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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ANDRÉ MAGALHÃES COELHO

O SER HUMANO COMO IMAGEM DE DEUS

UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DO DUALISMO ANTROPOLÓGICO NO DISCURSO RELIGIOSO DA COMUNIDADE CRISTÃ PAZ E VIDA

SÃO BERNADO DO CAMPO 2017

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ANDRÉ MAGALHÃES COELHO

O SER HUMANO COMO IMAGEM DE DEUS

UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DO DUALISMO ANTROPOLÓGICO NO DISCURSO RELIGIOSO DA COMUNIDADE CRISTÃ PAZ E VIDA

Dissertação apresentada em

cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre, sob orientação do Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro.

SÃO BERNADO DO CAMPO 2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

C65s

Coelho, André Magalhães

O ser humano como imagem de Deus: uma análise teológica do dualismo antropológico no discurso religioso da comunidade cristã paz e vida.

103fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Escola de Comunicação, Educação e Humanidades, Programa de

Pós-Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2017.

Bibliografia

Orientação de: Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

1. Pentecostalismo 2.Antropologia cristã 3.Dualismo – Aspectos religiosos 4. Comunidade cristã Paz e Vida I. Título

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A dissertação de mestrado sob o título “O ser humano como imagem de Deus: Uma análise teológica do dualismo antropológico no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida”, elaborada por André Magalhães Coelho, foi apresentada em 24 de março de 2017, perante banca examinadora composta pelo Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro (Presidente/UMESP), Dr. Rui de Souza Josgrilberg (Titular/UMESP) e Dr. Antonio Manzatto (Titular/PUC-SP).

_____________________________________________

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_____________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião.

Área de Concentração: Linguagens da Religião.

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“Embora sem nome adequado, Deus arde em nosso coração e ilumina nossa vida. Então não precisamos

mais crer em Deus. Simplesmente sabemos dele porque o experimentamos” (Leonardo Boff)

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DEDICATÓRIA

Dedico essa dissertação à minha mãe, Maria de Lurdes Magalhães Coelho e ao meu pai João Coelho, que lutaram para educar a mim e minhas irmãs e nos proporcionar uma vida digna. Também dedico a minha esposa pela paciência e encorajamento que foi de essencial importância para a conclusão deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Magda Almeida – Pelo apoio e o companheirismo que me ajudou a ter paciência no desenvolvimento desse trabalho.

A minha família: pai, mãe e esposa que me acolheram e tiveram paciência nos momentos de dedicação da pesquisa.

Capes – Pelo financiamento da pesquisa.

Ao Professor Claudio de Oliveira Ribeiro que me orientou nessa jornada de dois anos no desenvolvimento da pesquisa.

Aos Professores Rui de Souza Josgrilberg e Helmut Renders que me aconselharam na qualificação e apontaram caminhos para que o trabalho fosse concluído.

Ao Professor Marcelo Furlin que me apresentou ao programa de Ciências da Religião da UMESP.

E aos demais professores do programa de Ciências da Religião e colegas que em conversas me ajudaram no desenvolvimento da minha pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa propõe investigar a antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida, grupo evangélico de matriz neopentecostal. A ênfase teológica na unidade da constituição humana, que o testemunho bíblico indica, contrasta com a experiência histórica da cristandade, na qual o corpo sempre teve um papel secundário, status que ainda permanece em vários grupos religiosos, incluindo o pentecostalismo brasileiro atual. Diante desta realidade, o pentecostalismo estabelece suas bases, fiel ao seu contexto eclesiástico na mesma tendência platônica de valorizar mais o que usualmente se denominou a “alma” e “espírito” do que o corpo, não obstante ao valor da cura do corpo, da corporeidade na liturgia e da lógica de prosperidade material também presentes nessas experiências religiosas. Para se contrapor a essa visão será indicado o conceito de antropologia integrada, a partir de vários autores, em especial o teólogo Alfonso Garcia Rubio. Tal conceito se caracteriza fundamentalmente por entendermos que o ser humano é uma unidade. Trata-se daquele ser concreto que se apresenta em todas as suas dimensões corpóreas, sendo que o corpo deve se relacionar com todo o cosmo e com outros seres vivos fazendo presente em um mundo de relações e não de exclusões e dicotomias. Nesse sentido, nos perguntamos em que medida a contribuição de uma antropologia teológica integral pode se constituir em uma contribuição para a superação do dualismo antropológico em grupos religiosos como a Comunidade Cristã Paz e Vida? A pesquisa indica alguns caminhos teológicos de superação de conceitos de natureza dualista e reducionista da condição humana, tendo em vista uma antropologia integrada. Como superação desse dualismo sugerimos uma espiritualidade encarnada na qual o corpo faz evidente em todas as suas relações e na qual a experiência unitária do ser humano como pessoa concreta. A partir do conceito de Humano Integrado, que busca a superação dos dualismos, espera-se oferecer à Comunidade Cristã Paz e Vida, a partir de sua própria vivência, com todas as ambiguidades nela existentes, uma percepção unitária do ser humano.

Palavras-chave: Teologia Pentecostal, Comunidade Cristã Paz e Vida, Dualismo

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ABSTRACT

This research proposes to investigate the theological anthropology of the Christian Community Peace and Life, evangelical group of neo-Pentecostal matrix. The theological emphasis on the unity of the human constitution, which biblical testimony indicates, contrasts with the historical experience of Christendom in which the body has always played a secondary role, a status that still remains in various religious groups, including current Brazilian Pentecostalism. In view of this reality, Pentecostalism establishes its foundations, faithful to its ecclesiastical context in the same Platonic tendency to value more what is usually called the "soul" and "spirit" than the body, despite the value of body healing, Corporeality in the liturgy and the logic of material prosperity also present in these religious experiences. In order to counter this view, the concept of integrated anthropology will be indicated, based on several authors, especially the theologian Alfonso Garcia Rubio. This concept is fundamentally characterized by the understanding that the human being is a unit. It is that concrete being that appears in all its corporeal dimensions, and the body must relate to the whole cosmos and other living beings making present in a world of relationships and not of exclusions and dichotomies. In this sense, we wonder to what extent the contribution of an integral theological anthropology can constitute a contribution to overcome the anthropological dualism in religious groups such as the Christian Community Peace and Life? The research indicates some theological paths of overcoming concepts of dualistic and reductionist nature of the human condition, in view of an integrated anthropology. As an overcoming of this dualism we suggest an incarnated spirituality where the body makes evident in all its relations and where the unitary experience of the human being as a concrete person. From the concept of Integrated Human, which seeks to overcome dualisms, it is hoped to offer the Christian Community Peace and Life, from its own experience, with all the ambiguities in it, a unitary perception of the human being.

Keywords: Pentecostal Theology, Christian Community Peace and Life, Body and Soul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I: O PENSAMENTO DUALISTA NA VIDA CRISTÃ ... 14

1.1 O dualismo helênico na teologia cristã ... 15

1.1.1 O dualismo no Ocidente Medieval ... 17

1.1.2 O dualismo na Modernidade ... 20

1.1.3 O dualismo antropológico entre os reformadores ... 24

1.1.4 O dualismo antropológico no pentecostalismo ... 26

1.2 Aspectos da antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida ... 31

1.2.1 O corpo no culto da Comunidade Cristã Paz e Vida ... 35

1.2.2 Dualismo Corpo e Alma e Cura divina na Comunidade Cristã Paz e Vida... 36

1.2.3 Imortalidade da alma na Comunidade Cristã Paz e Vida ... 40

CAPÍTULO II: A CONCEPÇÃO DE HUMANO INTEGRADO ... 47

2.1 A integralidade do humano na antropologia bíblica ... 47

2.2 A noção de Humano Integrado ... 53

2.2.1 O Corpo como unidade na pessoa humana ... 62

2.2.2 Problema antropológico ... 66

2.3 Superação do dualismo Corpo e Alma ... 67

CAPÍTULO III: NO CAMINHO DA SUPERAÇÃO DO DUALISMO CORPO E ALMA .. 73

3.1 De uma espiritualidade etérea para uma espiritualidade encarnada ... 74

3.2 A ênfase nas curas como caminho de superação do dualismo ... 78

3.3 De uma visão sobrenaturalista a uma visão humana responsável ... 83

3.4 Da imortalidade da alma à ressurreição do corpo ... 87

CONCLUSÃO ... 95

(11)

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INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema do dualismo "corpo” e "alma" ocorreu pelo fato de que há, diante do contexto evangélico brasileiro, principalmente pentecostal e neopentecostal, uma influência de um ser humano dicotômico e não integral nas diferentes práticas das comunidades. Como decorrência dessa preocupação surgiu a pergunta: Como falar hoje significativamente sobre o ser humano numa perspectiva antropológica integrada de ser humano? Antes de aprofundar este questionamento e procurar uma resposta, deve-se considerar que a dimensão humana encontra-se em um ser integral contrapondo tendências espiritualistas e dualistas. Estes questionamentos, de uma forma ou de outra, serão abordados neste estudo.

