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1. PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA, CRÍTICA: PICOS DE AMOR E ÓDIO NA

2.1. A CORTINA SE ABRE

A primeira imagem 19que se tem da abertura de Hoje é dia de Maria – primeira jornada – é de uma cortina que sobe, abrindo-se para um palco onde desenhos animados simulando marionetes se movimentam. Em primeiro plano, uma árvore, de cujo galho pende um balanço onde uma menina se diverte; ao fundo, um casebre de adobe à vista, emoldurado

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A partir deste capítulo, eventualmente utilizaremos as abreviações HDM e APR, para denominar Hoje é dia de

Maria e A Pedra do Reino, respectivamente.

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Informação disponível em http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273- 237354,00.html. Acesso em 05/01/2012

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Todas as imagens utilizadas nesta tese foram capturadas, pela autora, dos DVDs das minisséries analisadas.

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por um céu amarelado e pequenas nuvens brancas; e no meio, numa estrada que se insinua entre o verde e as flores que enfeitam as duas margens, um cavaleiro segue caminho, afastando-se da casinha. No plano sonoro, um suave arranjo musical deixa entrever por entre as notas a melodia de uma antiga cantiga - Sapo cururu - do folclore brasileiro.

Como se pode depreender das figuras 1 e 2, a cortina que se abre no início da abertura de HDM não é uma cortina qualquer, mas um trabalho artesanal, minuciosamente enfeitado com babados, renda e bordado, imagem que remete à decoração de um quarto de criança ou às avós sentadas em cadeiras de balanço, às voltas com costuras e bordados, enquanto contam histórias para os netos. O estilo artesanal da cortina que se abre continua no cenário que surge por trás dela, todo ele desenhado sobre tecidos: um floral para a terra, outro liso para o céu, no qual se podem divisar as fibras abertas, como nos tecidos próprios para bordados, e pequenos recortes de renda formando as nuvens.

Do colorido da cena, pode-se dizer que corresponde àquele esperado para uma paisagem campestre: cores variadas nas flores (algumas com traços de bordado), verde para o capim e folhas de arbustos, branco para as nuvens e um tom amarelado para a estrada de terra. O amarelo do céu em lugar do azul, que é a cor mais comum para esse elemento, não chega a surpreender: é uma das muitas cores presentes em representações – sobretudo as pictóricas – do sertão, como referência ao sol forte que na maior parte do tempo assola essa região. É o amarelo, aliás, a cor predominante na abertura.

A primeira impressão a que o telespectador é remetido é a de um espetáculo que está para ser encenado. E ainda que os detalhes artesanais do plano de expressão usados na organização do palco, nessa cena de abertura, passem despercebidos, não há dúvida de que o espaço figurativizado para a construção da narrativa, a essa altura, já tenha sido identificado por quem está diante da tela da TV: trata-se de uma representação do sertão. É provável que um grande número de pessoas que assistiram ou assistirão à minissérie não conheça pessoalmente essa “zona pouco povoada do interior do país, (...) mais seca do que a caatinga, onde a criação de gado prevalece sobre a agricultura, e onde perduram tradições e costumes antigos.” (FERREIRA, 2001, p. 1293). No entanto, o sertão parece morar no imaginário dos brasileiros, sem deixar de despertar o interesse de povos estrangeiros.

Pesquisadores de diferentes épocas registraram as características seculares do sertão: como Saint- Hilaire (1975), naturalista francês, que percorreu e estudou o interior brasileiro

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em 1817. Entre outros registros que ele deixou, referentes a essa parte do Brasil, ele destaca as diferenças substanciais que a região registra em períodos chuvosos e de seca, que vão do maravilhoso ao verdadeiro caos. Maurice Gaspar (1910), que também fez seus registros no século XIX, observa a hospitalidade, a disposição e a solidariedade do sertanejo, enquanto a pesquisadora contemporânea Walnice Nogueira Galvão (1972) chama a atenção para o contraste entre a caatinga e os rios e veredas que cortam a terra seca. Para Euclides da Cunha, o sertanejo é antes de tudo um forte e o sertão, na visão de Guimarães Rosa, está em toda parte.

