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Superação do dualismo Corpo e Alma

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CAPÍTULO II: A CONCEPÇÃO DE HUMANO INTEGRADO

2.3 Superação do dualismo Corpo e Alma

Neste item abordaremos que o dualismo não surgiu da antropologia veterotestamentária e nem da neotestamentária, pois esta maneira de atribuir ao ser humano partes distintas em que “alma” e “corpo” seriam uma diferente da outra não é uma visão cristã.

68 Mostraremos que a dimensão corpórea não é uma coisa mística, mas, é uma unidade em que o ser humano se encontra em sua realidade concreta da vida. Esse dualismo está presente na teologia pentecostal e neopentecostal brasileira. Isso explica a insuficiência do ser humano inteiro, porque a corporeidade faz parte da própria subjetividade humana.

Desta forma, é possível concluir que os dualismos não provem da antropologia veterotestamentária e nem da neotestamentária. Esta maneira de atribuir ao ser humano partes distintas em que “alma” e “corpo” seriam uma diferente da outra não é uma visão cristã, pois o ser humano é um todo. “Alma e Corpo não são dois seres que se encontram em conflito, antes devem ser considerados como duas dimensões essenciais e fundamentais da estrutura ontológica unitária que é o homem” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 283). A corporeidade não é uma distração espiritual, mas, é uma unidade na qual o ser humano se encontra em sua concretude da vida. A filosofia helênica tende para uma concepção dualista de corpo e alma. A alma e o corpo são como duas partes distintas uma da outras. A alma luta com o corpo tendo suas atividades autônomas e o corpo tende a ter também esta mesma tendência de duelo. Segundo Comblin: a “teologia clássica seja ela de inspiração platônica ou aristotélica, não conseguiu valorizar o corpo e nem uni-lo realmente à alma” (COMBLIN, 1985, p. 81). A superação desse dualismo antropológico só é real a partir da experiência unitária do ser humano. Para Garcia Rubio, a partir da experiência da unidade, certamente, deve ser desenvolvida uma articulação ou relação de integração-inclusão entre aspectos ou dimensões concretas vividas em sua relação uns com os outros e com o cosmo. Em termos gerais, a dimensão corpórea e a dimensão espiritual do ser humano estão relacionadas na sua totalidade, com isso não de maneira abstrata, mas na concretude do ser integral. O espírito humano está em sua relação com o corpo, de modo que o espírito humano, como tal “não se torna mais espírito à medida que se separa do corpo e sim à medida que se corporifica” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 284). Toda manifestação do ser se encontra nas suas dimensões e em toda sua maneira de se relacionar com ambas as partes. “Todo ato do homem, seja ele o mais sublime de suas aspirações religiosas ou mais elevado de seus pensamentos especulativos, é, como realização que aperfeiçoa sua natureza, uma corporificação de seu espírito e uma espiritualização do seu corpo” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 284). Contra toda forma de dualismo entendamos que o ser humano é um ser pessoal e unitário, que não se reduz a corpo nem espírito. Para Zilles:

A corporeidade, que nos integra ao mundo exterior, aparece como origem da dependência e transitoriedade. O corpo é perecível e caracterizado a fragilidade humana. Está destinado à

69 corrupção mortal. Entretanto, o ser humano é capaz de pensar coisas imortais e eternas, projetos que transcendem sua vida breve. O corpo une-me aos outros e ao mundo. É o modo de minha presença no mundo, minha maneira de existir. Eu existo na medida em que me relaciono como o outro. Mas o que me faz ser um eu é a presença amorosa do tu, presença criadora. Na situação de transitoriedade sou impulsionado, ao mesmo tempo, para além do mundo, na esperança e no amor (ZILLES, 2011, p. 87).