A separação entre corpo e alma deve ser colocada como uma problemática dentro da antropologia teológica e filosófica, por ser uma influência do pensamento gnóstico e não ser – segundo as avaliações teológicas mais criteriosas – autenticamente bíblica. Ao contrário, deve ser considerada a imagem e a compreensão do ser humano integrado, pois o determinante na relação entre alma e corpo atinge não só a relação de dois princípios no âmbito do próprio ser humano, mas, também, a relação para com outras pessoas, com o mundo e com Deus. A religião de modo geral, e o cristianismo em particular, nunca lidaram bem com a natureza humana e as suas fraquezas. De que maneira esse dualismo exagerado orienta as igrejas a não valorizar a percepção bíblica de ser humano em sua integralidade? Ao analisar os discursos religiosos da Comunidade Cristã Paz e Vida, pretende-se responder a estas e a outras perguntas, para uma melhor compreensão sobre o dualismo antropológico nela existente. Para contextualizar historicamente o tema, faremos uma leitura sobre a influência gnóstica no cristianismo no decorrer da história e, por fim, usaremos as contribuições de Alfonso Garcia Rubio sobre a perspectiva de um ser humano integrado. Nesse sentido, pergunta-se: Em que medida a contribuição de uma antropologia teológica integral pode se constituir em uma contribuição para a superação do dualismo antropológico em grupos religiosos como a Comunidade Cristã Paz e Vida?

Por estes motivos, a pesquisa tem por objetivo investigar a antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida, grupo evangélico de matriz neopentecostal, além de propor caminhos teológicos de superação de conceitos de natureza dualista e reducionista da condição humana, tendo em vista uma antropologia integrada. A ênfase teológica na unidade da constituição humana, que o testemunho bíblico indica, contrasta com a experiência

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12 histórica da cristandade, na qual o corpo sempre teve um papel secundário, status que ainda permanece em vários grupos religiosos, incluindo o pentecostalismo brasileiro atual. Diante desta realidade, o pentecostalismo estabelece suas bases, fiel ao seu contexto eclesiástico na mesma tendência platônica de valorizar mais o que usualmente se denominou a “alma” e “espírito” do que o corpo, não obstante o valor da cura do corpo, da corporeidade na liturgia e na lógica de prosperidade material também presentes nessas experiências religiosas. Para se contrapor a essa visão será indicado o conceito de antropologia integrada, a partir de vários autores, em especial Alfonso Garcia Rubio, conforme já citado. Nos discursos religiosos, principalmente nos movimentos pentecostais e neopentecostais no Brasil, o corpo não possui valor em si mesmo. Antes é visto como uma parte separada do espírito. Tal discurso provém da filosofia helênica, principalmente platônica e neoplatônica, em que há uma valorização do que é “espiritual” e tudo que é corpóreo é visto como fraqueza e mal, e não pertence ao mundo positivo das ideias. Para Platão, em linhas gerais, o corpo seria a prisão da alma. O dualismo religioso e filosófico, desde os primórdios, assedia o cristianismo com certa concepção antropológica e de mundo caracterizada por séria desconfiança em relação à matéria e toda corporeidade. Por outro lado, nunca foi fácil para a pessoa comum, que fora atraída para as igrejas pentecostais, apreender adequadamente a concepção bíblica da integridade do ser humano em sua dimensão material-espiritual. Para ela, o corpo, a princípio, era em si mesmo uma natureza pecaminosa, estava aprisionado à sombra de uma força poderosa, o poder da carne, que se opõe ao espírito.

É fato que em tensão com o desprezo pelo corpo estão contraditoriamente presentes outras dimensões como o valor da cura física, a expressão da corporeidade na liturgia e a lógica de prosperidade material também presentes nessas experiências religiosas. Nesta pesquisa pretende-se investigar o que a teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida afirma a respeito de ser humano e a sua constituição. A intenção é verificar em que níveis acontecem a influência do dualismo antropológico corpo e alma nos discursos da referida igreja.

Ao longo deste estudo, outros conceitos serão utilizados para a demonstração da validade da expressão "O Ser humano como imagem de Deus” e para uma análise teológica do dualismo antropológico no discurso religioso da Comunidade Cristã Paz e Vida. Para a realização da pesquisa, a partir dos pressupostos mencionados, será utilizado o método da pesquisa bibliográfica com atenção especial para livros de referência da teologia pentecostal no Brasil, materiais citados pela Escola Superior de Teologia Juanribe Pagliarin (ESTJP), que é o presidente da Comunidade Cristã Paz e Vida. Estes materiais são essenciais

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13 para a compreensão do ser humano e as suas dimensões antropológicas a respeito do tema que serão abordados.

Outras obras e autores – que têm lapidado a teologia pentecostal no Brasil – serão citados, assim como a compreensão a respeito da natureza humana. Nossa pressuposição é que elas marcam, ao menos em parte, o imaginário doutrinário da Comunidade Cristã Paz e Vida. Entre tais obras, destacam-se Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, de Myer Pearlmann (2006) e O Século do Espírito Santo: 100 anos do avivamento pentecostal e carismático, cujo editor é Vinson Synan (2009). Esta dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo explica sobre o pensamento dualista na vida cristã e como esse dualismo antropológico influenciou as comunidades cristãs, além de abordar o discurso teológico da Comunidade Cristã Paz e Vida e sua antropologia. O segundo capítulo mostra a concepção de humano integrado e a análise da visão bíblica sobre o ser humano. E o terceiro e último capítulo apresenta caminhos da superação real do dualismo corpo e alma.

(14)

14

CAPÍTULO I

O PENSAMENTO DUALISTA NA VIDA CRISTÃ

Em primeiro lugar, apresentaremos, de forma panorâmica, o pensamento dualista no cristianismo e como isso influenciou diversos movimentos e grupos ao longo da história. Abordaremos também, em linhas gerais, a antropologia teológica pentecostal no Brasil, sobretudo a neopentecostal, além de apontar a desvalorização do corpo, com a valorização da “alma” e do “espírito” de forma exagerada e dualista. Essa desvalorização do corpo não é um traço somente dos movimentos pentecostais, também aparece no decorrer da história do cristianismo. A origem do pensamento dicotômico do ser humano no cristianismo não foi um problema só de época, mas se encontra hoje nos círculos religiosos e seculares. A manifestação do pensamento dualista de ser humano não acontece apenas na visão da filosofia helênica, mas, remonta ao início da história da humanidade. Percebemos essa influência dicotômica na Índia e na Pérsia Antiga. Na visão helênica ela é trabalhada especialmente entre Pitágoras, mas é por meio de Platão que ela ganha uma importância no campo teórico metafísico (GARCIA RUBIO, 1989, p. 77).

Desde os primórdios do cristianismo, essa concepção dualística se tornou modelo dominante no cristianismo sustentando um pensamento platônico e ideologicamente religioso da gnose de seu dualismo metafísico. É importante lembrar que a partir do século 4ºd.C., sobretudo depois de Santo Agostinho, a ideia cristã do destino do ser humano após a morte baseia-se, cada vez mais, no modelo dualista da filosofia helênica. Este padrão antropológico já existia dentro do império greco-romano antes mesmo do cristianismo. Com o desaparecimento deste império, prosseguiu-se dentro do pensamento cristão e permanece até os dias de hoje. A partir do momento que a cultura helênica, com seu pensamento dualista e antropológico, entra em contato com o cristianismo há um esforço contínuo das primeiras comunidades irem contra essa concepção metafísica do ser humano, para defender a globalidade do humano integrado contra o modelo helênico.