O fato é que o sertão é ao mesmo tempo sedutor, com suas lendas e tradições, e assustador, pelo que representa de sofrimento, fome e violência. E a maior prova de toda a influência que esse espaço exerce no imaginário dos brasileiros está na sua constante e diversificada representação nas artes. A prosa de Guimarães Rosa, a poesia de João Cabral de Melo Neto, a música de Villa Lobos, a canção de Luiz Gonzaga, a pintura de Portinari, o cinema de Nelson Pereira dos Santos e a televisão de Luiz Fernando Carvalho são apenas alguns dos inúmeros espaços que o sertão ocupa nas artes brasileiras. Antes de tudo isso, entretanto, é necessário lembrar que durante muito tempo o espaço em que se construíram as narrativas infantis era o interior do país. Basta citar o Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, para entender porque toda criança, mesmo urbana, cresce conhecendo, pelo menos em parte, o universo rural.

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O compositor João Araújo, de Belo Horizonte, fez uma canção intitulada Menino da cidade em que fala do que ele chama de “saudade do que nem vivi”, e afirma: “se eu não nasci lá no sertão/Meu coração sabe senti/ Cheiro de roça pelo ar/Café que cabô de sair/ Terra molhada, vai chover.” (ARAÚJO, 2005). Os versos do compositor – que demonstram não apenas certo conhecimento sobre os costumes do sertanejo, como também de sua expressão, já que foram construídos com a chamada linguagem “caipira” – apenas endossam o que dissemos acima: não é preciso pisar em terras sertanejas para reconhecê-lo. Portanto, os elementos que saltam aos olhos do telespectador já na primeira cena da abertura de HDM são suficientes para remetê-lo com segurança ao espaço da narrativa que está para ser contada, pois ainda que um ou outro elemento esteja mais condizente com o universo urbano, como veremos na sequência da abertura, a maioria deles nos remete ao espaço rural.

Num movimento de câmara contínuo, que vai da esquerda para a direita, as imagens que se seguem e compõem a abertura da obra confirmam a ideia inicial de que se trata de uma narrativa predominantemente sertaneja: uma mulher segurando uma criança pela mão, às margens da estrada por onde o cavaleiro segue viagem; um pássaro que invade a tela como que substituindo o cavaleiro na cena; um homem agredindo com pauladas outro homem caído ao chão, enquanto é assistido por um terceiro, este com uma pasta de executivo na mão; um casal (a mulher com uma trouxa de roupa na cabeça) seguindo pela estrada; um grupo de cavaleiros; um homem devorando um sanduíche; uma carruagem; fornos de carvão, em cuja redondeza um demônio salta de uma moita para a outra; soldados, rei e rainha, e, por fim, uma noiva que dá as costas ao noivo enquanto, ao fundo, os ponteiros de um relógio caminham para as 12 horas. À exceção da cena que envolve a família real, e que se passa no interior de uma construção, todas as demais estão a céu aberto, sugeridas pelo movimento de câmara, como que sucedendo uma à outra ao longo da mesma estrada. A paisagem vai sendo substituída à medida que as cenas se sucedem, mas sempre com elementos comuns à geografia sertaneja: mato, capim, pedras, árvores ressequidas, casebres, etc.

Assim, pois, no plano do conteúdo, como se nota, e pelo aspecto visual, a abertura da minissérie é composta de fragmentos. E se não é possível ainda conhecer em detalhes os desdobramentos da história, – e afinal não é mesmo esse o objetivo de uma abertura, pois do contrário estaria adiantando-se ao que é da narrativa em si – já é possível antever isotopias de histórias passadas em regiões interioranas, presentes na memória do sujeito a elas exposto,

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seja pela experiência concreta, seja pela ficção, e que são, portanto, familiares aos olhos do espectador.

Por essa rápida sequência, que dura pouco menos de um minuto, pode-se depreender, além do espaço rural, como já dissemos, a presença de personagens reais (a criança, o homem, o casal, os cavaleiros), fantásticos (o demônio) e de contos de fadas (rei, rainha). A figura de um homem com pasta de executivo e outro comendo sanduíche deixam antever um diálogo com hábitos urbanos contemporâneos, o que, aliado aos personagens citados anteriormente, sinaliza para um processo de hibridismo cultural.

