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Dos teleteatros às telenovelas: a consolidação do gênero ficcional na TV

1. PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA, CRÍTICA: PICOS DE AMOR E ÓDIO NA

1.1. A TELEVISÃO, O PÚBLICO E A FORMAÇÃO DO GOSTO

1.2.1 Dos teleteatros às telenovelas: a consolidação do gênero ficcional na TV

A fim de atender a esse público culturalmente mais elitizado que a TV atraía nos seus primeiros anos de existência, os teleteatros foram o carro chefe da teledramaturgia e, ao mesmo tempo, conforme afirma Cristina Brandão, “o desbravador do desconhecido terreno da linguagem televisiva”. (BRANDÃO, 2010, p. 41) As encenações teatrais, ao vivo, ao mesmo tempo em que atendia o propósito da Tupi de se aproximar de um modelo de TV mais cultural e menos comercial, também serviram como uma espécie de laboratório para o nascimento do que hoje se define, ainda que precariamente, como linguagem televisual. Diz Ana Maria Balogh,

O que se denomina de modo impreciso de ‘linguagem televisual’, nada mais é do que um vasto amálgama das linguagens prévias de rádio, do cinema, dos quadrinhos, ou daquelas que foram surgindo paralelamente à TV ou junto com a TV, como a do vídeo-clipe, e da computação gráfica, entre outras. Todas elas foram incorporadas ao quotidiano da TV em sua insaciável voracidade. (BALOGH, 2004, p. 141)

Conforme se depreende da afirmação acima, a televisão parece ser o ponto de convergência de todas as linguagens artísticas ou comunicacionais que vem surgindo ao longo do tempo e em função da evolução tecnológica. Em sua origem, no entanto, pelo menos aqui no Brasil, estão principalmente o teatro e o rádio, presentes através de profissionais que, de uma maneira ou de outra, eram responsáveis pela programação, e ambos se esforçando para promoverem uma aproximação com a estética do cinema. Foi um lento aprendizado sobre o fazer televisão ficcional: “Falamos de um método artesanal de se encenar a teledramaturgia, mas verificamos que tais produções, embora tecnicamente limitadas, deixavam transparecer um lado criativo e ousado”. (BRANDÃO, 2010, p. 44). Como se verá adiante, a adesão de cineastas ao processo de produção foi decisiva para a evolução da linguagem televisual.

Como carro-chefe da programação, nos seus primeiros anos, os teleteatros ocupavam, naturalmente, o chamado horário nobre da televisão, assim permanecendo por quase duas décadas, quando o espaço foi ocupado pelas telenovelas. Este formato, por sua vez, surgiu pelas mãos dos profissionais do rádio, insatisfeitos com o fato de o teleteatro não atingir um público mais popular, que era, afinal, o público do rádio, veículo de massa mais acessível até então. Assim, embora as telenovelas só tenham ocupado definitivamente o horário nobre da televisão no final da década de 1960, este tipo de ficção começou a se delinear já em 1951, com a adaptação de radionovelas para a televisão. Em pouco tempo surgiram roteiros

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originalmente escritos para a TV, ainda pelas mãos dos profissionais do rádio. Era o início da prática de se contar histórias em capítulos.

Convém lembrar que embora o teleteatro e a telenovela tenham convivido por muitos anos no espaço da televisão, os conflitos eram constantes. De um lado, os profissionais do rádio, que criticavam a técnica teatral inadequada para a TV, conforme palavras de Walter Durst (2010): “[...] o ridículo era um só... porque eles tinham a câmera na mão deles e eles estavam berrando... então nós passávamos o tempo rindo deles...” (DURST apud BERGAMO, 2010, p.69). Por outro lado, o pessoal do teatro, defendendo um status mais cultural e independente. É Sérgio Britto quem diz:

Na Tupi havia uma certa invejinha em cima da gente, eu não tinha motivo para ter inveja nenhuma. [...] Mas na verdade nós éramos os nomes independentes da televisão. Vínhamos de teatro, onde tínhamos o nosso jeito. Nosso nome entrou para a televisão com mais prestígio, teve um espaço maior, inclusive econômico. (BRITTO apud BERGAMO, 2010, p. 69)

Ao que parece, é justamente este espaço privilegiado concedido ao teleteatro que incomodava os profissionais do rádio, responsáveis pelo cotidiano da televisão10, porém gozando de um status artístico diferenciado (e inferior) em relação ao pessoal do teatro, conforme palavras de Lima Duarte:

Então às segundas-feiras os “deuses” do teatro iam para lá, ocupavam o estúdio e reproduziam, na televisão, o espetáculo que eles estavam fazendo em cena.[...] A gente não se afinava muito não. Porque a gente trabalhava lá todo dia, fazendo novela, trabalhando mesmo, né, no dia a dia da coisa. E eles só vinham às segundas-feiras. [...] falaaavam, parecia melhor, né, porque falavam muito mais fluente (sic) que a gente... pô! (DUARTE apud BERGAMO, 2010, p. 68)

Essa presença assídua dos profissionais do rádio nos estúdios, no entanto, aliada ao desejo de popularização da TV, contribuiu para a substituição do teleteatro pela telenovela, pois enquanto o primeiro formato ia ao ar uma vez por semana, quando não apenas quinzenalmente, a telenovela era exibida três ou quatro vezes por semana. Com isso, embora àquela época ainda não houvesse uma programação fixa, a telenovela estava presente mais regularmente na telinha, passando a ser diária em 1963. Nessa época, a audiência dos teleteatros ainda era maior, porém o público começava a se habituar aos horários fixos para os

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Além dos profissionais que garantiam o funcionamento da TV, vieram do rádio também ideias e programas, como o jornalístico Repórter Esso e o humorístico Balança mas não cai, entre outros. Apesar disso, o prestígio maior iria para os teleteatros.

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programas. Isso, aliado ao fato de que o número de televisores vendidos aumentava significativamente – de 434 mil em 1950, para 2,4 milhões em 1966 –, fez com que a telenovela passasse a fazer parte do dia a dia dos telespectadores, até virar mania e se tornar a responsável pelo aumento da audiência, passando a ocupar o horário nobre, no final daquela década. A televisão se impunha como veículo de massa, tendo nas telenovelas seu principal atrativo.