Nesse sentido, as visões da filosofia helênica serão apresentadas e como o dualismo antropológico veio infiltrar nos círculos cristãos e influenciar movimentos oriundos do cristianismo.

Em seguida, o estudo mostrará o que a teologia da Comunidade Cristã Paz e Vida afirma a respeito do ser humano e sua constituição. Pretende-se examinar a antropologia teológica desta Comunidade, tendo como eixo de observação, e análise o dualismo "corpo" e

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15 “alma” e a contraposição a uma visão unitária de ser humano. O pensamento gnóstico dualista – que se manifestou durante a história nos movimentos cristãos, em especial os pentecostais, e em que níveis ocorrem a influência do dualismo antropológico corpo e alma nos discursos da referida igreja – também será estudado.

1.1 O dualismo helênico na teologia cristã

Neste item abordaremos o dualismo helênico na teologia cristã e discutiremos que ele não foi o único a influenciar na vida da igreja, nos tempos modernos. Descartes desenvolveu uma visão de ser humano dualista: “o corpo é simplesmente matéria espacial, substância extensa” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 80). A problemática desta antropologia é bem conhecida: a pessoa humana e a sua consciência estão divididas da própria corporeidade e vice-versa. A fé no Deus salvador e o Cristo Glorificado evitou sempre uma contaminação radical por parte do dualismo. Com isso, comentaremos a influência da filosofia grega no cristianismo e as suas visões de ser humano. Os gnósticos acreditavam que tinham um conhecimento (uma sabedoria espiritual) e com isso ensinavam a respeito das coisas que dividiam o mundo das ideias e o mundo físico. A matéria seria desvinculada do mundo espiritual. Para os dualistas a salvação significava que não estava ao alcance de uma pessoa comum e nem dos cristãos. “Tal gnose ou conhecimento implicava reconhecer a verdadeira origem celestial do espírito sua natureza divina essencial, como uma parte do próprio ser de Deus, e Cristo como o mensageiro espiritual imaterial enviado por esse Deus” (OLSON, 2001, p.28). Como isso acertava-se em ser incognoscível para resolver e buscar as centelhas dispersas do ser que estavam aprisionadas em corpos materiais. Todos os gnósticos acreditavam que Cristo não estava de fato encarnado em Jesus, mas, tinha a aparência de um ser humano. A igreja nunca aceitou tipos de dualismos que comprometessem considerar a matéria e o corpo como mau. A igreja soube evitar e defender a unidade fundamental do ser humano e suas constituições. O corpo não pode ser desprezado, mas é valorizado como um todo. Reconhecendo a Imagem e Semelhança de Deus – na corporeidade e na criação – a penetração deste dualismo moderado pode ser graficamente representada com repartições e não como o ser integrado (GARCIA RUBIO, 1989, p. 80-81).

O pensamento gnóstico infiltrou fortemente nos cultos greco-romanos e também em certos movimentos cristãos. Muitas vezes, a sua influência fazia os cristãos não perceberem o perigo que ele apresentava para a fé cristã (GARCIA RUBIO, 1989, p. 269). A

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16 filosofia helênica tanto no começo do cristianismo como na história da igreja foi bastante debatida. No decorrer da época a doutrina gnóstica levantou questões hermenêuticas onde surgiram grandes teólogos debatendo a questão, por exemplo: Santo Agostinho de Hipona, Gregório de Nissa e outros tantos.

O novo testamento jamais prega em seu anúncio central a imortalidade da alma, mas a ressurreição dos mortos como o grande futuro do homem para o após-morte. Essa mensagem não é fruto de uma especulação de ordem antropológica, mas de uma experiência vivida que os levou a exclamar radiante: o Senhor ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão (Lc 24, 34) (BOFF, 1972, p. 71).

Na Patrística ocidental a aceitação do dualismo Platônico ganhava força. O corpo é separado da alma. O Platonismo é latente nas comunidades cristãs. O corpo (carne) é pecador e as emoções e sentimentos devem ser sacrificados para que o mal não se aproxime e a alma seja liberta. Para Bengt Hägglund a alma do ser humano era arremessada para dentro deste processo periódico. O ser humano caiu no mundo da luz e era aprisionado no mundo material. A salvação consistia na libertação do mundo mau de modo que este pudesse ascender ao cosmo de onde viera. De alguma forma, a filosofia helênica “emprestou” do cristianismo para criar conceitos gerais da salvação. Para os gnósticos, Cristo era o salvador que oferecia o conhecimento da salvação para o mundo. Porém, este não é o Cristo da Bíblia. Para eles, o Cristo era uma espécie de luz transcendente – uma essência espiritual que era dos íons – e esta não poderia ter vindo na forma de ser humano. Para eles, quando apareceu na Terra, era apenas no corpo físico e pregavam uma cristologia docética (HÄGGLUND, 1981, p. 30). O helenismo pretendia transformar o cristianismo em uma especulação mitológica. Sua negação era contrária. A afirmação da fé cristã para o cristianismo deveria ser substituída pela sabedoria superior dos gnósticos. De fato, eles combatiam a crença dos cristãos. “Muitas ideias gnósticas surgiram posteriormente na forma do neoplatonismo e outras escolas de pensamento idealistas correlatas, além disso, certos conceitos teológicos fortemente influenciados pela filosofia grega revelam tendências que nos fazem lembrar o gnosticismo” (HÄGGLUND, 1981, p. 32). Para Tillich, o “cristianismo primitivo não foi influenciado tanto pela filosofia clássica, mas pelo pensamento helênico” (TILLICH, 2000, p. 54). Para eles o mundo criado é mau, foi manifestado por um ser mau e a salvação para eles seria a libertação deste cosmo. Para os gregos o corpo isola e separa: ele é o princípio de individuação. Não é assim na concepção judaico-cristã, pelo contrário, pelo corpo é que o ser humano está unido a um grupo. O dualismo antropológico tinha a tendência de dividir o cristianismo. Pensava-se

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17 na integração, todos os membros estão unidos e faz parte de um só corpo. Para a filosofia helênica, os gregos desconheciam as relações entre o corpo e o intelecto. Nesse sentido o que influenciou na evolução do cristianismo foi a filosofia, e não uma visão integrada de ser humano (COMBLIN, 1985, p. 76-77).

1.1.1 O dualismo no Ocidente Medieval

Nesta parte trataremos do dualismo no Ocidente Medieval e a perda gradativa da visão unitária de ser humano a partir dos séculos 6° ao 15, principalmente na Idade Média. Trata-se de uma maneira equivocada de ler e utilizar a Bíblia para discutir a questão de ser humano criado à Imagem e Semelhança de Deus. As ferramentas usadas para interpretar as Escrituras foi uma visão da filosofia grega. Com isso, o dualismo antropológico defendido por Platão ganhou força e foi por meio de Santo Agostinho que esta maneira de enxergar o ser humano influenciou muitos cristãos: a visão platônica de corpo e alma. Santo Agostinho foi um grande estudioso das obras de Platão. Isto explica sua forte atenção neste pensamento gnóstico. “Também deve ser notada, em Santo Agostinho, a conexão entre pecado e corpo. Certamente, o corpo, como criatura de Deus, não pode ser mau. Mas, como consequência do pecado, o corpo, com a sua vida instintiva em desarmonia com a alma, tende para o mal, servindo de tentação para esta” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 272).

Segundo Moltmann uma espiritualidade ganhou uma tendência que influenciou o cristianismo a desvincular do corpo e da alma e separando do mundo: “sem a menor dimensão política, assumiu o lugar da vitalidade original, judaico e cristã que vive a partir do Espírito criador de Deus” (MOLTMANN, 2002, p. 82). Costuma-se identificar “pecados” como prazeres da carne e estes como imortalidades sensuais. Desta maneira, os impulsos constituem na ganância e na avidez pelo poder por parte da alma das pessoas modernas que abandonaram a Deus e endeusam a si próprias. Jürgen Moltmann comenta que Santo Agostinho iniciou as bases teológicas – que teve como gênese no ocidente – e sua evolução da alma denominada misticismo foi ensinada por Agostinho. Moltmann explica:

Por isso Agostinho afirmava acerca do mistério divino: “Mais perto de mim que meu eu mais íntimo” (interior íntimo meo), e confessava pessoalmente: “Tarde te amei, e eis que estavas comigo dentro de mim. Eu, porém, estive fora e te busquei ali. Tu estavas comigo, mas ei estive longe de ti”. Porque a alma procura a Deus? Nossa alma em busca de Deus é

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18 tão-somente um eco do Deus que busca o ser humano. “Inquieto está nosso coração, até que descanse em ti” (MOLTMANN, 2002, p. 83).