No plano de expressão visual da sequência de cenas que completam a abertura, merece destaque a categoria cromática, responsável pela identificação do espaço e do tempo nos quais as cenas se sucedem. O amarelo representativo do sol do sertão, presente na primeira cena, é também a cor predominante em toda a abertura. Na medida em que os personagens se movem

pela estrada, no entanto, essa cor ganha mais espaço e novas tonalidade, chegando a cobrir, por algum tempo, praticamente todo o espaço do cenário. Nas cenas em que o amarelo é mais intenso, considerando que se podem divisar apenas alguns galhos ressequidos de árvores, cactos e carcaças de boi, além dos viajantes, é claro, o espaço é, sem dúvida, o que se poderia chamar de alto sertão, longe de qualquer localidade ou habitação.

Por outro lado, a considerar a intensidade da cor, diluída em tons que vão do amarelo claro, no horizonte, para outros mais escuros que se espalham para o céu e pela terra, denota- se um momento de sol mais forte, ou seja, pleno dia. Pouco mais adiante, uma súbita mudança na iluminação do cenário aponta para o início da noite: nesse momento, a cor ganha uma tonalidade mais escura, dividindo espaço com o marrom, por onde o preto também se insinua.

Figura 5 – Tons escuros: início da noite Figura 4 – Tons de amarelo indicando dia de sol

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É o momento em que também aparecem, ao fundo, uma casa e uma igreja, indicando que a viagem agora é por espaços habitados.

É importante ressaltar que, apesar da predominância do amarelo, cor originalmente tônica20, a possibilidade de saturação do visual por esse elemento cromático é impedida pela presença, ainda que esparsa, de cores variadas e/ou mais suaves nos figurinos, nos pássaros que cruzam os ares, ou em bandeirolas pendentes do alto. São esses elementos que garantem uma sutil quebra no andamento até então excessivamente acelerado pela tonicidade das cores e da luz.

Nesse sentido, a substituição do amarelo pelo azul, no momento em que no céu se vê uma meia lua, seguida pelo surgimento de estrelas e depois por uma lua inteira, revelando a noite alta, traz um descanso para os olhos, já que apesar da tonalidade escura pelo uso da cor preta, a presença do azul e do

branco indicando a

luminosidade dos astros, no céu, imprime alguma suavidade ao cenário. De uma maneira geral, no entanto, a sequência apresenta equilíbrio entre um plano de expressão mais rápido em relação ao conteúdo, cuja familiaridade o torna mais lento, garantindo junção positiva com o telespectador.

Aqui temos uma inversão de valores: o frio do azul é aquecido pelo vermelho e amarelo do fogo que aponta dos fornos de carvão, e em marrom avermelhado é o demônio que salta entre as moitas. Em meio a elementos assustadores, uma carruagem segue pelo caminho, apontando para a magia e o encantamento, o verde reaparece e logo um castelo onde a cena (agora interna) indica um casamento real. O colorido e as rendas trazem de volta a fantasia e a leveza da primeira cena. O ciclo então se fecha com o fim da abertura e, com ela,

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Os conceitos de tônico e átono, aplicado às cores são, por vezes, relacionados a cores quentes (amarelo, vermelho e laranja) e frias (azul, verde e violeta). Pelo ponto de vista da Semiótica, no entanto, nem sempre essa correlação é válida, já que, dependendo do grau de mistura, uma cor considerada fria, pode tornar-se tônica, assim como uma cor quente pode ser enquadrada como átona. No primeiro caso, temos o verde cítrico, por exemplo, cuja mistura recebe maior quantidade de amarelo e, no segundo, o amarelo claro, pelo acréscimo da cor branca.