Os discursos dualistas, que provem de culturas helênicas, influenciaram a maneira de enxergar o ser humano. O pentecostalismo e o neopentecostalismo são carregados por essas tendências espiritualistas – que separa o mundo criado e o ser criado à Imagem e Semelhança de Deus – para um ser dicotômico que não corresponde à visão judaico-cristã, mas, uma exagerada tendência gnóstica que coloca a alma e espírito além das coisas visíveis que corresponde a todo o universo. A pessoa, nas relações interpessoais, se abre aos outros seres humanos, considerando e aceitando como diferentes. Na relação como o meio ambiente, a pessoa supera qualquer formas de tendências dualistas e reducionistas, coloca sempre a unidade em primeiro lugar e rejeita qualquer discurso que separa o ser humano do cosmo criado e seus corpos que se entrelaçam entre si (GARCIA RUBIO, 2006, p. 38). Segundo Garcia Rubio este dualismo que gera exclusão, na sua vertente espiritualista, mantém uma experiência de divisão esterilizante. O ser humano reduzido ao “eu” ou à alma fecha-se ao outro e aos outros, pois uma vez que o corpo é menosprezado falha inevitavelmente a interlocução. O ser humano fica mutilado a uma vertente materialista do dualismo. O teólogo comenta que:

Destituído da sua abertura ao Transcendente, o ser humano fica escravizado pela absolutização do que é relativo, abrindo-se, destarte, o caminho para sua trágica animalização. Por último, a tentativa de justapor em dois planos corpo e alma e com consequência, oração-ação, Igreja-mundo, divino-humano etc. (GARCIA RUBIO, 1989, p. 284).

O ser humano, “convém repetir, não é um mero objeto ou uma coisa, mas pertence à experiência do ser humano, que se autopercebe como corporeidade orientada ao encontro com pessoas e ao relacionamento com o globo e a existência corpórea do espírito humano” (GARCIA RUBIO, 1989, p. 283). A concretude do ser humano é vivida em comunhão com todas as pessoas, e nessa relação não há dualismos e separação, mas, agregação com o corpo e matéria e a valorização da integração no seu conjunto. A dualidade – não o dualismo – vive-se na unidade pessoal. Toda esta vitalidade novamente deve ser guiada

70 pela relação de integração-inclusão, respeitando sempre essa contenda entre as duas. Em um relacionamento não deve haver desconfiança, porém uma entrega de ambas as partes, em uma vivência de encontros e não separações, alma e espírito e corpo servindo ambos sem exclusões. O ser humano não é senhor do seu corpo, mas, também, se torna uma unidade com o mundo e com as coisas a sua volta. O “corpo é elemento essencial do homem: sem o corpo o homem não pode alimentar-se, reproduzir-se, aprender, comunicar-se, diverte-se” (RAMPAZZO, 2014, p. 33). Rampazzo explica:

A partir do meu espaço encontro as coisas que estão no meu horizonte e esse meu espaço torna-se centro, a partir do qual eu conheço todo universo. E aqui entramos numa outra função específica do corpo: ele nos ajuda a conhecer o mundo, as coisas. Antes de tudo, por meio do corpo percebemos a nós mesmos o corpo é instrumento de autoconsciência (RAMPAZZO, 2014, p. 34).

A harmonia entre corpo e alma no ser humano não permite admitir a metempsicose ou deslocamento das almas, pois não constitui uma substância separada do corpo. A unidade corpo e alma não se contradiz, mas faz parte do ser humano como um todo. Nosso corpo não é um sistema físico no qual habita uma alma. No ocidente, a substancialidade da autonomia da alma teve uma enorme relevância devido à crença em uma vida pós-morte em Platão no Fédon. Apresenta uma tentativa de pensamento em uma vida depois da morte. Sobre este tema abordarei adiante. O cristianismo ocidental, de modo geral, adotou esse tema e essa concepção filosófica. De acordo com Urbano Zilles, a corporeidade, que nos une ao mundo exterior, aparece como início da dependência e transitoriedade. O corpo é perecível e caracteriza a fraqueza humana, com destino a sua degradação. Por outro lado o ser humano é capaz de transcender em seus pensamentos na vida imortal e projetos que estão além de sua compreensão. O corpo me faz presente no mundo, é capaz de me apresentar aos outros corpos e me faz existir em plenitude na presença do outro. Somos chamados pessoas porque somos capazes de amar e de nos comprometer no amor e serviço uns com os outros (ZILLES, 2011, p.122-123). Garcia Rubio destaca:

O corpo jamais foi relegado dualisticamente por Jesus a um plano inferior. Ele esteve atento à fome, à cegueira, à surdez, à deficiência dos paralíticos, à discriminação sentida na carne das crianças, dos doentes, das mulheres, dos estrangeiros. Jesus foi sensível à alegria, À dor, à festa e à morte. Celebrou, com comida e bebida, os eventos especiais que eram marcantes em sua cultura. Criou laços afetivos profundos. Divertiu-se em festas e chorou a morte do amigo. Passou pela experiência da solidão e do medo e chocou-se diante da certeza de sua

71 morte. Enfim todos os momentos e circunstâncias da vida que só podem ser vividos pela dimensão da nossa corporeidade não indiferentes a Jesus; ao contrário, foram por ele assumidos (GARCIA RUBIO, 2007, p. 248).