O primado total concedido à alma faz com que o tempo e a história não sejam suficientemente valorizados. Agostinho comenta que o Padre foi influenciado pelas literatura Platônica e esta visão de alma e corpo ganhou força no Cristianismo. A influência Platônica ocorreu também na escolástica (1225-1274). O pensamento neoescolástico esboçou algumas tentativas de superação do dualismo. Somente em Tomás de Aquino acontece uma superação total do dualismo antropológico. Para Tomás, o ser humano não possui as duas formas: alma e corpo. A unificação entre corpo e alma é uma união profunda e não um simples encontro. Porém a perspectiva tomista ao defender a constituição do ser humano a partir de dois princípios, a alma e a matéria que unidos formam o corpo não foram suficientes para a superação do dualismo aceito por Santo Agostinho. “Para Tomás de Aquino a separação entre alma e corpo é uma impossibilidade filosófica e prática. Ele contraria claramente a posição de Platão” (ROSA, 2014, p.42). As dominações gregas e dualistas reduzem, ao longo da história, a perspectiva bíblica do ser humano e as suas dimensões antropológicas que valorizam mais o mundo “espiritual” – a pátria divina – e crucificam o corpo com suas paixões e sentimentos. Para os gnósticos, existiria a necessidade da alma vestir sua última roupa até se perder. Assim que a alma desaparecesse, o corpo mostraria sua fraqueza e apodreceria (ZIKAS, 1990, p. 50). Esse debate antropológico e teológico não ficou apenas no ambiente acadêmico, mas influenciou toda a vida cristã com pensamentos metafísicos. Não foi apenas Santo Agostinho que influenciou o pensamento dualista na Idade Média. Garcia Rubio destaca que:

Não foi Santo Agostinho o único a utilizar teologicamente a doutrina platônica e neoplatônica do exemplarismo. Pelo contrário, para explicar a relação existente entre o Deus criador e as suas criaturas, a Patrística e posteriormente a teologia medieval fará frequente uso desta doutrina. Na raiz do esquema filosófico do exemplarismo está a experiência cotidiana: o ser humano concede a ideia de algo a ser realizado e depois executa, de fato, tal ideia, estabelecendo-se, assim, uma semelhança entre ideia exemplar e a obra realizada o exemplificado. A aplicação à relação Deus – criatura salta logo a vista: tudo quando é criado é participação em diversos graus das ideias divinas segundo tudo foi criado por Deus (GARCIA RUBIO, 1989, p. 209).

A visão dicotômica de ser humano teve outras influências da patrística. Clemente de Alexandria foi um dos primeiros padres da igreja que se lançou na interpretação

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19 cristã da realidade da filosofia grega. Em sua antropologia, o elemento cristão relaciona-se com a filosofia. Desta forma apenas no cristianismo os problemas relativos ao ser humano passam a ter respostas adequadas e conclusivas: sua gênese e os elementos constitutivos fundamentais do seu ser. Os problemas já estavam instalados em toda especulação grega, sobretudo na platônica, aristotélica, estoica, sem solução evidente e satisfatória. Apenas mais tarde, em Fílon, herdeiro da melhor elucubração helênica, foi resolvida a questão – conforme as exigências da fé bíblica – mas ainda bastante incompleta. Clemente segue os traços do pensamento de Fílon sem inaugurar nenhuma filosofia nova ou soluções adequadas para as questões antropológica da Imago Dei. “De fato, Fílon havia ensinado que, além do homem sensível, existe também um inteligível; distinguira no primeiro a alma do corpo, mas considerava como essencial para a natureza humana” (MONDIN, 1986, p. 104). Clemente abandona essas três doutrinas e considera o ser humano composto de corpo e alma, e concede a Deus a criação direta e imediata dos dois componentes. Battista Mondin comenta que:

A imago Dei fica sendo também a chave principal de leitura de todos os outros Padres da Igreja, que, depois de Clemente de Alexandria, procuraram compreender e esclarecer o ser do homem. Nesta resenha das posições mais importantes e influentes, limitaremos a expor o pensamentode Gregório de Nissa, como representante da patrística grega, e de Santo Agostinho, como representante da patrística latina. Uma das obras principais de Gregório de Nissa intitula-se de Hominisopifício e é um tratado de antropologia filosófico-teológica, inteiramente composto em torno das ideias de que o homem é imagem de Deus Imago Dei. Para Gregório, ser o homem imago Dei é uma verdade revelada; ela faz parte do núcleo originário de verdades que Deus fez conhecer aos primogênitos. Mas, na opinião do autor de hominis opifício, é possível dar também uma justificação racional e filosófica a esta verdade bíblica. Com esta finalidade, ele examina atentamente o homem em seus componentes alma e corpo, em todas as suas faculdades e atividades; faz ver em cada uma a veracidade da ideia da imago Dei (MONDIN, 1986, p. 106-107).

Percebe-se a influência dualista no ocidente, com fortes tendências gnósticas no pensamento da Igreja cristã. Segundo a filosofia helênica o exemplarismo seria que tudo em nosso mundo é uma cópia: são sombras da realidade, isto é, do mundo das ideias. O neoplatonismo está sempre presente para tentar explicar a relação entre Deus – que faz – e as suas criaturas. A patrística e o mundo medieval fazem grande uso dessa doutrina. No cristianismo, o conceito de ser humano não foi transmitido como um simples fato de fé. Nesse sentido, a patrística e a escolástica submetem a uma análise racional, o que atribuiu uma sólida roupagem filosófica. A chance de tal investigação ocorreu principalmente a partir das

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20 disputas teológicas acerca dos grandes mistérios da trindade e da encarnação, cuja solução subsidiou, de forma decisiva, a formulação restrita do conceito de ser humano. A primeira análise desse conceito foi realizada por Santo Agostinho, cuja preocupação era atribuir ideias ao conceito de Pai, Filho e ao Espírito Santo, sem cair no risco de fazer deles deuses e sem perder a individualidade nos conceitos. “Essa dupla virtude é expressa pelo termo grego hypóstasis, seu correlativo latino persona o qual não significa uma espécie, mas algo de singular e de individual” (RAMPAZZO, 2014, p. 62). Mas não foi em Santo Agostinho que o dualismo antropológico teve uma superação. Ele rejeitara esse tipo de dualismo e, com efeito, o faz. “Mas tanto a doutrina do pecado original como a tentativa de fundamentar adequadamente a imortalidade da alma levaram o doutor africano aceitar os aspectos da antropologia platônica” (GARCIA RUBIO, 2006, p. 271).

1.1.2 O dualismo na Modernidade

Aqui mostraremos que a modernidade foi marcada pela racionalização, na qual o corpo era compreendido com um modelo dualista Cartesiano. Nesse sentido, o espírito era separado do corpo, o que ocasionou uma ruptura em que o ser humano passou a ser redimensionado como autônomo, independentemente de sua constituição antropológica.