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a curiosidade e a expectativa se instalam. O telespectador está, pois, em posição de espera, confirmando Lucia Teixeira quando, relendo Otávio Paz e Zilberberg (2007) diz que a “disposição de alma” a que Paz se refere como efeito do ritmo, “corresponde a uma expectativa do sujeito em relação ao que advirá.” (TEIXEIRA, 2008, p. 170)

Voltando ao plano do conteúdo, podemos dizer que, quanto ao espaço onde se constrói a narrativa e à actorialização, parece não haver dificuldade de apreensão do enunciado presente na abertura de HDM. De acordo com a semiótica tensiva, o ritmo está na base da construção do sentido em um discurso, e a ideia de ritmo está, por sua vez, ligada ao andamento (acelerado ou desacelerado), à velocidade com que o sujeito entra em contato com o objeto, para o que o conhecimento prévio de pelo menos parte do conteúdo presente no discurso contribui enormemente. Conforme explica Renata Mancini,

Quanto mais rápido o andamento de um conteúdo qualquer, ou seja, quanto maior a celeridade de penetração de seu valor na arena perceptiva do sujeito, maior o susto, o arrebatamento que ele promove e, consequentemente, menor sua intelecção. Por outro lado, um conteúdo desacelerado é aquele que penetra o campo de presença21 em uma velocidade compatível com a intelecção. (MANCINI, 2007, p. 297).

O andamento, que está ligado primordialmente à velocidade do discurso, como se denota da citação acima, pode ser analisado, também, pela previsibilidade (desacelerações) ou, ao contrário, pelas surpresas e precipitações (acelerações) que a familiaridade (ou ausência dela) com o conteúdo ou com elementos da linguagem de expressão, podem

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A noção de campo de presença, devida à fenomenologia de Merleau-Ponty, está ligada às relações juntivas entre sujeito e objeto. A questão em destaque para a abordagem tensiva, e que interessa ao nosso estudo é a compreensão de campo de presença como a arena onde se estabelece a relação entre sujeito e objeto, ou seja, o campo da percepção. (MANCINI, 2007, p. 296).

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provocar no sujeito. Em se tratando da velocidade de apresentação do objeto, ou da medida do conhecimento prévio por parte do sujeito, o resultado será sempre uma reação de conforto ou desconforto, de junção ou disjunção, dependendo da medida da intelecção.

Vale dizer, portanto, que no texto sincrético em análise, o andamento predominante do conteúdo é desacelerado, e para isso a linearidade do tempo, denotada a partir do movimento contínuo de câmara e da alternância na iluminação do cenário, sugerindo uma sucessão de dias e noites, dá uma importante contribuição.

Pelo aspecto sonoro, temos uma composição instrumental na qual se identificam pequenos trechos de melodias de antigas cirandas e cantigas de roda, formando um pout- pourri do qual, possivelmente, pelo menos um fragmento será reconhecido pelo enunciatário. Assim, mentalmente, na sequência do Sapo cururu que sonoriza a primeira cena, é possível reconhecer melodias que remetem a cantigas como Constança, Rosa amarela, Belos olhos ou Cai, cai, balão. A junção desse plano sonoro com o visual descrito anteriormente constitui, na abertura, o sincretismo que caracteriza a linguagem televisual.

Figura 8 – Final da abertura, com título da obra

Pois bem: se a enunciação sincrética requer um conteúdo comum às diferentes formas de expressão, a eliminação das respectivas letras das cantigas selecionadas para constituírem o plano musical não foi aleatória, já que elas, por não possuírem uma relação direta com o conteúdo visual, poderiam confundir o enunciatário. Despidas de suas letras, no entanto, a

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compilação melódica de cantigas de roda complementa o sentido proposto pelo plano visual, para sintetizar a obra, na medida em que ela – a música – é que reforça o elemento folclórico que dará o tom da minissérie, bem como sinaliza para a fragmentação das cenas como forma de antever a reunião de várias histórias numa só. Após o último fragmento do plano visual, a compilação melódica também é encerrada e o ritmo mais lento das notas indicando o final de uma peça orquestrada acompanha o ritmo com que as letras vão se desenhando no fundo do palco – o mesmo da primeira cena – compondo o título da obra, em que o nome Maria se destaca pelo tamanho, cor e tipo de fonte diferentes das demais palavras, e pelo traço de bordado com que é desenhado.

