu moral ferindo sua imaginação com contos ridículos, e é feliz porque não hajam feito. Esse Espírito, por inferior que fosse, não era, pois, nem mau nem malevolente; era simplesmente um desses Espíritos, tão numerosos, dos quais estamos, sem cessar, ro- deados sem o sabermos. Poderia agir, nessa circunstância, por um simples efeito do seu capricho, como também poderia fazê-lo por instigação de Espíritos elevados, tendo em vista despertar a atenção dos homens e convencê-los da realidade de um poder superior fora do mundo corpóreo.

Quanto ao menino, é certo que era um desses médiuns de influência física, dotados, sem o saberem, dessa faculdade, e que são para os outros médiuns o que os sonâmbu- los naturais são para os sonâmbulos magnéticos. Essa faculdade dirigida com prudência, por um homem experimentado na nova ciência, teria podido produzir coisas mais extraor- dinárias ainda e de natureza a lançarem uma nova luz sobre esses fenômenos, que não são maravilhosos senão porque não são compreendidos.

O ORGULHO

DISSERTAÇÃO MORAL DITADA POR SÃO LUÍS À SENHORITA HERMANCE DUFAUX. (19 e 26 de janeiro de 1858.)

(pag. 132-133)

l

Um orgulhoso possuía alguns hectares de boa terra; estava vaidoso com as pesadas espigas que cobriam o seu campo, e não abaixava senão um olhar de desdém sobre o campo estéril do humilde. Este se levantava ao canto do galo, e passava o dia todo cur- vado sobre o solo ingrato; recolhia pacientemente as pedras, e ia jogá-las à beira do ca- minho; revolvia profundamente a terra e extirpava, penosamente, os espinheiros que a cobriam. Ora, seus suores fecundaram seu campo e resultou em puro frumento.

No entanto, o joio crescia no campo do soberbo e sufocava o trigo, enquanto o se- nhor ia se glorificar da sua fecundidade, e olhava com um olhar de piedade os esforços silenciosos do humilde.

Eu vos digo, em verdade, o orgulho é semelhante ao joio que sufoca o bom grão. Aquele dentre vós que se crê mais do que seu irmão, e que se glorifica de si, é insensato; mas é sábio esse que trabalha em si mesmo, como o humilde em seu campo, sem tirar vaidade da sua obra.

II

Houve um homem rico e poderoso que detinha o favor do príncipe; habitava palá- cios, e numerosos servidores se apressavam sobre os seus passos a fim de prevenirem os seus desejos.

Um dia em que suas matilhas forçavam o cervo nas profundezas de uma floresta, percebeu um pobre lenhador que caminhava penosamente sob um fardo de lenha; cha- ma-o e lhe diz:

- Vil escravo! por que passas em teu caminho sem te inclinares diante de mim? Eu sou igual ao soberano, minha voz decide nos conselhos da paz ou da guerra, e os gran- des do reino se curvam diante de mim. Sabe que sou sábio entre os sábios, poderoso entre os poderosos, grande entre os grandes, e a minha elevação é a obra das minhas, mãos.

- Senhor! respondeu o pobre homem, temi que minha humilde saudação fosse uma ofensa para vós. Sou pobre e não tenho senão os meus braços por todo o bem, mas não

desejo as vossas enganosas grandezas. Durmo o meu sono, e não temo, como vós, que o prazer do soberano me faça cair em minha obscuridade Ora, o príncipe se cansou do orgulho do soberbo; os grandes humilhados se reergueram sobre ele, que foi precipitado do auge do seu poder, como a folha seca que o vento varre do cume de uma montanha; mas o humilde continua pacificamente seu rude trabalho, sem preocupação com o futuro.

III

Soberbo, humilha-te, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó!

Escuta! Nasceste onde a sorte te colocou; saíste do seio de tua mãe fraco e nu co- mo o último dos homens. De onde vem, pois, que eleves tua fronte mais alta do que teus semelhantes, tu que nasces-te, como eles, para a dor e para a morte?