“A modernidade é um processo que tem sua origem do século XVI, quando começa a emergir um novo tipo de humanidade consciente de sua própria autonomia e de sua própria força racional” (RAMPAZZO, 2014, p.161). O dualismo platônico não foi o único a influenciar a vida das comunidades evangélicas nos tempos modernos. Em sua antropologia cartesiana, René Descartes (1596-1650) define o dualismo corpo e alma como duas naturezas completas, que podemos substituir uma sem a outra. O racionalismo cartesiano é mecanicista. Já o racionalismo empirista de John Locke (1932-1704) transmite a imagem do ser humano liberal com um otimismo naturalista que se tem na cultura europeia dos séculos 18 e 19. Nesse sentido, ao contrário de Descartes, “afirma existirem do homem todas as disposições para conhecer a Deus, a natureza e a si mesmo como ser moral” (ZILLES, 2011, p. 54). Descartes desenvolveu um dualismo no qual o corpo é exclusivamente matéria espacial, mera extensão apreciável, enquanto que a alma ou espírito (ou consciência) é uma substância alheada. Com esta visão, o corpo não passa de um objeto que pode funcionar sem a alma, esta de maneira alguma interfere na vida biológica do ser humano, pois sua função é basicamente ser um ser pensante. Para Descartes, o corpo humano tanto como o espírito são seres

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21 separados que podem interagir com autonomia uns dos outros, mas, que se encontram relacionados no ser humano de maneira extrínseca. Sobre esta antropologia, Garcia Rubio, destaca: “O sujeito à consciência humana está cortado da própria corporeidade e vice-versa. Ora se o sujeito entra em contato com os outros sujeitos mediante o corpo, uma vez separado deste, fica igualmente isolado dos outros sujeitos” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 80). Com isso a modernidade e o movimento científico criam um novo dualismo antropológico. Comblin explica que:

Pois as ciências tomam o ser humano como objeto das suas investigações: o ser humano, das ciências não é o ser humano vivido realmente pelo homem, e sim o objeto visto com a mesma indiferença como se enxerga uma pedra ou uma ferramenta. O ser humano visto pela ciência reduz-se às observações cada vez mais quantitativas que dele se acumulam. No tempo em que dominou a ciência física, o homem foi considerado como uma mecânica muito perfeita, rígida pelas mesmas leis físicas e químicas que regem o mundo material bruto (COMBLIN, 1985, p. 86).

Algumas ciências – biologia, psicologia e sociologia– mostraram outros modelos sempre concebidos a forças objetivas. Desta forma, o ser humano foi percebido como objeto de transformação. Comblin ressalta que “os científicos chegaram à conclusão de que não havia alma porque não havia nada nas suas observações que respondesse a tal conceito e tudo se explicava por forças exteriores” (COMBLIN, 1985, p. 869). O ser humano era tido pela ação de numéricas forças exteriores sobre ele. Nesse sentido constatava uma realidade que não explicava a consciência: era mais aparência do que um ser, verdadeiro reflexo de certo produto criado pelo ser biológico, com tendência materialista. Ou seja, que o ser humano é medido pelas observações exteriores: eu sou pontualmente o que os observadores conseguem perceber. Com isso, notou-se que na consciência do ser humano havia duas partes: uma mostrava-se cientificamente e análoga aos próximos da natureza, e outra, não notório da parte de fora, mas unicamente pelo sujeito; consciência apresentada pela famosa frase de Descartes: “eu penso e logo existo”. Era a consciência pensante separada do corpo e, dessa maneira, tendeu-se para o idealismo. Com isso criou-se um problema: como explicar o corpo ligado a consciência e como esta podia agir na matéria. Comblin salienta que de “qualquer maneira o idealismo pretendia que a consciência agia na matéria, e era inclusive o motor principal da cultura e da história, enquanto os materialistas negavam que a consciência tivesse possibilidades de agir em última instância na matéria” (COMBLIN, 1985, p. 87). Podemos dizer que o dualismo moderno criou entre o corpo e consciência um conflito

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22 entre o idealismo e materialismo (COMBLIN, 1985, p. 86-87). Esse conflito foi superado no século 20, mas, ainda há amplos setores – especialmente de semi-intelectuais– que tomam opiniões entre devaneio e materialismo. O materialismo fez com que filósofos modernos pensassem sobra a inexistência de Deus, gerando a negação da imortalidade da alma, no Syllabus de Pio IX (1864) e no Concílio Vaticano I (1870). O materialismo foi condenado desta maneira quando o comunismo pretendia condenar e destruir a religião. A oposição também condenou o materialismo. A consciência separa os corpos e faz comparação como sujeitos isolados, porém une com outros corpos, uma vez que somos meios de comunicação e necessitamos de nos relacionarmos uns com outros (COMBLIN, 1985, p. 87-88). Garcia Rubio comenta que:

A modernidade acentuou ainda mais incisivamente a primazia da razão em detrimento do mundo afetivo, seguindo um esquema rigidamente dualista. Nada há de estranho que no mundo da civilização industrial tenha triunfado amplamente a razão instrumental à custa da razão dialógica, comunicativa, articulada intimamente com a afetividade. E como sempre acontece quando a razão é valorizada em detrimento do afeto, fica reforçado o patriarcalismo. Isto é fácil de explicar, dado que a razão tem sido considerada tradicionalmente como atributo próprio do homem. E, assim, o mundo criado pela modernidade é um mundo predominantemente masculino (GARCIA RUBIO, 2006, p. 98).

Para Zilles, “a visão do homem na modernidade é marcada pela contradição entre o positivismo, de um lado, e o existencialismo, de outro. Ambos os polos determinados na história da antropologia” (ZILLES, 2011, p. 55). O positivismo absolutiza a dimensão corpórea do ser humano, já o existencialismo impõe a dimensão espiritual (razão consciente). Nesse sentido deduz a possibilidade absoluta para a autodeterminação do ser humano. Rampazzo explica que:

Essa autonomia do ser humano recebe novo impulso a partir do século XVIII pela civilização industrial, ou do desenvolvimento técnico-científico. O movimento da modernidade, ou modernização, desemboca na sociedade que denominamos “secularizada”. O eixo da civilização deixou de ser a religião, como foi no passado, e se deslocou para a economia (produção e trabalho) e a política. A religião passou para o domínio privado. Para a sociedade moderna, a religião não conta. As esferas da vida humana tornam-se sempre mais autônomas. O que conta na vida do ser humano é este mundo, é a imanência. A transcendência nada mais diz ao homem da modernidade. É o fenômeno do “secularismo” (RAMPAZZO, 2014, p. 162).

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23 Desta maneira, um dualismo antropológico separou o ser humano em consciência e corpo, o que reforçou ainda mais a ideia de um ser dualista e não integral. O dualismo ganhou um discurso diferente, mas, influenciador. Nesse sentido, o desafio perdurou na Reforma, ocasionando novas interpretações e significado à antropologia helênica. Wanderley Rosa afirma que:

A Modernidade foi um grande esforço, que tomou impulso a partir da Renascença italiana, com o intuito de desconstruir esses fundamentos, libertar o mundo ocidental do julgo religioso e construir novos fundamentos baseados na razão humana. Ora, isso significa um empenho no sentido de repensar toda essa base em sua dimensão política, social, econômica, religiosa, cultural e também psicológica. Ou seja, era necessário repensar toda a estrutura do edifício medieval. Vale destacar que a Reforma Protestante foi uma força secularizante nesse processo. Com sua proposta de livre exame das Escrituras, o que implica liberdade de consciência, Martinho Lutero ajudou na formulação desse novo mundo (nova era), a Modernidade (ROSA, 2014, p. 45).

Desta forma, a próxima parte do nosso estudo abordará sobre a Reforma, a sua influência na antropologia teológica, quais foram os impactos e as mudanças que ocorreram, dentro do contexto protestante. O dualismo platônico esteve presente em todo o contexto da história e ganhou força nos ideais dos teólogos do século 16.

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1.1.3 O dualismo antropológico entre os reformadores

Neste item mostraremos que na Reforma Protestante não houve grandes transformações a respeito da ideia gnóstica. O pensamento platônico já estava bem firmado nos escritos de Agostinho e Tomas de Aquino. Martinho Lutero e João Calvino foram influenciados por escritos da Europa Medieval de Santo Agostinho. Para Lutero sua concepção de ser humano era a totalidade, ou seja, toda a dimensão humana foi atingida pelo pecado reforçando o dualismo platônico. Em Lutero o seu conceito dos dois reinos, o espiritual e o secular, traços dualistas do seu contexto religioso. João Calvino acreditava que o corpo é a prisão da alma e este deseja ardentemente se libertar.

Para Lutero a vida é corrompida em sua totalidade, incluindo sua natureza e substância. Vamos considerar agora a expressão “depravação total” que tanto ouvimos. Não significa que não haja nada bom no ser humano; nenhum reformador nem neo-reformador jamais fez essa afirmação. Quer dizer sim, que não há parte alguma do ser humano isenta dessa deformação existencial. Esse conceito, traduzido em termos de psicologia moderna, significa que o homem “depravado” está em conflito consigo mesmo bem no centro de sua vida pessoal (TILLICH, 2000, p. 244).

