• Nenhum resultado encontrado

O Corpo como unidade na pessoa humana

No documento Download/Open (páginas 62-66)

CAPÍTULO II: A CONCEPÇÃO DE HUMANO INTEGRADO

2.2 A noção de Humano Integrado

2.2.1 O Corpo como unidade na pessoa humana

Nesta parte da nossa pesquisa, o corpo será apresentado como unidade – e não meramente um corpo dicotômico conforme a filosofia helênica – em que o corpo é um veículo para “alma”. Uma visão platônica é encontrada fora da concepção cristã, de um ser humano unitário.

Surge também outro problema com relação à interpretação da Bíblia, principalmente com os escritos paulinos. As leituras feitas de forma literal causam graves equívocos, a respeito da visão unitária comentada por Alfonso Garcia Rubio. Diante desta realidade, o

63 pentecostalismo, fiel ao seu contexto eclesiástico, segue na mesma tendência. Os efeitos disso podem ser uma exagerada valorização do espiritual, que esquece o “aqui e agora” e enfatiza a salvação da alma. “Essa experiência profunda foi expressa pela filosofia platônica por corpo e “alma” que tem influenciado as igrejas pentecostais e neopentecostais aterem uma visão equivocada da unidade de ser humano” (BOFF, 1972, p. 84).

Para Comblin, o corpo está presente no meio do universo e não se encontra sozinho, mas, integrado a todo o cosmo. Pode-se dizer que não há um dualismo, uma separação e, sim, uma integração, se unindo com outros corpos e se relacionando entre si (COMBLIN, 1985, p. 89). Urbano Zilles explica que “a pessoa toda, não apenas sua alma; a comunhão humana verdadeira, não apenas pessoas isoladas; a humanidade ligada com a natureza, não apenas as pessoas que se defrontam com a natureza, são imagem e honra de Deus” (ZILLES, 2011, p. 168). A integração do ser humano não é parte isolada, mas, uma unidade em que todas as pessoas se encontram e se entrelaçam entre si – em uma mesma corrente de comunhão e fraternidade – não havendo um dualismo antropológico, que os gnósticos pretendiam e influenciaram as comunidades cristãs no decorrer dos séculos. Garcia Rubio comenta que “a visão clássica do ser humano tendia a ressaltar o valor do espírito em detrimento da realidade corpórea-sensível assim, do ser humano” (GARCIA RUBIO, 2006, p. 59). Não se tinha uma visão integradora por parte da filosofia helênica, mas, sim, um dualismo no qual corpo e espírito se encontravam totalmente separados, com uma percepção dualista da realidade, o que leva a exclusão de mundo e corpo. Para Garcia Rubio, essas concepções dualistas devem ser procuradas na antropologia teológica. Ele salienta:

A resposta deve ser buscada na concepção neoplatônica de ser humano, que tanto marcou a mentalidade ocidental. Segundo este pensamento, as diversas dimensões do ser humano não são chamadas à integração, mas sim à exclusão de algumas para a afirmação de outras. Assim, por exemplo, o mundo das ideias é superior ao mundo da corporeidade, a alma ao corpo, o pensar ao sentir. O problema do dualismo não está tanto em colocar este ou aquele aspecto em posição momentânea de primazia, mas exatamente em estabelecer entre distintos aspectos uma relação de desarticulação, oposição, conflito. No caso da clássica relação entre alma e corpo, diante da primazia dualista da alma, não se trata de somente afirmar, por inversão de polos, a primazia referencial do corpo como acontece nos ambientes urbanos (GARCIA RUBIO, 2007, p. 42).

A formulação para toda a experiência cristã “concebe a pessoa humana como portadora, ao mesmo tempo, de individualidade e relacionalidade, estas duas dimensões são

64 chamadas à coexistência integradora” (GARCIA RUBIO, 2007, p. 42-43). O indivíduo é sujeito diante de si mesmo e das relações sociais e com todo o cosmo. O ser humano é união de um corpo e uma alma; está identificado com o “eu” ou sujeito. Como ser corpóreo se relaciona com espaço e tempo. Contra todas as formas de dualismo convém destacar que o ser humano é singular: uma única substância que tem integrado a psique e a parte física, ou seja, não se reduz a alma e o corpo. De acordo com Zilles: “Através do corpo que entramos em comunhão com todo o universo material, pelo ar que respiramos, pelo alimento que ingerimos” (ZILLES, 2011, p.121). As coisas existem enquanto relacionadas com o corpo, ou seja, o corpo é minha transmissão para minha integração com os demais existentes. Sem corpo não há mundo nem consciência. É por meio dele que eu me comunico com as outras pessoas. Para Garcia Rubio, a maneira que a filosofia helênica olhou para o ser humano pretendia valorizar o espírito, desprezando a corporeidade. Este modo de pensar penetrou na vida ocidental e na consciência cristã. Desse modo, é necessário afirmar, explicar e fundamentar a visão integradora de ser humano. O discernimento do próprio corpo, ou melhor, a consciência de si próprio como corporeidade, é primordial para o maturar da efetividade. A desvalorização do corpo fecunda para a desvalorização dos nossos sentimentos, sofrimentos e fraquezas que fazem parte da nossa constituição como pessoa. O corpo deve ser reconhecido e cuidado, pois faz parte da integridade do ser humano. O corpo é relação e locução com as outras pessoas. Garcia Rubio comenta:

Toda a corporeidade é uma dimensão a ser integrada na globalidade de dimensões que é o ser pessoal. O cuidado e a preocupação com o corpo devem estar a serviço do projeto de vida. A acentuação unilateral do valor da corporeidade empobrece e mutila o ser humano tanto quanto a acentuação unilateral do valor da dimensão espiritual (GARCIA RUBIO, 2006, p. 100-101).

Para o teólogo Garcia Rubio, o corpo apresenta fraquezas para a vida pessoal, especialmente a insuficiência da sua capacidade expressiva, os equívocos na comunicação corpórea, as doenças e limitações. O caráter da ambiguidade acompanha o ser humano em suas relações. Não existe um dualismo que separa, mas, que integra o corpo junto aos outros e o mundo criado. Em súmula, pelo corpo somos parte do mundo material. Porém, pelo corpo, também estamos interligados aos outros seres humanos. A comunhão corporal alcança sua inteireza nos relacionamentos de afetos. “Ao lado da doença, da dor e da morte, essa união revela sua limitações e finitude” (ZILLES, 2011, p. 125). Portanto, a corporeidade não é dual como queria os gnósticos, mas, uma relação que se faz no contato com o próximo e com o

65 cosmo.

66

No documento Download/Open (páginas 62-66)