É possível concluir que o dualismo corpo e alma faz parte das dimensões do ser humano. Não é substância separada, mas integradora, interagindo com o cosmo, na qual todos fazem parte. Desta maneira vivemos de acordo com o corpo e as suas dimensões. Indo na contramão da filosofia grega que desprezava o corpo, para pensar em uma espiritualidade metafísica e dualista. “O homem é um ser aberto, orientado para encontrar-se com o mundo e com seus semelhantes, esta abertura leva à comunicação e a comunicação faz-se principalmente por meio da linguagem” (RAMPAZZO, 2014, p.40). As linguagens se mantêm vivas nos ambientes concretos da vida. É importante destacar que somente na realidade da vida que se supera qualquer dualismo presente, no qual alma e corpo não se misturam como queria a filosofia helênica. A superação total acontece na vivência e nos relacionamentos de afeto, com todas as suas fraquezas e sonhos, frustrações e da união entre corpo e alma, como dimensões que fazem parte do ser humano integral em toda a sua história e concretude. A concepção de humano integrado ganha força quando deixamos de lado tendências dualistas que separam a terra do corpo, e o mundo do espírito. A concretude das coisas criadas corresponde a nossa realidade como ser humano criado e colocado neste mundo. Desta forma não pode haver separações entre espírito e corpo, nem das coisas que fazem parte da nossa maneira de agir e de se relacionar com outros. Porque somos terra, espírito e corpo. Dessa união não haverá separação, mas um conjunto de iguais se relacionando entre si como o mundo criado a nossa volta.

Considerações finais

Nesse capítulo apresentamos que de forma geral a Bíblia não aponta para um dualismo antropológico – como a filosofia helênica pretendia mostrar – porém a uma concepção de várias culturas em que a vida do ser humano é manifestada. De modo amplo, a Bíblia indica uma visão unitária de ser humano, não de forma sistemática, mas, de maneira concreta e integral. Mostramos de que maneira esta integralidade do ser humano se encontra na percepção Bíblica e como outras culturas, por exemplo, os povos semitas e primitivos

72 olhavam a realidade de maneira sintética. Embora outras culturas demonstrem o ser humano de várias dimensões, a concepção será sempre unitária e não uma visão dicotômica.

Abordamos sobre a noção de humano integrado em Alfonso Garcia Rubio e como o pensamento platônico em certos textos de livros, deuterocanônicos do Antigo Testamento, não anulam concepção unitária do ser humano. Dessa maneira, é possível observar que se trata de uma visão unitária e não dualista.

Comentamos também que a antropologia cristã sobre as dimensões humanas não deve ser um problema antropológico no qual “corpo” e “alma” são partes distintas. Mas apontamos que o ser humano se faz de um ser unitário, “todo espiritual” e um “todo corporal.” E não deve ser entendido como um ser dicotômico – como é observado em discursos neopentecostais e pentecostais – em que o corpo se faz prisão da alma e não deve fazer parte do mundo positivo das ideias como pretendia a visão Platônica. Nesse sentido, falamos que o corpo deve se relacionar com todo o cosmo e com outros seres vivos, fazendo presente em um mundo de relações e não de exclusões. E, por fim, discutimos a superação do dualismo antropológico. Indicamos que esse dualismo exagerado não veio da visão veterotestamentária e nem da neotestamentária, pois esta maneira de atribuir ao ser humano partes distintas em que “alma” e “corpo” seriam uma diferente da outra não é uma visão cristã. Mas, foi imputada pela filosofia helênica. A superação desse dualismo só é possível pelas experiências unitárias e concretas da vivência humana em sua relação recíproca com o cosmo criado em todas as suas manifestações. Somente a realidade da vida supera toda forma de dualismos e exclusões.

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