Em Lutero percebe-se o conceito dos dois reinos, o espiritual e o secular, traços dualistas do seu contexto religioso medieval. Já o reformador João Calvino acreditava que o corpo é a cadeia da alma e este deseja ardentemente se libertar do cárcere. Tillich afirma que Calvino é fiel à visão Platônica ao firmar que a carne é prisão para a alma (TILLICH, 2000, p. 266-267). Nesse sentido, na teologia antropológica reformada, o espiritual quer dizer interior; humano contrapõe-se a realidade espiritual e da matéria. Com isso, a espiritualidade tem relação direta com a alma, as atividades interiores e não as do corpo. Em Calvino percebem-se os traços perfeitos do gnosticismo, o dualismo corpo e alma. Nas Institutas o reformador cita sobre Salomão falando da morte e que deseja ardentemente que o seu espírito volte para Deus.

Afinal, que o ser humano consta de alma e corpo, deve estar além de toda controvérsia, e pela palavra alma entendo uma essência imortal, contudo criada, que lhe é das duas a parte mais nobre. Por vezes também é chamada espírito. Ora, ainda que estes dois termos difiram entre si em sentido quando ocorrem juntos, contudo, onde o termo espírito é empregado separadamente, equivale à alma, como quando Salomão, falando da morte, diz que “o

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25 espírito retorna então a Deus, que o deu” [Ec12.7] (CALVINO, p.186).

Observa-se que no século da reforma protestante houve forma religiosa intimista mais exagerada, a negação da matéria e a pecaminosa obra da carne. Com isso, surge um dualismo entre o corpo e o interior do indivíduo regenerado. Novamente o ser humano é dividido, entre alma, espírito e corpo: uma valorização do interior e uma negação da matéria. Assim, o cristão chegaria mais perto do divino reprimindo os seus desejos. Encontra-se, aqui, novamente o dualismo. O pietismo mais uma vez exerceu considerável influência sobre o metodismo, fundado no século 18 pelo inglês John Wesley, cuja ênfase teológica era a experiência religiosa da conversão e santificação (OLSON, 2001, p.526). “Os grupos de reavivamento, incluindo os pentecostais e igrejas de santidade, como os nazarenos e as Assembleias de Deus, podem ser vistos como extensões radicais do pietismo” (OLSON, 2001, p. 502-503). Com isso as controvérsias partiram em torno de palavras, sendo que os pontos de vista eram opostos. Segundo Hägglund, Zwinglio, outro reformador importante,

Partia do dualismo básico entre o espiritual e o sangue de Cristo. Citava, nesta conexão, as palavras de (João 6.63). A carne para nada aproveita. O fator mais importante na ceiado Senhor, portanto, é a participação da fé nos dons celestiais, não o comer físico. Zwinglio procurou expressar isto em sua interpretação simbólica, como indicado acima. Além disso, dizia serem as palavras corpo e sangue de cristo (neste contexto) uma “alloeosis”, isto é, uma figura retórica cujo significado é referir-se na realidade à natureza divina o que se diz sobre a natureza humana (HÄGGLUND, 1981, p. 206).

Tanto Lutero como Zwinglio defenderam a communicatio idiomatum, isto é que as qualidades da natureza divina e humanas são relacionadas uma às outras e tudo se encontra ligado a Cristo. Nesse sentido, a palavra corpo e sangue de Cristo diz respeito à humanidade de Cristo. Mas, devido à integração de natureza divina e humana a natureza divina participa da humana. “A fé, portanto, dirige-se ao homem Cristo, e recebe seu corpo e sangue na ceia do Senhor, que são ao mesmo tempo, o corpo e o sangue do filho de Deus, este recebe um lugar através do comer físico, e não apenas simplesmente resultado da comunhão da fé na esfera espiritual” (HÄGGLUND, 1981, p. 207). Para Calvino “o corpo não passa de prisão da alma sem qualquer valor. São palavras bem mais da tradição de Platão do que do Antigo ou do Novo Testamento” (TILLICH, 2000, p. 266-267). Assim, é possível perceber que, nos reformadores, não houve uma superação do dualismo e, sim, uma confirmação, influenciando o cristianismo ainda mais na visão da filosofia helênica.

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1.1.4 O dualismo antropológico no pentecostalismo

Aqui abordaremos que o pentecostalismo – que surgiu em 1909-1910 no Brasil, Argentina e Chile – tem traços dualistas em sua maneira de pensar e valorizar a imortalidade da alma e a visão de salvação do espírito, e o corpo destinado à perdição (KLEIN, 2005, p. 310-313). Diante dessa realidade, o pentecostalismo, fiel ao seu contexto eclesiástico, segue na mesma tendência, dualista Platônica. Esta pesquisa pressupõe que o dualismo da filosofia helênica, ainda que atenuado, se constitui numa das características da teologia pentecostal e neopentecostal brasileira. Isso explica a insuficiência do ser humano integral, porque a corporeidade faz parte da própria subjetividade humana.

A inserção do pentecostalismo no Brasil ocorreu na segunda fase da presença do protestantismo e foi relevante para a terceira fase do protestantismo brasileiro. A primeira fase intromissão protestante; a segunda, minoria protestante; a terceira, protestantismo de concorrência (SOUZA, 2004, p.113). O protestantismo brasileiro tem tido transformações devido às diversas conjunturas históricas do País. A forma na qual se encontra atualmente é o produto de sucessivas etapas de sua realidade mais primitiva. O pentecostalismo foi a última expressão do protestantismo a se instalar no País, que ocorreu no final da primeira e no início da segunda década do século 20, com o surgimento das principais denominações de pentecostalismo clássico – com as proibições de assistir televisão, modo de se vestir e com sua forma de ler a Bíblia literalmente – estabelecendo um reducionismo teológico e um dualismo moderado (SOUZA, 2004, p.122).

Para Vinson Synan, “a primeira onda de missionários pentecostais produziu o que veio a ser conhecido como movimento pentecostal, clássico, com mais de 14 mil denominações em todo o mundo” (SYNAN, 2009, p. 23). Com esta nova tendência veio logo a proliferação de novas organizações denominacionais, com resultado rápido no crescimento de missões. A explosão pentecostal logo ocorreu entre hispânicos, tanto nos Estados Unidos quanto na América Latina. Exemplos significativos de crescimento também aconteceram entre os negros americanos e em países da África. Desta maneira, o pentecostalismo percorreu vários caminhos e se instalou nas igrejas protestantes e católicas-romanas: “os chamados movimentos de renovação carismática, cujos propósitos eram reavivar as igrejas históricas” (SYNAN, 2009, p. 23). Essas ondas renovadoras também vieram dos Estados Unidos.

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Pode-27 se, aqui, incluir os movimentos neopentecostais protestantes, com início em 1960 “na cidade de Van Nuys, Califórnia, pelo ministério de Dennis Bennett, pároco da igreja Episcopal Anglicana de São Marcos” (SYNAN, 2009, p. 24). Nessa mesma década o movimento atingiu 150 maiores famílias protestantes do mundo, atingindo 55 milhões de pessoas por volta de 1990. Para Paulo Romeiro, o termo neopentecostal é recente entre nós: “foi cunhado há vários anos nos EUA. Lá, na década de 70, ele designou as dissidências pentecostais das igrejas protestantes, movimento que posteriormente foi designado de carismático” (ROMEIRO, 2013, p.51). Desta maneira no contexto norte americano tem se dado outro sentido do termo “neopentecostal.” Atribui-o o termo “neopentecostalismo” a pessoas que tinham uma mentalidade pentecostal, ou seja, pessoas com uma nova visão ou renovação espiritual, dentro das próprias igrejas pentecostais que pertenciam. Para essa nova mentalidade, o neopentecostalismo enfatiza o exorcismo, a teologia da prosperidade, a batalha espiritual, o poder de curas e milagres, as visões vindas de líderes carismáticos e dualismos da filosofia helênica. Essa tendência do espírito, isto é, do neopentecostal, ganhou força no mundo religioso norte-americano nos anos 1970. Nesse mesmo período também começou o surgimento dessa onda neopentecostal em terras latinas, “provocando o surgimento de novas igrejas, seitas e denominações, assim como cisões nas principais denominações protestantes brasileiras” (ROMEIRO, 2013, p. 49). Podemos mencionar os metodistas, batistas, presbiterianos, Congressionais e outras. Citamos as três ondas pentecostais em contextos brasileiros:

A Primeira Onda – No Brasil, o Movimento Pentecostal pode ser dividido em três ondas: começou em 1910 com a fundação da Congregação Cristã no Brasil e as Assembléias de Deus em 1911. Depois, da América, chega a Igreja de Cristo no Brasil (1932, Mossoró, RN) e entra em conflito com as outras duas por defender que o Batismo com o Espírito Santo dava-se no momento da conversão e não com a experiência posterior de falar em línguas. Em seguida, surgiu a Igreja Evangélica do Calvário Pentecostal (1935, Catalão, GO) que depois se funde com a Igreja de Deus de Cleveland, EUA, e se tornou a Igreja de Deus no Brasil. No ano seguinte surgiu a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo (1936, São Paulo, SP) e, três anos depois, de origem americana, a Missão Evangélica Pentecostal do Brasil (1939, Manaus, AM). Novas denominações vão surgindo até 1950. A Primeira Onda Pentecostal, portanto, vai de 1910 a 1950. A Segunda Onda Pentecostal: Começou em 1950 quando dois missionários da International Church of The Foursquare Gospel vieram ao Brasil e fundaram a Igreja do Evangelho Quadrangular (I.E.Q), construindo um pequeno templo (1951, São João da Boa Vista). Em 1952, a convite do pastor da Igreja Presbiteriana do Cambuci viajaram à capital de São Paulo e realizaram uma cruzada de evangelização e

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28 milagres. Em seguida, conseguiram uma tenda de lona no mesmo bairro e, através do rádio, revolucionaram o evangelismo pentecostal, com reuniões em tendas a que compareciam milhares de pessoas. Nascia assim a Cruzada Nacional de Evangelização, com a tenda número 1 percorrendo todas as cidades do estado de SP. Sempre que a tenda se mudava, deixava uma I.E.Q. no local. Desta Igreja surgiram muitas outras denominações como O Brasil para Cristo, a Igreja Pentecostal Deus é Amor, A Casa da Bênção, Igreja Cristã Pentecostal da Bíblia do Brasil, Igreja Pentecostal Unida do Brasil, Ministério Cristo Vive, Igreja Unida, Igreja de Nova Vida e diversas outras. A Segunda Onda Pentecostal vai de 1950 a 1970. A Terceira Onda: Neopentecostal: Começou em 1970 e deu origem a um novo ciclo chamado de Neopentecostal (onde Neo quer dizer Novo), por serem mais liberais, pois a maior parte das denominações pentecostais anteriores proibiam, inclusive, ouvir-se rádio ou assistir tv, e eram rígidas com relação a usos e costumes. De 1977 a 1992 surgiram as Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo Bispo Edir Macedo (1977, Rio de Janeiro), a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo Missionário R. R. Soares, (1980, Rio de Janeiro), a Comunidade Cristã Paz e Vida, fundada pelo PrJuanribePagliarin (1982, São Paulo), Igreja Renascer em Cristo, fundada pelo Apóstolo Estevan Hernandes (1986, São Paulo), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, fundada pelo Bispo Robson Rodovalho (1992, Brasília) e Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo Apóstolo Valdomiro Santiago (1998, São Paulo). De um modo geral, os Neopentecostais utilizam intensamente a mídia eletrônica e aplicam métodos de moderna administração, bem como o uso de marketing, planejamento estatístico, análise de resultados etc. O Neopentecostalismo é a vertente pentecostal que mais cresce no Brasil e, consequentemente, a mais influente. A Terceira Onda Pentecostal está em pleno movimento (PAGLIARIN, 2011, p. 57).

Desse modo, a antropologia pentecostal é caracterizada por um dualismo. Não possui valor em si mesmo, antes seu valor consiste em ser morada da alma. Esse espírito é o centro e a fonte da vida humana; a alma possui e usa essa vida, dando-lhe expressão por meio do corpo. Nesta perspectiva, o ser humano é identificado como alma e espírito que possui um corpo. “A alma é semelhante ao divino, ao mortal” (ZIKAS, 1990, p. 46). De acordo com o pentecostalismo o ser humano se parece com Deus em relação a alma e espírito e não com o corpo. Essa ideia prioriza a alma e espírito em detrimento do corpo e exclui este último do conceito de “imagem” e semelhança de “Deus” concluindo, assim, um dualismo.

Na teologia do pentecostalismo, sobretudo a neopentecostal, a sua concepção de antropologia parece valorizar mais a “alma” e “espírito” do que o corpo. A corporeidade é um traço contidamente do discurso pentecostal. Diante de Deus o corpo é mal e a busca para a purificação está na crucificação dos desejos carnais de se alimentar do espírito para alcançar a salvação eterna. A visão de mundo, inclusive o corpo, se insere ou na ordem do mal ou na

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29 ordem do bem. Com isso, o corpo apresenta-se primeiramente como entidade que precisa ser exorcizada. Assim, cria-se uma visão dualista que valoriza a alma e espírito e ignora a corporeidade e a percepção bíblica sobre ser humano (SOUZA, 2004, p.81-82). Para o pentecostalismo, o ser humano, segundo Gênesis 2.7, “compõe-se de duas substâncias a material o corpo e a substância imaterial, a alma e espírito. A alma dá vida ao corpo; e quando a alma se retira, o corpo morre” (PEARLMAN, 2006, p.106). De acordo com Pearlman, o ser humano possui alma, espírito e corpo (1Ts 5.23). “A alma sobrevive à morte”. Alguns pentecostais, que defendem a Bíblia, têm esse ponto de vista dualista de que a constituição humana se compõe de três partes: “espírito e alma representam os dois lados da substância não física do ser humano; ou em outras palavras, o espírito e a alma representam os dois lados da natureza espiritual” (PEARLMAN, 2006, p.107-108). Isto posto, cabe perguntar pelas origens desta concepção antropológica dualista – sua tensão com a perspectiva bíblica de ser humano – assim como esse dualismo veio se fazer presente na teologia pentecostal que, a princípio parece valorizar o corpo, pelo menos em seu aspecto litúrgico e na crença da cura divina. O pentecostalismo que apareceu em 1909-1910 no Brasil – e que experimentou extraordinário crescimento mundial – é de caráter dualista. A terceira onda conhecida como neopentecostalismo, que surgiu em 1970, é uma vertente do pentecostalismo e carrega esses mesmos traços dualistas em sua antropologia. Segundo Alexandre Carneiro, o rito pentecostal estabelece uma relação com o corpo da mesma forma como Platão: o corpo como cárcere da alma e deve ser libertado como condição de usufruir da benção divina (SOUZA, 2004, p. 82).

O pentecostalismo, como se sabe, é um movimento cristão proveniente do protestantismo evangélico que afirma a importância da experiência com o Espírito Santo, iniciada pelo batismo no Espírito Santo e confirmada pelos dons de falar línguas estranhas. Entre suas principais formas destacam-se: a valorização na espiritualidade e nos dons espirituais, uma nova liturgia, a leitura literal dos textos bíblicos, a intensa atividade de pessoas leigas na expansão e administração das comunidades pentecostais e neopentecostais, a busca da salvação da alma. A expressão pentecostalismo provém de Pentecostes, nome dado a uma festa anual do povo judeu e conforme descrito no capítulo (2:1,13) do livro dos Atos dos apóstolos (SOUZA, 2004, p. 16).

Nos seus discursos, o pentecostalismo e sua antropologia teológica mostram o pensamento gnóstico e a valorização do espírito e da alma, como algo superior ao corpo. Possui uma visão de salvação metafísica elaborada por Platão,na qual a alma gozaria de liberdade quando libertada do corpo. Na antropologia pentecostal o reducionismo recai sobre a alma e o espírito, reduzindo a visão cristã em que o corpo é inferior à alma. De acordo com

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30 Garcia Rubio, a visão correta de ser humano é a unidade em que não há desprezo, mas, prevalece a concepção de toda a dimensão humana. A ideia de desprezo do corpo e da matéria surgiu da filosofia helênica e está em conflito com a proposta de antropologia bíblica criando dualismos e reducionismos. “A rejeição do dualismo caracterizado pela relação de exclusão entre corpo e alma por parte da igreja rejeita o dualismo em continuidade com a intencionalidade profunda da Sagrada Escritura e da longa tradição eclesial” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 259).