Segundo Yvana Fechine, “Na produção audiovisual, a preocupação com uma enunciação sincrética confunde-se com os processos de montagem” (FECHINE, 2009, p. 330), nos quais as correspondências são estabelecidas a partir de “engates” entre unidades de diferentes semióticas – visual e sonora.

No cinema, a unidade da montagem é o plano. Não parece produtivo, no entanto, observar (ou orientar) a montagem buscando uma articulação estrita entre elementos da cadeia audiovisual (relação plano a plano entre imagem, música, fala, etc.). Ou seja, não se pode esperar que o desenvolvimento do sintagma audiovisual seja o resultado de uma correspondência, ponto a ponto, entre unidades dos sistemas visual e musical que o compõem. Para pensarmos as correspondências é preciso, portanto, eleger unidades maiores dentro da cadeia sintagmática audiovisual. (FECHINE, 2009, p.333)

Assim, ao observar a montagem da abertura de HDM, verificamos que a cada fragmento melódico corresponde um fragmento visual que, por sua vez, sugere um novo acontecimento. O momento em que se dá a mudança de uma unidade (musical e visual) para outra, portanto, são os pontos de “engate” citados pela autora. Dessa forma, a composição musical folclórica e fragmentada contribui para que o enunciatário identifique a presença de mais de uma história dentro da história. O sentido então se constrói: estamos diante de uma compilação de contos e cantos da cultura popular. E mais: as melodias de cantigas de roda aliadas à imagem inicial da menina no balanço, à delicadeza dos elementos artesanais utilizados na composição estética e às cenas da narrativa que certamente já foram apresentadas ao público algumas semanas antes, não deixarão dúvida de que a obra que está por vir retoma a cultura popular voltada, primordialmente, para o universo infantil. Um universo infantil que vive na memória de sujeitos pertencentes a qualquer faixa etária e que, portanto, não está restrito às crianças.

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Retomando o conceito de andamento referido anteriormente, e a ele acrescentando as noções de foco que designa o regime de manipulação do sujeito através de um andamento acelerado – causado pelo estranhamento, por exemplo -; e apreensão, que se refere a uma percepção desacelerada - como no caso de um conteúdo familiar -, é possível afirmar que a abertura de HDM, ao apresentar um grande número de elementos já conhecidos, manipula o enunciatário predominantemente pela apreensão, o que torna mais confortável a interlocução entre enunciador e enunciatário22. Os estudos acerca do ritmo nos discursos comprovam, no entanto, que da mesma forma que a aceleração exagerada pode constituir entrave à intelecção e aceitação do enunciado, uma desaceleração muito acentuada pode também provocar o desinteresse do sujeito. Uma estratégia de manipulação eficiente, portanto, é aquela que consegue equilibrar o andamento do conteúdo, de forma a possibilitar a interação do sujeito com um dado objeto, em parte pelo que já é previsto, em parte pelo que pode dar a conhecer. A isso se aplica o que diz Sílvia Maria de Sousa (2009), relendo Luiz Tatit:

Segundo Tatit (1997) tanto a surpresa quanto a espera necessitam de um equilíbrio entre o sujeito e o objeto. Se um objeto se apresenta numa velocidade muito grande, corre o risco de escapar do sujeito, pela perda de seus contornos e identificações. É o caso de alguns objetos de vanguarda artística, por exemplo, que de tão imprevisíveis nem chegam a ingressar no campo de percepção do espectador. Em contrapartida, na utilização de um ritmo lento demais é o sujeito que se perde do objeto, dele se desinteressando. (SOUSA, 2009, p.384)

Assim é que se, por um lado, a familiaridade com o espaço e o tempo, e as figuras que os povoam, contribui para aproximar o enunciado de HDM do telespectador, por outro lado, tais informações estão parcialmente encobertas pelo traço um tanto impreciso utilizado para desenhar atores e objetos em cena e pelo próprio caráter de síntese que tem uma abertura. Para exemplificar, tomemos a figura de um casal que segue pela estrada, ambos carregando trouxas na cabeça: depois de assistir à minissérie pode-se relacionar esse desenho à cena dos retirantes da seca. Antes, porém, é apenas um casal tipicamente rural, pois não há elementos figurativos suficientes para uma leitura precisa que leve à identificação dos retirantes.