A mesma percepção do gnosticismo que atenta à unidade básica da pessoa humana. O corpo é vivido como uma realidade autônoma da pessoa, o que mostra que esta não se identifica com aquele. Existe na pessoa humana uma dimensão que excede todas as possibilidades e virtualidades do corpo, isto é, o ser aberto ao transcendente. O tema “alma” é utilizado tradicionalmente para dignar esta dimensão, entendida como o princípio estruturante que enforma. Segundo a terminologia aristotélica, o corpo humano é este princípio que faz com que o corpo humano seja diferente de qualquer outro organismo vivo. É a dimensão da pessoa humana que a torna capaz de conhecer de maneira ilimitada percebendo o sentido da realidade, capaz de um conhecimento reflexo, de autopossuir-se com liberdade e responsabilidade, de se abrir aos outros seres pessoais, especialmente a Deus. Essa abertura ao transcendente não se faz com a alma, mas, sim, com toda a abertura da unidade do “eu” no diálogo e no amor, bem como ao mundo da natureza para transformá-lo em mundo humano. A manifestação mais profunda do ser humano deve ser procurada na dimensão pessoal do ser humano. Porém, esta visão dualista histórica que tem repercussão nos movimentos evangélicos não mostra ser apenas um discurso de movimentos pentecostais e neopentecostais. Vale perguntar sobre as origens desse dualismo e sua tensão com o pensamento bíblico cristão a respeito do ser humano que a Bíblia descreve – e como veio fazer parte dos discursos pentecostais e neopentecostais – que parece valorizar a alma e espírito mais do que o corpo, no qual este seria matéria destinada à perdição. Para Alexandre Carneiro, ao mesmo tempo em que o corpo é desprezado ele acaba sendo também valorizado por grupos pentecostais.

O corpo-templo hospedeiro do Espírito Santo começa a ser assumido como corpo estético, cuja beleza se põe à mostra; com isto surge uma ideia mais maleável acerca do corpo como categoria profissional: mulheres que se confessam convertidas ao pentecostalismo são fotografadas, o teatro secular e a televisão amoldam atores e atrizes ligados a igrejas pentecostais surgem os atletas de Cristo (SOUZA, 2004, p.88).

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31 maneira os dualismos presentes em movimentos pentecostais ganham forma e se manifestam nos discursos religiosos em época contemporânea.

1.2 Aspectos da antropologia teológica da Comunidade Cristã Paz e Vida

Até agora, o nosso estudo abordou sobre a influência do pensamento dualista no cristianismo. Essa maneira de ver o ser humano impactou no Ocidente Medieval e Moderno, influenciando pensadores como Santo Agostinho e Descartes. A percepção binária de ser humano na Europa Medieval esteve presente entre os reformadores Martinho Lutero e João Calvino, com repercussões nos movimentos pentecostais e neopentecostais.

Esta parte da pesquisa tratará dos aspectos antropológicos da Comunidade Cristã Paz e Vida, com o objetivo de mostrar a doutrina neopentecostal da Comunidade Cristã Paz e Vida. Sua base doutrinária é a Escola Superior de Teologia Juanribe Plagliarin (ESTJP). O ser humano é formado de espírito, alma e corpo (PAGLIARIN, 2011, p. 53). Parece que sua antropologia é tricotômica. O ser humano possui partes distintas que, juntas, constituem o seu ser. A Bíblia de Estudo Pentecostal, utilizada na Comunidade Cristã Paz e Vida, afirma que o espírito é o componente imaterial do ser humano pelo qual se tem comunhão com Deus. A alma, igualmente imaterial é a sede das emoções, da razão e da vontade. Pagliarin relata que em 1981 deixou a Igreja do Evangelho Quadrangular porque não queria ser mais pastor desta igreja ou de qualquer outra. Ele foi para Manaus e lá ficou por dois anos trabalhando como publicitário. Passou a sonhar quase todas as noites que estava pregando para multidões e, muitas vezes, acordava falando em línguas ou chorando. Um dia, em seu trabalho de publicitário, veio o nome “Paz e Vida”. Desta maneira acreditou que seu ministério seria autônomo. Vieram-lhe as palavras Comunidade Cristã e entendeu que Deus estava lhe entregando o ministério que levaria o nome da referida igreja. Deixou Manaus, seu emprego e com suas próprias economias, fundou a Comunidade Cristã Paz e Vida em 25/12/1982, na Av. Rio Branco, 511, no Centro de SP (PAGLIARIN, 2011, p. 57). Mas, há uma contradição com o que Juanribe diz e o que a revista Veja (17 de Janeiro de 2001) indica. De acordo com Paulo Romeiro – no livro Decepcionado com a Graça, utilizado como fonte a revista Veja,1– para comentar sua pesquisa sobre a história da Comunidade Cristã Paz e Vida,ele afirma que a igreja foi fundada em São Paulo, em 1996, pelos irmãos Pagliarin: Rodney Ulysses Pagliarin,

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32 Juanribe Pagliarin, João Misael Pagliarin e Hideraldo Pagliarin. Explica ainda que, em 2001, a Comunidade contava com 124 templos, 120 deles na Grande São Paulo e cerca de sessenta mil fiéis (ROMEIRO, 2013, p. 61). Percebe-se uma contradição em que ano de fato a igreja foi fundada. Hoje a igreja conta com 138 templos, sendo que na Grande São Paulo são 77 templos. Conforme informações obtidas junto à Comunidade Cristã Paz e Vida, é impossível gerar uma contabilidade de membros tendo em vista a alta rotatividade dos fiéis, devido aos meios de evangelização utilizados por ela, pelos cultos feitos na sede da igreja e pelas programações na rádio.

A Igreja conta com os seguintes ministérios: 1) Pregadores do Telhado que recebe doações e ofertas para manter as programações da rádio; 2) Feliz FM que pertence à comunidade; 3) O S.O.S Oração que funciona 24 horas por dia e é composto por pessoas voluntárias chamados de Conselheiros, que doam parte do seu tempo disponível para atenderem, conversarem e orarem para todas as pessoas que precisam de ajuda; 4) O Ministério Gerando Vidas que é voltado para o público jovem, tendo por objetivo levar os ensinamentos da igreja e servindo como evangelização da Comunidade Cristã Paz e Vida para o público juvenil; 5) A TV Paz e Vida que funciona online e transmite as pregações dos pastores da comunidade; 6) A Escola Superior de Teologia Juanribe Pagliarin (ESTJP), que é reconhecida pela denominação como uma importante instituição de apoio teológico que leva o seu nome. Os cultos da referida igreja são semelhantes com as demais igrejas neopentecostais, com cantos, palmas, sessões de exorcismo e pregações alinhadas com a teologia da prosperidade e com o discurso dualista platônico. A Bíblia merece absoluta confiança como revelação de Deus, sendo que as dúvidas e interrogações devem-se, principalmente, à incapacidade humana de interpretá-la. “Para entendê-la perfeitamente, devemos depender da graça e sabedoria do mesmo Espírito Santo que inspirou os seus escritores” (Jo 16:13; I Co 2:10-14; I Jo 2:27).2 As leituras fundamentalistas e ao pé da letra têm sido as marcas de movimentos pentecostais e neopentecostais. Talvez isso explique leituras dualistas e fundamentalistas que são feitas por movimentos oriundos do protestantismo brasileiro. Mas, apesar das leituras literais da Bíblia feita pela a Comunidade Cristã Paz e Vida, encontram-se as contradições em seus discursos. Ao mesmo tempo em que as leituras devem ser consultadas pelo Espírito, Pagliarin comenta que “Cremos que a Bíblia deve ser encarada em seu contexto e não em versículos isolados, assim como existem muitas passagens poéticas ou em parábolas que não devem ser tomadas ao pé da letra e sim no verdadeiro sentido

2 Disponível em: <http://www.pazevida.org.br/em-que-cremos/10-2-as-escrituras-sagradas.html>. Acesso em: 13 nov. 2016.

Referências

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